2020 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 101
minho de Durban rebocado pelo petroleiro panamense Esso-Port Dickson. A notícia é de molde a causar estupefacção, pois além do mais não se compreende que o petroleiro não contacte com as autoridades marítimas de Moçambique. Da mesma origem vem a notícia de que o Angoche foi encontrado pelo (petroleiro à deriva, com fogo a bordo e sem tripulação.
Pessoal do petroleiro extinguiu o fogo, para o que este navio atracou mais de uma vez ao Angoche, o que leva a supor que, navegando carregado de petróleo, o incêndio devia ser muito limitado.
As nossas estações de rádio fazem várias tentativas, sem resultado, para comunicar com o Esso-Port Dickson. Quando, finalmente, este dá acordo de si, transmite posições erradas 1 Só na manhã de 3 de Maio é localizado pela fragata que na sua escuta rádio interceptara no dia anterior uma comunicação do petroleiro para o rebocador Baltic, informando-o da sua posição. Os navios de guerra dirigem-se para o petroleiro, contactando-o no mesmo dia entre Vilanculos e Inhambane. O Angoche teria sido encontrado pelo petroleiro a cerca de 30 milhas a S. S. E. da ilha de Moçambique, pouco depois das 11 horas do dia 26, posição para onde teria descaído com a forte corrente do canal.
Entretanto, na manhã do dia 4 chega o salvádego alemão Baltic, que vem passar reboque ao Angoche, seguindo o petroleiro para Durban. Navegam, rebocador e reboque, com rumo a Lourenço Marques, escoltados pela fragata, onde chegam às primeiras horas do dia 6. As intensas buscas efectuadas pelos navios e aviões, que duraram até ao mesmo dia 6, não conseguiram descobrir qualquer tripulante, nem tão-pouco resultaram as medidas de pesquisa, em terra, ao longo da costa.
Várias notícias de agências estrangeiras vão aparecendo. Uma de origem alemã diz que o navio teria sido objecto de um ataque de piratas; que foram mortos doas tripulantes. A B. B. C. diz que a «Erelimo» declina qualquer responsabilidade no golpe de mão e que parece estar cativa a tripulação na Tanzânia.
Sejam quais forem as razões que o capitão do petroleiro queira alegar, nenhuma justifica o seu silêncio e a sua conduta subsequente dando posições erradas do seu navio. A sua atitude foi contrária aos sãos princípios da ética marítima e, portanto, mais que condenável.
No Angoche os estragos são enormes, causados por poderosa carga ou cargas explosivas. Com este quase inacreditável e bárbaro sinistro, que era/volveu, além da inutilização do navio, o desaparecimento da tripulação, parece que regressamos aos tempos da pirataria mais cruel. Com o terrorismo moderno, até aqui mais agressivo e impiedoso em terra, já tínhamos voltado à época da barbárie. O ar, por sua vez, também lanha dado, neste campo, algumas indicações que foram buscar inspiração ao famigerado assalto ao Santa Maria em Janeiro de 1961, que mesmo os autênticos países marítimos não quiseram julgar em definitivo como acto de pura pirataria.
As ideologias políticas ao que conduzem! Mas sofreram e continuarão provavelmente a sofrer, apesar das medidas tomadas, com o desvio e até destruição de aviões. Rebentou-lhas a castanha na boca, como diz o nosso povo.
Parece-me oportuno definir, em resumo, o que se entende por pirataria. No sentido restrito originário, corresponde a qualquer acto de violência praticado sem autorização, no mar alto, por um navio privado contra outro navio.
Outros actos, porém, surgiram que foram considerados, e continuam a ser, por vários autores, como de pirataria. Assim Oppenheim considera pirataria «qualquer acto de violência mão autorizado, praticado mo mar alto, quer por navio privado contra outro navio, quer pela tripulação amotinada ou passageiros contra o seu próprio navio». Colombus considera pirataria «todo o acto de (violência cometido no mar alto sem autorização e fora da jurisdição de qualquer Estado civilizado». Estas definições, geralmente aceites pelo costume e pela doutrina, foram amplificadas por outros autores. Keny, por exemplo, designa-as como «qualquer violência armada que não constitua acto legítimo de guerra». Smith diz: «A pilhagem, o rapto e o assassínio definem normalmente o carácter de acto de pirataria.»
Finalmente, a Convenção Internacional sobre o Mar Alto, de Genebra, em 1958, considera pirataria:
Todos os actos ilegítimos de violência, detenção ou qualquer acto de pilhagem cometidos para fins pessoais pela equipagem ou pelos passageiros de um navio privado ou de uma aeronave privada e dirigidos:
a) No mar alto, contra outro navio ou aeronave, ou contra as pessoas ou bens a bordo desse navio ou aeronave;
b) Contra um navio ou aeronave, pessoas ou bens, num lugar fora da jurisdição de qualquer Estado.
A pirataria é considerada pelo Direito Internacional, tal como o tráfico de escravos, crime contra o direito das gentes, e o pirata deve por isso ser perseguido por navios de todos os Estados.
O grave incidente ocorrido com o Angoche vem demonstrar a todos os homens conscientes deste país marítimo por excelência a necessidade imperiosa de possuir uma marinha de guerra que corresponda às responsabilidades pelo menos nacionais, e estas são só por si enormes na fase presente, mas são-no ainda em maior extensão, porque também temos responsabilidades internacionais, a que não convém eximirmo-nos.
Há muitos anos venho pregando esta doutrina e, depois que se iniciou o terrorismo, pugnando por meios navais e aeronavais que nos permitam defender o que é nosso e infundir respeito aos inimigos. Se a costa Norte de Moçambique e respectivos pontos dispusessem dos convenientes meios de patrulha constituídos por navios e aviões, talvez não tivesse ocorrido o desastre do Angoche, ou pelo menos, na extensão em que se verificou, fosse acto feroz de terrorismo ou de pirataria. Oxalá que os meios disponíveis permitam implantar sofrivelmente as medidas que terão de ser tomadas, pois o terrorismo no mar parece iniciado, e o Ministro da Defesa da República da África do Sul já a isso se referiu publicamente. E quanto a navios mercantes, presentemente, não será fácil diferenciar entre terrorismo e pirataria.
Neste momento julgo oportuno declarar a minha satisfação, e daqui felicitar o Governo pela promulgação do Decreto-Lei n.º 204/71, de 14 de Maio findo, concedendo o crédito julgado necessário para a construção de quatro corvetas tipo João Coutinho, com armamento e equipamento mais (actualizado e poderoso.
Sei que o Tesouro está sobrecarregado com pesados encargos militares, nuas, a meu ver, esta decisão é apenas uma achega para a solução do problema. De resto, esperei sempre que esta nova série fosse de seis e não de quatro navios, como, aliás, aqui tive oportunidade de declarar. Trata-se de unidades oceânicas muito económicas e com valor militar suficiente para satisfazer as nossas tarefas e missões, designadamente no ultramar.
Não podemos esquecer que os objectivos a defender ou a vigiar para evitar surpresas, sempre dolorosas e