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24 DE JUNHO DE 1971 2163

Para tanto, a lei fundamental do País, ao ser revista, não poderia nem deveria permitir que o Executivo deixasse, de ser forte; que a Assembleia Nacional se transformasse no pivot da vida pública portuguesa; que a preocupação de não cerceamento das liberdades cívicas viesse a ser causa e estímulo do desbobinar das paixões e querelas políticas de antanho.
Pela parte que me toca, sem renegar a cepa liberal, à sombra da qual nasci e a que desejo manter-me fiel até aos meus últimos dias, entendo que o Governo demonstrou, na sua proposta, o salutar propósito de dar decisivo e irreversível passo no sentido da restauração das liberdades, a que o Chefe do Governo se referiu ao tomar posse, como objectivo nacional que cumpre ter sempre em linha de conta.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - Alguns teriam desejado que se fosse mais longe; mas eu creio firmemente que o Governo foi, neste momento, exactamente até onde deveria e poderia ir. Por isso, terá o meu voto e, estou certo, o da maioria esmagadora da Assembleia Nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Algumas vozes, porém - e não das menos relevantes - aqui se têm ouvido, apelando para uma abertura política mais .acentuada, solicitando do Plenário a aprovação de, pelo menos, determinados artigos constantes dos «projectos» de revisão da responsabilidade e iniciativa de colegas nossos.
Não está no meu feitio e não poderia estar, nesta tribuna, nos meus propósitos, entrar em polémica com qualquer dos membros desta Casa - a que todos pertencemos e onde é mister preservar um sadio e generoso espírito de concórdia pessoal e mútua compreensão.
Mas o meu querido e eminente amigo Francisco de Sá Carneiro aceitará, por certo, com o seu reconhecido fair play, que lhe diga daqui quanto apreciei o trabalho que apresentou, embora não venha a lograr atingir os objectivos que se propôs.
A Assembleia Nacional, como câmara essencialmente política, examina os diplomas que, nessa qualidade, lhe são apresentados e, portanto, de harmonia com o circunstancialismo específico do momento. Seria erro grave, porventura irreparável, deixarmo-nos embalar ao sabor de especulações meramente teóricas, ainda que brilhantemente apresentadas, que nos poderiam levar a legislar para hoje o que nem sequer temos a certeza de poder vir a ser aceite amanhã.
O velho aforismo que nos ensina ser «a política a arte do possível» tem de estar sempre presente no espírito e na actuação dos Deputados, cujo permanente enquadramento na realidade se afirma como dever irrenunciável.
Nem me parece que constituam motivo de perturbação, paira a Assembleia ou para o País, intervenções no estilo daquelas que o Dr. Sá Carneiro e outros ilustres colegas aqui apresentaram.
Sem me deter no pormenor da análise e mesmo sem negar validade a grande parte das premissas em que fundamentou o seu trabalho, eu gostaria ainda de dizer e recordar ao Dr. Sá Carneiro que, sem o seu talento e a sua temível lógica jurídica (alicerçada em experiência profissional que a minha brevíssima, mas saudosa, passagem pelo foro não me pôde proporcionar), eu não teria a menor dificuldade em fazer uma análise paralela de qualquer sociedade politicamente constituída e chegar a conclusões ainda menos favoráveis do que aquelas a que o Dr. Sá Carneiro chegou relativamente ao statu quo português.
Desde a celebrada democracia norte-americana - a que alguns dos principais responsáveis pela própria gestão política se não cansam de formular críticas, em relação às quais a intervenção do Dr. Sá Carneiro seria exemplo «cor-de-rosa» ... - até cairmos nas também soit disant democracias populares, colonizadas pela Rússia, passando pela livre Inglaterra, pela progressiva Suécia, pela Argélia socialista e pela China de Mão Tsé-Tung, nenhuma forma de governo nem lei constitucional em vigor seriam poupadas ao bisturi implacável que as desejasse reduzir às cinzas da incongruência e das contradições.
Nós vivemos em Portugal; em Portugal queremos continuar a viver. Precisamente porque «não há Portugal sem portugueses» - como aqui disse o Dr. Sá Carneiro - é que nós temos de actuar e legislar com os pés na terra, de harmonia com a preparação cívica dos cidadãos que constituem e identificam a comunidade.
A democracia não é susceptível de se instaurar por simples decreto. Mas por simples decreto pode vir a perder-se o caminho que acaso já se tenha percorrido.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, se abstraíssemos das realidades nacionais - agradáveis ou desagradáveis - e tentássemos legislar como se vivêssemos noutra sociedade, composta por outros homens, com outras mentalidades e outra preparação, paira além do mau serviço que prestaríamos ao País e a nós próprios, daríamos a todos - aquém e além-fronteiras - um discutível exemplo de participação e pragmatismo políticos. É que o progresso de uma sociedade em vias de desenvolvimento não é uma resultante da liberalização, segundo o meu modo de ver e contrariamente àquilo que o nosso ilustre colega Prof. Miller Guerra acaba de afirmar, mas é uma consequência desse desenvolvimento.
Julgo que os casos típicos da União Soviética e da vizinha Espanha são disso prova irrefutável.
Sr. Presidente: Um ponto há - e só a esse concretamente me haverei de referir - que parece merecer especial atenção e que logra suscitar algumas dúvidas. É a forma de eleição do Chefe do Estado.
Acontece até que o actual Presidente do Conselho foi relator em 1951 do parecer da Câmara Corporativa que preconizava a continuidade de eleição do Presidente da República através do sufrágio universal. Daí o apontar-se como ortodoxa a tese que defende o regresso àquele sistema.
O argumento é aparentemente válido, mas carece de conteúdo.
Se o Governo, agora presidido pelo relator do referido parecer de 1951, ao apresentar a proposta de revisão constitucional manteve a actual forma de eleição do Chefe do Estado, ninguém poderá duvidar de que:

Ou o relator de então, Chefe do Governo de agora, alterou o seu ponto de vista, entendendo ser perfeitamente aceitável o recurso a um colégio eleitoral mais ou menos orgânico;
Ou o Chefe do Governo de agora, relator de então, mantendo o ponto de vista expresso em 51, entende que será inoportuna e politicamente inconveniente qualquer iniciativa que tente alterar o sistema.