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24 DE JUNHO DE 1971 2161

proposta como nos projectos, nenhuma delas se opõe aos (princípios gerais informadores da Constituição vigente. Podem ser discutíveis, mas revelam um contributo válido no sentido do aperfeiçoamento das instituições vigentes. Por isso, dou a minha aprovação na generalidade à proposta e aos dois projectos apresentados de revisão constitucional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Miller Guerra: - Sr. Presidente: No discurso de candidatura para Deputado que proferi na campanha eleitoral de 1969 afirmei o seguinte:

Não deixarei um só momento de exercer .as funções que competem aos Deputados, entre ais quais menciono em primeiro lugar a fiscalização dos actos do Governo e da administração pública. Esta função fiscalizadora tem como pressuposto o direito à livre apreciação e à crítica, sem o que toda a acção útil se esvai.
É certo que a Assembleia não é normalmente um centro de decisões, mas também é certo que é um recinto onde se podem fazer ouvir outras vozes que não só as de monocórdico assentimento. E isso é de primeira importância, porquanto onde não há divergências mão há representação verdadeira.
A acção fiscalizadora - continuava eu - baseia-se na liberdade de crítica que muita gente identifica com polémica demolidora, como se apenas fossem patrióticas as atitudes apologéticas e laudatórias. Penso que o respeito pelas minorias e a discussão ampla e leal são condições de paz e de progresso. Elas pressupõem a existência de uma informação objectiva e verídica. Sem liberdade de informação, todas as outras liberdades são ineficazes. Sem liberdade de expressão, o pensamento amortece.
A liberdade não é uma dádiva gratuita - é um valor frágil que tem de ser procurado e defendido constantemente. Por isso requer uma educação que consiste no exercício da própria liberdade.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador:

Eis o que penso, eis o que creio, eis o que defenderei sem fadiga nem temor.

Rodou um ano e meio sobre estas declarações. Tenho hoje, como então, a mesma confiança e sustento com o mesmo ardor o ideal que estas palavras traduzem.
Desalentado com o fraco dinamismo do regime precedente, persuadido de que chegara o ensejo de impulsionar o progresso nacional, aceitarei a candidatura.
As ocasiões de participação na vida política há muitos anos eram praticamente nulas, porque os homens e as instituições neutralizavam facilmente a actividade dos que não possuíam um credo ortodoxo.
Julguei que era a altura de cooperar numa acção colectiva que tivesse como meta o restabelecimento dos direitos, garantias e liberdades individuais. Não alimentava ilusões de que a transição as operasse subitamente, mas de forma gradual, embora com a rapidez como cumpria o atraso em que jazíamos.
A questão que se punha era se o que tinha sido impraticável se tornava possível graças às perspectivas abertas pelas novas condições.
Parecia-me que reinava no povo português um sentimento de incerteza e ansiedade perante os horizontes que inesperadamente se desenrolavam na sua frente. O País, pouco habituado a pensar por si próprio e afeito a entregar nas mãos do Governo o seu destino, tomava consciência de um dia para o outro de que os homens, como as ideologias, não são eternos.
Pareceu-me nessa altura que se podia reordenar a vida comum, assentando-a em três pontos: liberdade intelectual, reforma social e industrialização.
Mas era difícil, como ainda é, saber se o período de transição era tão-só a fase de hesitação entre o fim de uma época e o alvorecer de outra diferente.
O medo da mudança, que muitos confundem com desordem ou catástrofe, endurece as posições dos grupos que nos momentos de crise se apegam às tradições e ao conservadorismo. Todas as classes dirigentes, que só podem manter-se no Poder sob a condição de agir o menos possível no sentido do progresso, que se opõem às adaptações, inteiriçam-se nas atitudes defensivas, esquecendo-se de que algumas adaptações são indispensáveis à sua própria sobrevivência. Qualquer formação sócio-política que desempenhou um papel histórico num dado período não costuma desempenhá-lo no período imediato, pela simples razão de que as realidades mudam, necessitando de novos modos de as interpretar, transformar e dirigir. Os homens, como as coisas, como as ideias, declinam e fenecem, enquanto outros nascem e avançam. Conhecer o instante em que a mudança se dá, prever a sucessão dos acontecimentos, antecipar a acção para dirigir o futuro e não para ser vítima dele, é obra dos políticos talentosos.
As comparações com o passado são vãs; não há comparações valiosas senão com as necessidades e as aspirações, ou ainda com o que os povos da mesma índole do nosso pensam e fazem.
O respeito reverencioso pelas formas de convivência política transactas vê em qualquer discordância uma impertinência, em qualquer crítica, uma agressão, em qualquer ideia reformadora, quase um delito.
O estilo autoritário do poder político, o seu carácter pessoal, o antiliberalismo e a fidelidade intransigente a uma certa forma de tradição histórica desenham a fisionomia geral do regime que vigorou desde 1926. Dentro deste sistema emerge uma característica com desusada relevância: a supressão das liberdades públicas, traduzida pela censura, no campo do espírito, pela polícia política, no campo do comportamento físico. Ambas as restrições, combinadas, avassalam o ser humano.
Por isso, estou convicto de que a restauração das liberdades públicas é a condição prioritária do desenvolvimento. Esta convicção não se baseia apenas em razões de ordem moral, mas igualmente em razões crematísticas, pois onde se suprimiram liberdades levantam-se embargos invencíveis a qualquer tipo de desenvolvimento: técnico, científico, económico, cultural, literário ou qualquer outro.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - Cada vez é mais precisa a cooperação de todos no desenvolvimento, porque cada vez ele depende mais de capacidades intelectuais e criadoras.
A cultura geral, o espírito crítico, a imaginação, a análise das realidades, o confronto entre grupos sociais, entre regiões e países, o conhecimento da vida política e da cultura dos povos, indispensáveis para o avanço das nações e dos homens nas sendas do futuro, não se adquirem com um sistema de censura e repressão ideológica tão apertado que sufoca as consciências e paralisa o mo-