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2188 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 108

A esta justificação, simultaneamente jurídica e histórica, acresce uma razão de princípio.
A matéria dos direitos da pessoa é, em si mesma, constitucional, já que respeita à articulação cidadão-Estado e aos limites dos poderes deste que os direitos daquele constituem. Tem, portanto, justificado assento na lei fundamental tudo quanto respeite à existência real daqueles direitos.
Eles hão-de estar efectivamente assegurados na Constituição.
E não o estarão se qualquer lei ordinária, ainda que a pretexto de os disciplinar, os diminuir ou suprimir, contrariando afinal os preceitos constitucionais.
Isso é possível e foi praticado à sombra do actual artigo 8.º da Constituição; por isso no projecto se propõe uma nova redacção para essa matéria.
As disposições actuais permitiram que se instaurasse todo um regime preventivo, característico, como se viu, do Estado policial, em que, a propósito de prevenir os abusos da liberdade que alguns poderiam cometer, se reprime a efectiva liberdade de todos.
E a censura, são as autorizações policiais, as permissões governamentais, as longas e incontroladas prisões preventivas, as penas administrativamente impostas, as medidas de segurança ilimitadas e o mais que na especialidade se verá.
Com a nova redacção proposta para o artigo 8.º pretende assegurar-se efectivamente os direitos da pessoa, deixando à lei ordinária apenas a regulamentação necessária dentro de um sistema repressivo, característico do Estado de direito, em que, respeitando a liberdade de todos, se reprimem, com a indispensável e adequada severidade, os abusos verificados.
Esse o sentido e alcance das alterações propostas, que determinarão necessariamente o significado da opção que aqui tomarmos.
Reflecte-se a posição apontada também na enumeração dos direitos, havendo-se suprimido a condicionante «nos termos da lei».
Não que se pretenda subtrair o comportamento da pessoa ao império da lei, mas porque, por um lado, se entendeu que não é da vontade do Estado, consubstanciada na lei, que promanam os direitos da pessoa, mas sim da própria natureza desta; por outro lado, há que atentar que, quanto às liberdades fundamentais, é o Estado quem se há-de limitar nos termos da lei.
Por último, os abusos dos direitos, em que as liberdades se decompõem, cairão necessariamente sob a alçada da lei repressiva, aplicada pelos tribunais, a qual integra todo o sistema penal, defensor das pessoas e da sociedade.
O projecto traduz a aceitação da concepção jusnaturalista-personalista subjacente à Constituição e procura conformar o texto constitucional com esse dado essencial da nossa ordem social, incompatível com qualquer sistema policial repressivo, que não protege nem realiza eficazmente a liberdade essencial dos cidadãos.
Tão importante como a enumeração dos direitos é a previsão constitucional da regulamentação do seu exercício, no qual, como no gozo das suas liberdades, «cada um só é submetido às limitações estabelecidas pela lei exclusivamente em vista a assegurar o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades de outrem, a fim de satisfazer justas exigências da moral, da ordem publica e do bem-estar geral, dentro da sociedade democrática», de harmonia com o artigo 29.º, n.º 2.º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que vigora como direito interno português.
Mas todos temos ouvido e lido duas ordens de objecções ao projecto: uma, a de que não devem ter assento na Constituição pormenorizações, tais como as referentes às garantias penais, a opinião pública, à lei de imprensa; outra, e mais grave, consistiria na circunstância de o projecto deixar o Estado desarmado na luta contra a desordem e a subversão.
Quanto ao primeiro aspecto, há que considerar que todos os pormenores se justificam, desde que necessários para a efectiva existência dos direitos. A objecção só terá, portanto, valor, desde que acompanhada da demonstração, que até agora não foi produzida, de que no nosso contexto político-jurídico as especificações que se pretende introduzir são supérfluas.
Atente-se, além disso, em que a Constituição tem inúmeras disposições de pormenor, referentes a matérias carecidas de natureza e de dignidade constitucionais; vejam-se, por exemplo, os preceitos referentes a quem pode assistir às sessões das comissões da Assembleia Nacional ou às reuniões da Câmara Corporativa.
E a propósito da imprensa não se dá desde o início categoria constitucional à obrigatoriedade de inserção de notas oficiosas?
A crítica fundada na limitação dos poderes de Estado é simultaneamente pertinente e improcedente.
Se racionarmos em termos de Estado policial em que, através da existência de todo um sistema preventivo, os direitos e liberdades dos cidadãos se encontram à mercê do Governo - e já anteriormente se viu que no nosso caso o estão -, privado desse aparelho o Estado, passando a ser de direito, deixará de dispor dos meios policiais preventivos de que antes dispunha.
Mas não ficará por isso desarmado, como o não está nenhum Estado de direito, em que por se respeitar a liberdade não deixam de reprimir-se os abusos. Para isso existem as leis e os tribunais.
E quando, pela gravidade das circunstâncias, esse regime repressivo não bastar, tem o governo ao seu alcance a imposição transitória e excepcional do regime preventivo e policial, através da proclamação do estado de sítio ou de regime de necessidade que agora propõe.
Eis como a grave censura feita ao projecto não tem fundamento.

O Sr. Magalhães Mota: - Muito bem!

O Orador: - Pelo menos tanto como os seus críticos, os autores do projecto prezam a ordem e a segurança; repudiam e condenam a desordem, a subversão e o odioso terrorismo.

O Sr. Pinto Machado: - Muito bem!

O Orador: - Mas entendem também que a injustiça, a opressão, o regime policial são grandes fautores daqueles males; entendem que a repressão das liberdades fundamentais gera a revolta, o descontentamento, o mal-estar social e o subdesenvolvimento contrários ao bem comum, ao progresso e à ordem pública ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... entendem que esta só pode conseguir-se e aqueles prosseguir-se com respeito dos valores humanos fundamentais, num sistema em que os abusos sejam reprimidos severamente, mas as liberdades honestamente respeitadas.

Vozes: - Muito bem!