2254 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 112
proposta do Governo mantenha inalteráveis as linhas mestras do Regime, são notáveis as alterações propostas e terão, se aprovadas, grande influência na vida política e social da Nação e progresso do País.
Sendo o Estado social preconizado por Marcelo Caetano um estado de direito, não admira que à proposta do Governo tenha merecido a melhor atenção, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos portugueses, sugerindo a proposta importantes inovações de molde a alargá-las até onde o permitam as exigências do interesse social e do bem comum; outras inovações apresenta a proposta n.º 14/X quanto ao estatuto dos cidadãos brasileiros residentes em Portugal; competência reservada da Assembleia Nacional, sua composição e funcionamento; relações do Estado com a igreja católica e liberdade religiosa; autonomia das províncias ultramarinas, etc.
A atestar o interesse dos Deputados pela revisão constitucional, além da proposta do Governo, foram apresentados em tempo oportuno dois projecto de alteração à lei fundamentai; são eles os projectos n.ºs 6/X e 7/X, o último dos quais tive a honra de subscrever pela razão primeira de se propor nele a invocação do nome de Deus no texto constitucional. O ilustre Deputado Engenheiro Duarte Amaral fez há dias nesta tribuna, com a vivacidade que lhe é habitual, a defesa do projecto n.º 7/X, de que é autor, e fundamentou com brilhantismo as razões que o levaram a propor a inscrição do nome de Deus e a Sua invocação no preâmbulo da Constituição. Eu acrescentarei sómente que Deus não se discute; aceita-se ou não se aceita. Ao lermos os textos da nossa Constituição Política- concluímos sem grande dificuldade que ela aceita Deus. Porque não há-de lá inscrever-se então o Seu santo nome?
O projecto n.º 6/X, apresentado por um grupo de Srs. Deputados, propõe a introdução de várias inovações e emendas ao texto constitucional, principalmente no que diz respeito aos direitos individuais, liberdade religiosa, estatuto da Presidência da República (nomeadamente no que se refere à eleição do Chefe do Estado), Assembleia Nacional, tribunais, etc. Embora a minha opinião não coincida com a dos autores do projecto no tocante a grande parte das inovações e emendas sugeridas, não posso deixar de lhes manifestar aqui a minha admiração pela pureza das suas intenções e pela elevação e sinceridade com que ma comissão eventual, de que tive a honra de fazer parte, discutiram os textos por si apresentados.
Estamos, pois, reunidos nesta Assembleia, em sessão extraordinária convocada pelo Chefe do Estado, para estudarmos e votarmos as alterações propostas nos três documentos que no» termos do artigo 176.º da Constituição, foram apresentados à Assembleia Nacional. Como Deputado eleito por uma província ultramarina foram necessariamente as modificações referentes ao ultramar contidas na proposta do Governo que mereceram a minha melhor atenção e mais demorado estudo.
Na comunicação feita à Assembleia Nacional mo início desta sessão legislativa referiu-se o Sr. Presidente do Conselho a essas modificações, qualificando-as de profundas. Assim é na realidade, tanto na forma como na essência. Os quarenta e três artigos do título VII da actual Constituição ficam reduzidos a quatro, que se ocuparão unicamente do regime político-administrativo das províncias ultramarinas, e incluída nos lugares próprios a outra matéria que mereça ser conservada na Constituição; o título VII ficará assim reduzido a uma função semelhante à do título vi, que se ocupa da divisão administrativa da metrópole e das autarquias locais. Não podemos deixar de salientar que esta inovação toma, na verdade, comum a todo o território nacional a nossa lei fundamental e vem, como é óbvio, reforçar a unidade política da Nação Portuguesa; unidade que festoava na mente do Governo ao propor em 1951 à Assembleia Nacional a integração do Acto Colonial na Constituição Política da República e na vontade dos Deputados constituintes da época ao darem-lhe a sua aprovação; a partir de então, o País deixou de se reger por dois estatutos constitucionais, por um ou por outro, conforme a situação geográfica das suas parcelas, mas a verdade é que a unidade do Estado não foi plenamente atingida, pois embora o estatuto político-jurídico se tornasse um só para todo o país, a verdade é que com a integração do Acto Colonial na Constituição passou a haver como que uma dicotomia constitucional, em que uma parte da Constituição é aplicada à metrópole e outra ao ultramar. Somente agora, com as alterações propostas pelo Governo, será atingido o objectivo de tornar comum a todo o território nacional a Constituição Política da República Portuguesa, o que não deixará de ter grande significado na hora grave que estamos vivendo, quando em África a nossa juventude verte generosamente o seu sangue para que se mantenha íntegra a unidade territorial da Nação.
Mas unidade não quer dizer uniformidade, assim, como a harmonia não resulte da repetição do mesmo som, mas da combinação de sons diferentes.
Portugal é um país com marcada diferenciação geográfica, étnica, cultural e religiosa; espalhado por quatro continentes, cada uma das partes que o constitui é, naturalmente, diferente das outras; mas na diversidade das suas parcelas, Portugal constitui uma unidade territorial e política indivisível; essa unidade não impede, contudo, que se tenha em atenção as diferenças regionais ao elaborar-se a lei fundamental da Nação. Assim o entendeu o Governo ao definir, na proposta de revisão, as províncias ultramarinas como «regiões autónomas com personalidade jurídica de direito público e organização política e administrativa adequada às suas condições», e ao propor as regras fundamentais que regularão a sua autonomia.
Não se mudou de rumo, mas houve a coragem de dar às coisas o seu verdadeiro nome e às palavras o seu verdadeiro significado.
Sr. Presidente: Somente com o triunfo do liberalismo a tradição portuguesa Ide autonomia regional se quebrou, passando então a centralizar-se em Lisboa toda a administração ultramarina portuguesa. A assimilação jurídica e unificação administrativa imposta a todo o ultramar pela Constituição de 1822 teve consequências pouco menos que catastróficas, e só o não o foram ma verdadeira acepção da palavra porque os colonos souberam resistir, com os meios de que dispunham, ao descalabro que tal situação provocou na administração dos territórios; as constituições liberais que se seguiram e os decretos orgânicos que regulavam a administração ultramarina, embora concedessem a cada província um certo grau de autonomia administrativa, poucos mais poderes conferiam aios governadores das províncias (mesmo dos grandes territórios, como Angola e Moçambique) do que os atribuídos aos governadores civis da metrópole; os órgãos locais mão tinham função legislativa e o poder de decisão do governador quase não existia.
Contra este estado de coisas que emperrava toda a vida administrativa das províncias e impedia o seu progresso económico e social se insurgiam as populações locais e eminentes figuras de administração ultramarina, como António Emes e Mouzinho de Albuquerque. Este ilustre português, tornado célebre pelas campanhas de pacificação de Moçambique e prisão do Gungunhana, e talvez mais