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26 DE JUNHO DE 1971 2257

tuicão), mormente quando o País está em guerra em três frentes externas, e os inimigos tentam por todas as formas trazer o desassossego para a frente interna.
E se a salvação da cidade, voluntariamente, isto exige, e por isso o aceitamos, não menos verdade é que daí podem para nós resultar certas dificuldades de expressão, com o consequente risco de menos clara exposição dos pontos de vista que se pretendem aqui expender.
Todos VV. Ex.ªs conhecem estes factos tão bem como eu. Mas é precisamente devido ao carácter público do debate que me pareceu útil referi-los, pois não creio que parte dos nossos concidadãos deles tenham clara consciência. E quiçá esta falta de esclarecimento esteja na origem das incompreensões, especulações, precipitadas ou infundadas conclusões e reacções que muitas vezes nos surpreendem por parte de pessoas de boa fé, estranhas ao pormenor do funcionamento da Assembleia.
Este, portanto, o contexto em cujo âmbito, a meu ver, deverá ser interpretada a apreciação na generalidade dos textos, que neste momento estão em apreciação.
Daí também que as considerações que vou produzir se refiram principalmente ao conjunto formado de proposta inicial do Governo e pareceres da Câmara Corporativa e comissão eventual, tendo em particular conta as redacções que esta última sugere para a proposta.
Não quero com isto diminuir o mérito dos dois projectos apresentados. Apenas, em minha opinião pessoal e por razões distintas embora, nenhum deles se enquadre tão bem como a proposta do Governo na economia geral da nossa lei constitucional - nem nos seus aspectos fundamentais -, economia e fundamentos que, conforme já vários oradores aqui referiram e eu próprio entendo, não estão nem podem estar em causa numa revisão.
É, aliás, meu dever neste momento, e grato dever, deixar aqui expressa a minha homenagem aos autores dos projectos, bem como à Câmara Corporativa e à comissão eventual, em particular aos respectivos relatores, pelo mérito dos textos apresentados e trabalho exaustivo que uma e outra com tanto brilho levaram a cabo.
Sr. Presidente: Sendo a política, a um tempo, a arte e a ciência do Governo dos povos, constitui seu objectivo o assegurar, da melhor forma, que estes, tanto quanto possível, livre e responsavelmente aceitem e realizem as suas vocações próprias como nações, no duplo plano temporal e transcendental. O mesmo se dizendo das pessoas e das famílias, bem como dos restantes elementos estruturais (autarquias locais e organismos corporativos) que, integrando também a Nação, constituem os órgãos de suporte sócio-económico e político daquelas duas realidades essenciais, que, aliás, por intermédio da Nação integram a própria humanidade.
Procurei várias definições de qual seja a vocação transcendental da Nação Portuguesa, pois que dela, e da própria natureza do homem e das coisas, decorre naturalmente a própria vocação temporal do nosso país, na sua qualidade de «corpo intermédio» da cidade terrena.
E de entre todas, a que melhor correspondeu ao meu próprio sentimento foi aquela que deu, no passado dia 8 de Março, o Sr. D. Frei Francisco da Mata Mourisca, bispo de Carmona e S. Salvador do Congo, em conferência pronunciada no Instituto de Altos Estudos da Defesa Nacional, e da qual pelo licença para transcrever os passos que se me afiguram mais significativas, com efeito:

Disse Marcel Clément, num estudo comunicado ao recente Congresso de Lausana, sobre a «Vocação Cristã das nações», que Portugal foi chamado por Deus para ser apóstolo da Fé. Com efeito, o Criador não pode agir senão por determinados fins, tanto em ordem às nações como aos homens. Para cada indivíduo tem Ele um caminho traçado, e outro tanto para cada povo. As nações, dado o papel que jogam na história, não podem deixar de ser um instrumento nas mãos da Providência Divina para a realização de seus insondáveis desígnios. O exemplo mais vivo da divina vocação de um povo encontramo-lo nós em Israel, que foi chamado para constituir no Mundo, através da fé e da esperança, o reino de Deus, continuando pela igreja militante e consumado na triunfante. Depois do povo hebreu, não se vê que outra nação tenha, como Portugal, vestígios tão claros de uma vocação divina a realizar-se na história, e tanto mais nobre quanto mais ligada ao mistério da salvação.
Não foi sem razão que Portugal teve o seu berço na idade teocêntrica da história, quando a cultura humana tinha como eixo o próprio Deus. Não nasceu por cálculos humanos, senão sómente por disposição da Providência Divina. A aquisição dos territórios que haviam de completar a sua intregridade não se efectuou com a simples mira política de constituir um reino, senão com a especial intenção cristã de expandir a Fé. Lisboa e outros territórios ao sul do Tejo foram conquistados mercê dos cruzados e das ordens militares que se propunham defender e expandir o cristianismo.

Mais adiante, diz o Sr. Bispo de Carmona e S. Salvador:

Se foi o zelo apostólico da fé cristã que fez nascer Portugal, também foi a difusão da mesma fé que o fez crescer qual gigante, até se alargar pelas cinco partes do Mundo. Este espírito bem o declarou D. João I, ao iniciar os descobrimentos, dizendo que se não entendesse que era serviço de Deus, de nenhum modo empreenderia tais façanhas, nem que por elas viesse a apoderar-se de todo o munido. Do mesmo espírito é animado o infante D. Henrique, para quem o serviço de Deus estava em primeiro lugar e o resto vinha por acréscimo. Os lugares descobertos pelos heróis do mar eram normalmente baptizados ou assinalados com nomes ou símbolos cristãos. E para fortalecer a fé desses heróis, como para difundir logo nas novas terras, constituía número sagrado das expedições a figura dos missionários. A nossa epopeia marítima teve a mesma geografia e história que a nossa epopeia missionária. Portugal nasceu da Fé, dela se alimentou e por ela se expandiu.
O auge do nosso esplendor nacional acompanhou sempre o fervor missionário na expansão da fé católica. Quanto mais se empenhava Portugal em difundir a glória de Deus, tanto mais Deus porfiava em alargar a glória de Portugal. Ao contrário, as horas mais trágicas da Nação seguiram-se aos actos em que esta, como tal, traiu a sua vocação divina.

Noutro passo da conferência, acrescenta S. Ex.ª Reverendíssima:

Sem pretensões proféticas de futurologismo, temos de confessar que o futuro já começou. Começou e continua a começar todos os dias, nos actos com que fabricamos hoje o amanhã da Nação. Ora, pretender a construção da cidade terrena, ignorando a profundidade humana do fenómeno religioso é um atentado facínora contra o homem e a pátria. Se a religião é um fenómeno universal e válido para todos os povos, mesmo ateus, que acabam por substitui-la com sucedâneos frustrados, para a Nação Portuguesa ela é um