O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2294 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 114

terrupta: trata-se de territórios separados entre si de milhares de quilómetros e situados, mesmo, em continentes diversos.
Geogràficamente distintas, as parcelas em que se decompõe o espaço político e económico português afastam-se - logo umas das outras, de forma extremamente significativa, pelas suas condições e recursos naturais, pelas características das suas populações, pelo seu nível de desenvolvimento sócio-económico, pelos padrões de cultura dos seus povos e pelo contexto geopolítico em que se inserem. E a tudo acrescem, a influir na sensibilidade para os problemas e no acerto das perspectivas, as enormes distâncias que entre elas medeiam e a que todas se encontram da metrópole.
Nada há de mais perigoso do que o «apriorismo» político.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Fazendo da geometria conceituai pura um sucedâneo do real, passa ao lado das situações e dos factos sem se aperceber nem de umas nem de outros e lança sobre tudo, a rasoira das suas ideias feitas.
Desconhecer as diferenças, igualar o desigual, aplicar a todas as situações, por mais irredutíveis que sejam umas às outras, as mesmas regras e os mesmos esquemas, decretar - em nome da validez universal de quaisquer princípios uniformidade que a própria natureza das coisas rejeita, eis o vício comum desse apriorismo livresco superficial, mas de ar catedrático, infelizmente tão vulgar entre nós.
Sobre o ultramar, meus senhores, porque é preciso conhecê-lo pana talão: dele apropriadamente, ouvimos já aqui quem; o conhece - e são esses que interessa e cumpre ouvir, porquanto podem ajudar-mos a esclarecer as ideias próprias. Isso tenho procurado fazer, embora já o haja «sentido», vivendo-o no contacto directo com a sua estonteante dimensão, com a infinita riqueza da sua potencialidade, com os seus pequenos e grandes problemas, com a estrutra e funcionamento da sua máquina administrativa, com o fogo abrasador da sua crença mo futuro, com as suas mentalidades particulares e idiossincrasias específicas. Não basta, de facto, o cliché de um conceito, o colorido de um imediato qualquer, o esquema organigramático de um genial fabricante de abstracções: é necessário ir lá, pisar a sua tenra e viver as sanas gentes, sentir na pele, logo ao primeiro contacto, que se mudou de latitude e de estilo de vida, perceber em cada pormenor imperceptível a «marca» que caracteriza e distingue a personalidade peculiaríssima de cada província.

O Sr. David Laima: - Muito bem!

O Orador: - Ir lá e entender como, apesar dessas marcadíssimas e iniludíveis diferenças, subsiste e cada vez mais se radica uma identidade profunda, feita de um passado orgulhosamente comum, de valores nacionais idênticos e, acima de tudo, de uma idêntica maneira, que é a maneira portuguesa de estar no Mundo.

O Sr. Silva Mendes: - Muito bem!

O Orador: - Para os puros teóricos desligados das realidades - e como o irrealismo não é infelizmente raro neste nosso país - a localização dos centros de decisão, o rateio das competências, a partilha dos poderes é matéria de somenos. E, todavia, meus senhores, como as distâncias são longas e como elas atenuam a acuidade e distorcem o desenho e falseiam o conteúdo das situações e dos problemas. É que é diferente, num e noutro lado, em aspectos essenciais, todo o contexto da vida - como podem ser diferenciadíssimas, em muitas facetas, as características das populações e é, seguramente, distinta a estrutura económica, social ou política. Os fenómenos não têm a mesma significação nem a mesma acuidade em contextos mentais e existenciais diversos. Usamos as mesmas palavras, mas pensamos e sentimos através delas coisas que se não identificam perfeitamente umas com as outras, arriscando-se um diálogo de surdos ou um dueto de monólogos. E falham assim, mais ou menos flagrantemente, os mecanismos de coimando centralizador.
Mais uma vez, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não se trata de uma construção no espaço. Trata-se precisamente do contrário: de uma realidade essencial, muitas vezes testemunhada e comprovada por todos os que, no Portugal ultramarino, tiveram de equacionar e de fazer entender problemas muito específicos dos seus territórios. Esses, e ainda os que, conhecendo profundamente a terra em que vivem, tantas vezes na alta voz do pleno cumprimento do dever cívico ou no silêncio das suas consciências, se rebelaram contra o espartilhamento e a deformação das suas realidades próprias, no colete-de-forças dos belos figurinos teóricos que se lhes não ajustam.
Aqui estão - para não citar muitas outras que seria fácil aduzir - as razões basilares da necessidade de regionalização do Estado. Porque é - sublinhemo-lo bem - de regionalização que se trata.
O que na proposta do Governo se tem em vista é, acima de tudo, proporcionar e garantir a cada parcela do «todo português» a efectiva possibilidade de sem deixar de ser o que é, parte integrante de uma só nação pluricontinental, resolver, adequadamente e em tempo, a cada vez mais complexa problemática que o seu acelerado desenvolvimento económico e social levanta.
Porque, meus senhores, já não pode ninguém estar em África por estar. Os direitos adquiridos têm de readquirir-se em cada momento que passa. Portuguesismo tem de ser, em todas as latitudes, e designadamente em África, movimento contínuo, esforço ininterrupto de promoção de todos os que vivem sob a bandeira nacional. Impõe-se-nos assegurar isso mesmo, sob pena de a torrente da necessidade insatisfeita levar de vencida, como «palha na cheia» o escudo das nossas tão evidentes razões históricas.

O Sr. Ricardo Horta: - Muito bem!

O Orador: - Eis o que de modo algum podemos esquecer e que seguramente o Governo não esqueceu.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Cumpre-nos assegurar com dinamismo e com oportunidade o desenvolvimento económico-social de cada uma das parcelas que integram o espaço português. E isso entende o Governo que só pode atingir-se com a regionalização e a apropriada e consequente descentralização de poderes. Sem dúvida, está com o Governo a razão. E nem por isso se perde, ponto fundamental, a unidade da Nação e a unidade do Estado.
A sociologia já demonstrou que um edifício sócio-político consistente depende, em todos os casos, da sua estruturação na base de grupos sociais múltiplos e de raio cada vez mais amplo, desde o agregado familiar até ao Estado. E isto, não por exigência de qualquer esteticismo ou lógica de construção, mas porque é exactamente assim que a vida social se organiza e funciona.
O homem não é um animal social apenas nos dois extremos da família e da Nação: é social por natureza em