22 DE JULHO DE 1971 2523
pela liberdade dos outros impede-nos de coagir, de impor. Formar não é sinónimo de doutrinar. O educador ajuda a criança e o jovem a encontrar-se. Como expressivamente declarou o Episcopado da metrópole «o homem só aborda a verdade por meio de uma investigação pessoal e livre, que nenhuma pressão externa deve estorvar ou impor».
A finalidade de tal ensino não é tanto formular um código de receitas de conduta, mas ajudar o adolescente a construir uma personalidade. Não basta, por isso, a simples adesão intelectual a um conjunto de princípios. É na acção e pela acção que o homem se realiza. Uma verdade para ser interiorizada e tornar-se móbil da conduta deve ser vivida.
Eis por que as sessões de (religião e moral devem ser ocasião não apenas para pregar a «mensagem, evangélica», mas para anunciá-la numa praxis. No fundo, as estruturas do ensino, produto do Estado, correspondem a um projecto político, não são neutras; os programas, veiculando uma ideologia, também não são neutros; os processos pedagógicos, transposição de uma prática social, também não são neutros; eis por que ensinar é «empenhar-se». Daí que a escola cristã deva expressar a praxis da vida religiosa e ser servida por quem dela dê «testemunho».
Que procuram em tais sessões os alunos, sobretudo os mais velhos? Pouco preocupados com a catequese (tida por problema menor), reivindicam antes educação sexual, informação política, social e mesmo sindical. Poucos reivindicam uma formação cristã mais considerável e autêntica. E quando para eles se apela, em tentativas de diálogo, em busca da formação de grupos de trabalho, ficam silenciosos. Será porque se consideram satisfeitos ou porque as questões postas os deixam indiferentes? Será porque, querendo um «clima de autenticidade», em muitos casos o não encontram? A este respeito, é curioso o desabafo de alguns dos estudantes que, em França, viveram os dias de Maio de 1968. Diziam eles, referindo-se aos seus professores de Educação Moral: «temos a impressão de que eles têm vergonha ...» É certo que muitas vezes nos damos conta de que se verificam «desvãos», que inquietam os pais como os governantes, e ide que deu conta ao País o Sr. Presidente do Conselho, em 16 de Novembro de 1970: «Acontece, porém, que nos últimos anos chegam com frequência ao Governo reclamações quanto ao modo como, sobretudo em certas dioceses, é orientado o ensino da religião e da moral por professores designados pelas autoridades eclesiásticas.»
Sem dúvida, estas sessões não podem ser desencarnadas do Mundo e dos seus problemas. «A Igreja e os cristãos reclamam», escreveu João XXIII, «a possibilidade de manifestarem, livremente, a eficácia singular da sua doutrina paira organizar a sociedade». Exige-se mesmo que os respectivos professores tenham conhecimento das realidades sócio-culturais em que são chamados a exercer a sua acção, que, possuindo documentação sobre os problemas do seu tempo, sobre ela exerçam, com os seus alunos, em grupos de trabalho, uma análise serena, sem sectarismos. Mas, para tal, precisam de conhecer igualmente a realidade aluno, sabendo criar um dia de simpatia, e «empenhando-se», dando-se à sua tarefa com entusiasmo. Eis por que muito se discute, actualmente, sobre se tais sessões mão deveriam ser descolarizadas, o que permitiria dispor «por grupos» os alunos, reunir os jovens de acordo com a sua sensibilidade aos valores religiosos e morais, e levá-los à participação na procura das soluções para os problemas levantados. Be «professor catedrático» passaria a «professor animador», o que também exige mudança de atitudes e de ambiente.
Resta-me tratar de um último ponto: sendo o ensino da religião e moral facultativo, a quem cabe a decisão quanto à sua frequência?
De acordo com a proposta em discussão, os pais eram os responsáveis pela educação religiosa dos filhos até que estes perfizessem 16 anos (na primitiva redacção) ou 18 anos (forma actual). A partir destas idades, seria o próprio educando que requereria ou não o direito de ser dispensado da sua frequência.
A proposta inicial criava uma «maioridade religiosa» aos 16 anos, o que vinha contrariar o sistema actual, regido pela Concordata, a qual regula o âmbito da sua aplicação pelos graus de ensino, independentemente, portanto, da idade dos alunos. Contra a proposta se argumentou, fundamentalmente, que, nessa idade, os jovens atravessam um período de instabilidade e carecem de suficiente maturidade para julgarem da conveniência ou não de tal ensino. No entanto, a estrutura escolar portuguesa põe precisamente nessa idade a grande opção para o adolescente: escolher o curso complementar dos liceus. Será nesta fase que surgem as disciplinas de opção. Por outro lado, se é verdade que aos 15/16 anos o jovem ainda não é um adulto, embora possa ter lido muito ou julgado ter já vivido muito, também é certo que ele deve ter chegado a essa idade com um certo número de noções e vivências, que deveriam funcionar já como que de modo reflexo e trazer outras em situação de serem simplesmente desenvolvidas. Quer dizer, até aos 16 anos a família e a(s) igreja(s) ou confissões deveriam ter efectuado toda uma acção formativa e informativa que possibilitasse a sua vontade de, à luz de novos interesses, continuar, em comunhão com outros jovens e com a presença de um sacerdote (s) ou leigo, a sua educação moral e religiosa. O que é inegável é que o jovem de 16 anos tende, cada vez mais, a considerar-se independente da família. Serão os professores e os companheiros («grupos apostólicos») , que poderão criar um ambiente capaz de atrair os jovens dos cursos complementares para as sessões de religião e moral, onde «num clima de autenticidade na fé que, em muitos casos, diz-se, as aulas de religião, ao menos como costumam ser dadas, não possuem» (como o declara o padre A. Leite na Brotéria de Novembro de 1970), com autonomia, o educando complete a sua formação religiosa.
Pelo que antecede, não vejo inconveniente na proposta inicial do Governo. Por maioria de razão, aceito a idade dos 18 anos, que corresponde, no plano dos estudos ao ingresso nos cursos superiores, onde não existem tais sessões.
Segundo o n.º 4 da base II, «no acto de inscrição em qualquer estabelecimento em que se ministre o ensino da religião e moral aquele a quem competir declarará se o quer ou não».
Na sua comunicação ao País, de 16 de Novembro de 1970, o Sr. Presidente do Conselho, em dado passo afirmou: «Pareceu-lhe, pois, que sendo as famílias os juízes naturais da educação cristã dos filhos e dado o carácter facultativo atribuído pela Concordata ao ensino da religião e moral, a elas competiria a decisão do caso.» E acrescentava: «E como a obrigação de formular um requerimento especial ide isenção poderia apresentar melindres, que devem ser respeitados, facultar-se-ia aos pais a declaração no próprio acto de inscrição.»
O pedido «positivo» dos pais (para a frequência das referidas sessões) contraria o estabelecido na Concordata e o regime em vigor. Actualmente, o que expressamente se requer é o pedido de isenção. Argumentam os defensores deste último ponto de vista: «O Estado não pode deixar esta matéria tão importante confiada à inércia, ou até à ignorância, de tantos pais.» (Declaração do Epis-