22 DE JULHO DE 1971 2519
Alterações de pormenor numa e outra, que, por isso mesmo, me levaram a concluir pela sua inviabilidade, dado criarem situações especiais sem aparente justificação ou cujo alcance não resulta inequivocamente claro.
Com efeito, o ensino da religião e da moral, a que se refere o n.º 2, deve entender-se conjugando essa disposição com a do n.º 1, em que se afirma que o ensino, será orientado pelos princípios da doutrina e moral cristãs tradicionais do País, de acordo, aliás, com o disposto no § 3.º do artigo 4.º da Constituição.
Não julgo, por isso, necessário referir-se, como vem proposto nas alterações a esta base, que se trata do ensino da religião e da moral confessional.
Quanto às alterações do n.º 4, julgo ser uma questão puramente regulamentar, embora parecendo-me, como direi, inadequado erigir na lei excepções à regra geral da autorização expressa dos pais para o ensino da religião e da moral em virtude das razões a que já anteriormente aludi.
O Sr. Veiga de Macedo: - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Macedo.
O Sr. Veiga de Macedo: - Os sistemas jurídicos hão-de obedecer a princípios que os inspirem e lhes dêem um sentido superior.
Por outro lado, compreende-se que o mesmo sistema não se funde em princípios contraditórios.
Estas regras naturais, enunciadas deste modo singelo, hão-de presidir também a uma política de educação digna desse nome, sob pena de não haver unidade de espírito nas leis em que se apoia, nem harmonização e coerência nas finalidades que visa atingir.
O Governo, ciente desta verdade, entendeu que deveria inserir também na lei sobre liberdade religiosa o alto princípio proclamado no artigo 43.º, § 3.º, da Constituição. E fê-lo aqui em termos claros, dignos do melhor apreço, sem com isso ter afectado o princípio da liberdade religiosa ou criado qualquer problema a confissões diferentes da católica. Não vou reproduzir o que a propósito dó artigo 46.º da Constituição aqui disse há dias. Mas sublinharei que as considerações então formuladas também têm pleno cabimento na matéria em discussão.
E note-se que o problema não é apenas religioso, ou melhor, independentemente da importância de uma religião no contexto nacional, sempre haveria que fazer opções fundas ao estabelecerem-se as bases do edifício jurídico de um país e os princípios informadores de um sistema de educação. E, no domínio do essencial, não se vê como pudessem escolher-se bases inconciliáveis ou princípios antagónicos entre si, para sobre umas e outros se assentar o ordenamento legal ou a política educativa.
Estas considerações visam esclarecer que este preceito não poderia deixar de ser redigido em termos genéricos, pois, reproduzindo uma norma constitucional de interesse nuclear, há-de ser aplicado em todo o espaço português, qualquer que seja o desenvolvimento ou regulamentação que venha a ter. Foi neste entendimento que a comissão lhe deu a sua concordância e, por isso, julgo que o deveria dizer aqui, para os devidos e compreensíveis efeitos, antes de a Assembleia proceder à sua votação.
Sublinharei ainda que a comissão, de harmonia com proposta minha, concordou com a eliminação, no n.º 1 da base VII, da expressão «nas escolas públicas», por a julgar redundante ou até, em certa medida, limitativa. Aliás, a redacção sugerida é a que melhor se concilia com a do citado artigo 43.º, § 3.º, da Constituição.
Quanto às restantes disposições da base VII da proposta de lei, direi nada ter a opor à do n.º 2, mas suscita-me reserva a do n.º 3 e viva discordância a do n.º 4.
Sobre este último preceito, a comissão, que começou por optar, sem discrepâncias, pela sua eliminação, entendeu, depois, por maioria, que deveria propor a adopção da doutrina da proposta de lei.
Não pude, pelas razões que desenvolvidamente então apresentei, acompanhar a evolução de pensamento operada.
Se o Estado se compromete solenemente a que o ensino seja orientado de harmonia com os princípios da moral e da doutrina cristãs no País, não pode, por via de preceitos complementares, favorecer o não cumprimento de tais princípios, estabelecendo condicionalismos formais susceptíveis de levarem os pais a não reflectirem bem na importância da formação moral e religiosa no processo educativo e na vida social.
O disposto no n.º 4 da base VII é precisamente de moldo a originar uma precipitada decisão sobre um problema que não deve, forçosamente, ser resolvido na altura da inscrição dos alunos, pouco propícia à reflectida ponderação do assunto, por sobrecarregada com acrescidas preocupações não só para os pais, como para os professores e responsáveis pelos estabelecimentos de ensino.
Sei que algumas aulas de Moral têm servido para lições e exemplos nada edificantes e que alguns professores se mostram impreparados para as ministrarem, e até imbuídos de ideias espúrias. Mas isso não pode levar o Estado a eliminar as aulas ou a reduzi-las, antes deverá impor-lhe que tome providências positivas destinadas a afastar o mal. Se parte do corpo social não está a funcionar bem, mister se torna recuperá-la e integrá-la na linha da sua própria finalidade, que não suprimi-la com ofensa de interesses de todo o conjunto.
Depois, se há, na verdade, professores de Moral ineptos ou mal orientados, outros há, e são grande maioria, que têm dado inequívocas provas de competência, zelo e espírito cristão. Afastem-se os primeiros, sem mesmo se esperar que os pais o reclamem, até porque muitos destes não estão em condições de saber ou de interpretar o que se passa dentro das aulas de Moral. Mas os segundos, esses, devem ser estimulados e apontados como exemplo a seguir, até para se não chamar só a atenção para os que não se mostram à altura da delicada e nobre missão que lhes foi confiada. Vou mesmo ao ponto de dizer que se determinada autoridade eclesiástica não indica, por sistema, professores conscientes e pedagogicamente preparados, devem ser tomadas todas as providências exigidas pela extrema relevância dos valores em causa. Sei que o problema é deveras melindroso, mas sei também que o Estado não pode deixar de o enfrentar a tempo com uma determinação tão serena e prudente quão firme e clara.
Nem se diga que a racional organização dos programas escolares exige unia prévia declaração escrita dos pais sobre se querem que os seus educandos frequentem ou não as aulas de Moral.
Mesmo que assim fosse, haveria que hierarquizar os valores em presença, de modo a evitar inversões materializadas no empolamento de interesses meramente secundários, com prejuízo de outros de carácter essencial.
Mas quem tem experiência da vida escolar sabe que os dirigentes dos estabelecimentos de ensino não enfrentam dificuldades invencíveis na matéria, pois têm podido e poderão programar a vida escolar anual com o conhecimento que possuem do meio e das tendências observadas nos anos precedentes. Tudo está em que se não crie um clima em volta deste problema capaz de perturbar os espíritos e conduzir os mais influenciáveis a assumirem posições menos amadurecidas.