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29 DE JULHO DE 1971 2601

A sua aprovação, diga-se o que se disser, impede o Estado de dominar, de controlar a imprensa.
Sabido que a informação constitui hoje uma força social de grande poder - já apelidada hiperbòlicamente de quarto poder -, não há Estado nenhum que possa alhear-se da sua função, que é de carácter público.
Nenhum Governo, sob pena de se negar a si próprio, poderá deixar entregue às flutuações dos interesses e dos subjectivismos esse meio de comunicação social. A informação é uma «mercadoria» delicada, cujo «comércio» exige cautelas, até porque o seu «consumo» é susceptível de perverter a opinião pública, de ter efeitos nocivos sobre a integridade moral dos cidadãos. A informação é, mesmo, um sistema ou mecanismo social que exige regulamentação.
Não quero tomar partido na querela sobre a natureza do direito à informação, mas é hoje doutrina incontroversa que o exercício de um direito sofre os limites da sua função social, que o bem individual tem de ser sempre articulado, cedendo ou atenuando-se perante o bem comum.
É hoje, pois, inaceitável a ideologia individualista, onde o ordenamento jurídico e o próprio Estado devem apenas proteger os interesses e direitos individuais e a garantia constitucional da liberdade dos indivíduos, onde o único critério para o seu exercício é o interesse individual. Mas eu chamo a atenção da Assembleia para este facto sintomático: é que já nos regimes liberais a chamada «liberdade de imprensa» foi sempre instrumento indirecto de poder para os grupos apostados em conquistá-lo, mante-lo, ou influir no seu exercício.
Inaceitável também a ideologia colectivista, onde falar de liberdade de imprensa é absurdo. A imprensa tem um só fim: a propaganda da ideologia oficial e a consolidação da ditadura.
Só a ideologia do Estado social convém às. sociedades e, conseguintemente, à sociedade portuguesa.
Pois a proposta de lei que o Sr. Ministro da Justiça nos enviou enquadra-se perfeitamente nessa ideologia. Ela presta todo o culto possível ao princípio da liberdade de imprensa; ela interpreta os interesses gerais; pondera a necessidade de defesa da ordem pública; acautela os superiores interesses da comunidade, conciliando verdade e utilidade, Uberdade e responsabilidade, o individual e o colectivo.
Da proposta estão inelutavelmente expulsas as possibilidades avassaladoras do Poder. O Estado é, reconhecidamente, o tutor normal do bem comum, que garante o exercício da liberdade de imprensa. Ele não é inimigo dessa liberdade. Seus inimigos, numa perspectiva caracterizadamente capitalista, poderão ser os grupos estranhos, os grupos ideológicos e políticos, os mais variados grupos de pressão, máxime os económicos, mas é justo verificar que a proposta, dentro das [permissões constitucionais e legais, preveniu a defesa da liberdade de imprensa de tais grupos e, dentro daquelas suas funções atrás apontadas, previne também os desvios anti-sociais da imprensa.
Não podemos nunca esquecer que os jornais e a restante imprensa são uma tribuna que pertence a todos os que escutam a sua palavra. Esta é, assim, uma verdadeira instituição pública, que tem reflexos imediatos no bem-estar material, moral e intelectual dos cidadãos e que, portanto, deve estar sujeita àquele mínimo contrôle ditado pelo interesse público. Mas, repare-se bem, até em defesa dos que nela trabalham.
A proposta de lei de imprensa responde fielmente à nossa realidade social, que é a que conta, e às exigências do nosso tempo.
Não seria difícil a qualquer de nós fabricar uma lei de imprensa com disposições de encher as primeiras páginas dos jornais, capaz de criar um momentâneo impacte favorável e repercussão estridente em certos meios da opinião pública.
Fàcilmente se poderiam enunciar problemas cuja discussão nesta Casa traria ao Deputado ou Deputados que a suscitassem fama, eco público, pois esta tribuna até poderia servir de meio de propaganda individual.
Mas temos de ter sempre presente que esta Casa está muito para além de nós, que somos políticos ao serviço de um ideal, sim, sempre condicionado, porém, pelas realidades do anuindo em que vivemos e da Nação que servimos.
Um cidadão consciente e responsável não pode embarcar em veleidades teóricas, desligadas do concreto da existência.
Mais, graças a Deus, aqui dentro, todos somos responsáveis e conscientes.
Sr. Presidente: Uma das acusações, mesmo a maior, que vim fazer à proposta de lei dizia respeito a que era vaga e imprecisa na definição dos limites à liberdade de imprensa (base XI) e que esses mesmos direitos figuravam também na base IV.
Mas o curioso é que essas imprecisões eram, do mesmo modo, assacadas ao projecto dos Srs. Deputados, nomeadamente na parte do n.º 1 do artigo 1.º onde se utilizam expressões como «furacão de força social» e «integridade moral dos cidadãos» e no artigo 2.º onde se fala de «interesse nacional», etc.
Para além de eu considerar que os conceitos inseridos naquelas bases têm o conteúdo preciso que a doutrina tradicionalmente estabeleceu e o peso e a medida que a jurisprudência jurisdicional ou de administração pública lhes tem fixado, que essas expressões têm âmbito bem delimitado, inconfundível e certo, julgo que essas acusações resultam de um desconhecimento das modernas técnicas legislativas. Todos sabemos que as leis estabelecem o quadro geral da abstracção dentro do qual hão-de movimentar-se os casos concretos, que aquele ilumina. Aquelas bases traduzem uma motivação exacta, correcta e justamente necessária para- que tenhamos a definição precisa do desenvolvimento, modo e termos da comunicação pela imprensa.
Hoje legisla-se por cláusulas gerais. Os juízes hoje não podem ser, nem são, em parte alguma, meros especialistas da técnica jurídica. Compete-lhes uma função axiológica. Tem de ser garantida uma larga maleabilidade aos julgadores na sua função actual, e hoje indiscutível, de criadores de direito. O juiz não é, não pode ser, um tecnocrata - palavra na moda -, cultor fetichista da lei, num mundo onde a actividade judicial tem de ser a consciência ética da comunidade.
Sr. Presidente: A proposta de lei é de tal modo clara., precisa, define a esfera de actuação num processo comunicativo com tal largueza e liberdade, que eu até penso que as críticas formuladas são fruto de um subconsciente «medo à liberdade» de que fala Erich From.
Ser livre é sentir sobre os ombros o próprio destino. E nós, nesta matéria, estávamos desabituados.
Em resumo, direi que a proposta de lei em discussão responde exactamente à nossa realidade social e às exigências do nosso tempo.
Nunca houve, e hoje, nesta sociedade que se precipita no futuro, não pode haver leis perfeitas e, sobretudo, definitivas, se referidas a um ideal teórico.
Mas ela é a mais conveniente para conduzir à perfeição relativa do campo de actividade social a que se destina.