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29 DE JULHO DE 1971 2605

der não intenta sómente neutralizar um adversário real ou potencial, procura modificar o espírito formando adeptos.
Eis porque se pode ser perseguido pelas ideias ainda quando se não manifestam. Os censores penetram nas consciências servindo-se de meios indirectos, mas eficazes. E não toco, porque seria despropositado, nos meios de fazer falar pela violência, desde as drogas aos maus tratos e à ternura.
Um poeta do século XVI, António Ferreira, que experimentou a censura inquisitorial, descreveu, num terceto, as tribulações da consciência perseguida. Diz assim:

A medo vivo, a medo escrevo e falo;
hei medo do que falo só comigo;
mas ainda a medo cuido, a medo calo.

Como é que a criação literária, artística, científica, as ideias sociais e políticas, numa palavra, a cultura intelectual, pode prosperar nos períodos históricos dominados pela censura?
Talvez seja fácil governar quando o povo está obrigatoriamente calado e quieto, mas a herança político-cultural destes períodos costuma ser pesadíssima, porque os grupos sociais que se sentem arriscados a perder os posições são capazes de alimentar soluções totalitárias.
Porém, felizmente, há outros grupos que a pouco e pouco reconhecem afinidades entre si, virando os olhos mais para o futuro do que para o passado.
Aproximamo-nos do instante em que será preciso escolher entre as tendências conservadoras e antimodernas e o movimento progressivo, exercendo nos espíritos e nas instituições influências que mobilizem as energias cativas.
A opinião pública começava a impacientar-se com as delongas da publicação da lei de imprensa, pois considera-a como que a expressão e o símbolo dos novos tempos.
A história dos adiamentos da publicação da lei traduz a dúvida de conferir ao povo português um direito inscrito nas consciências e nos costumes dos países adiantados. O caso não era para menos, porque durante quarenta e cinco anos os indivíduos quase se desobrigaram de pensar e de tomar resoluções políticas -alguém as tomava por eles.
Vai chegando a hora de ajuizar do valor e alcance do sistema.
A crítica do passado é necessária para imprimir um sentido novo ao presente. Não se procura demolir, mas analisar; não se cuida de denegrir, mas de avaliar, não se pretende abater uma história que teve lances consideráveis, mas simplesmente iluminar pontos obscuros. Só se destrói o que se substitui. De um sistema político-económico fez-se um templo, tornando absolutas as normas doutrinais e a vontade de um homem falível.
A lei de imprensa deve permitir essa análise, ventilando assuntos que até agora gozaram do privilégio da intangibilidade. Os Portugueses querem saber como foram governados perto de meio século; querem conhecer o seu passado sem a interferência autoritária da censura, nem as deformações da informação oficial.

O Sr. Correia da Ganha: - Muito bem!

O Orador: - Durante esse período, o cidadão sentiu-se quase impotente perante os Poderes Públicos.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Perdão... Eu, como cidadão, nunca me considerei impotente.

O Orador: - V. Ex.ª não é a maioria. É uma pessoa considerada, mas, em todo o caso, uma pessoa única.

O Sr. Casal-Ribelro: - Está bem! V. Ex.ª pode considerar-se impotente, mas eu nunca me considerei impotente!

O Orador: - É certo que poderia aderir; é verdade que podia participar colaborando, mas não dispunha de meios eficazes de manifestar as suas opiniões e, muito menos, de reivindicar o que o sistema político não previra.

O Sr. Mota Amaral: - Muito bem!

O Orador: - A liberalização compreende duas fases: a primeira é a apreciação crítica do passado; a segunda, a edificação do futuro.
A revisão da Constituição Política, a lei sobre a liberdade religiosa e a lei de imprensa são passes no caminho novo. Talvez se não tenha podido ir mais adiante, mas isto é ainda insuficiente. Diria que são etapas que alargam os limites da acção, permitindo que o País respire mais livremente, mas o essencial é a formulação de um projecto ou programa que corporize as aspirações e expectativas, especialmente das camadas sócio-económicas mais ou menos subalternizadas a certas influências dominantes.
Se acaso for possível efectuar a transição conservando a estabilidade e o sossego, tão apreciados por aqueles que têm de ceder para que a evolução se faça, tanto melhor. Mas que considerações desta ordem não embaracem as decisões!
Não há dúvida que, em frente de interesses contraditórios, de grupos de pressão e de influências várias, a conservação da ordem pode ser uma defesa e até uma virtude, mas um dia será preciso correr os riscos inerentes a todo o processo de mudança, abandonando as certezas repousadas pelos arrebatamentos criadores de novas formas de convivência.
Perguntar-se-á o que tem a ver isto com a lei de imprensa. Respondo: tem tudo. Só é possível executar os grandes trabalhos colectivos com a adesão consciente do povo, e isso alcança-se por intermédio do esclarecimento, da troca de ideias, do debate público.

O Sr. Sá Caneiro: - Muito bem!

O Orador: - Confiemos em que as formas antigas de participação na vida pública hajam acabado, sendo substituídas por outras que respeitem o pensar e o querer do cidadão e dos grupos.
Os impedimentos ao intercâmbio intelectual eram relativamente fáceis de suportar na época em que uma nação podia manter-se mais ou menos isolada das outras. Porém, o isolamento, o «esplêndido isolamento» como alguém lhe chamou, tornou-se precário, porque as relações entre os homens, as comunidades nacionais e os continentes são dia a dia mais densas e os povos mais solidários. Sobretudo as nações menos adiantadas sentem-se atraídas - ia a dizer fascinadas - pelas maravilhas da civilização actual, sendo incapazes de se opor à influência das culturas estranhas, reputadas mais brilhantes e promissoras.
A comparação entoe o que se passa dentro e fora das fronteiras leva à aceitação (tardia!) das ideias dos estrangeirados, como se dizia mo século XVIII.
Pretender a (prosperidade e a justiça e, simultâneamente, levantar dificuldades à informação e à divulgação da cultura é querer coisas inconciliáveis; é preparar o terreno para a manutenção do statu que e da vida prosaica.