19 DE JANEIRO DE 1972 3025
apropriadamente, pois as pessoas de hoje dificilmente podem conceber o que significou de coragem, de reflectida Audácia e de capacidade científica a viagem iniciada em 1922, que representou a primeira travessia aérea do Atlântico Sul com escassíssimos meios materiais quanto ao próprio instrumento de viagem, ou seja o avião, embora com solida preparação dos seus navegadores. Estamos hoje em dia habituados a ver vencer pela via dos ares as maiores distâncias nos mais curtos tempos. Felizmente para os homens da actual geração, não lhes é possível, em verdade, figurarem-se facilmente, com prontidão, com presença imediata ao espírito, quanto essa viagem teve de extraordinário e como ela comoveu, apaixonou e entusiasmou os portugueses desses tempos. Se houver quem queira recordá-lo à Assembleia, nas datas efemérides dos principais passos aã viagem, certamente a Assembleia terá gosto em ouvir, e ninguém duvidará de que a iniciativa seja apropriada. Tem a palavra o Sr. Deputado Cancella de Abreu.
O Sr. Cancella de Abreu: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: - Foi António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, ou apenas Egas Moniz, uma individualidade de grande projecção e prestígio, não apenas no âmbito nacional, mas muito principalmente no amplo campo da ciência internacional. Basta recordar que conseguiu com os seus trabalhos médicos ser galardoado com o primeiro e único Prémio Nobel que até agora foi atribuído a um português.
A sua extraordinária personalidade teve múltiplas e distintas facetas.
Do ponto de vista científico, ninguém lhe pode negar um valor ímpar. Professor eminente, neurologista famoso, investigador dotado de uma imaginação criadora fora de série, os trabalhos de Egas Moniz sobre arteriografia cerebral -para não folar agora DOS da leucotomia pré-frontal, motivo da concessão do tão desejado Prémio Nobel- abriram para o Mundo o imenso e importantíssimo campo da angiografia, investigações que na matéria e com tonto êxito foram prosseguidas no sector renal por Reinaldo dos Santos, nas doenças pulmonares por Lopo de Carvalho, com a sua angiopneumografia, e em estudos que devotadamente se continuaram em vários ramos da patologia, entre outros, por Almeida Lima, Cid dos Santos e Aires de Sousa, constituindo este conjunto de valiosíssimos trabalhos o que internacionalmente se conhece sob o nome de Escola de Angiografia Portuguesa, de que tanto e tão justamente nos orgulhamos.
O Sr. Roboredo e Silva: - Muito bem!
O Orador: - Se do ponto de visto político, como membro de um partido. Deputado ou Ministro, nem todas os ideias que Egas Moniz defendeu se enquadram nas minhas, isso não me impede, de modo algum, de prestar homenagem ao seu indesmentível portuguesismo. Sempre e em todas as circunstâncias as suas atitudes políticas foram orientadas com a finalidade de conseguir prestigiar o nome e a posição internacionais do nosso país.
O Sr. Roboredo e Silva: - Muito bem!
O Orador: - Mas, além de respeitado mestre na medicina, de cientista e de investigador de mérito incontestáveis honro-me de ter sido um dos seus alunos, que não poderá jamais esquecer as suas maravilhosos aulas, debordantes de interesse -, foi Egas Moniz uma personagem cujos conhecimentos ultrapassaram de muito os limites já bem largos da própria medicina. E de todos conhecida o sua erudição no campo literário, de que resultou a magnífica obra sobre Júlio Dinis, e ainda- no sector das artes os seus trabalhos sobre a figura do grande pintor José Malhoa e acerca do escultor Maurício de Almeida.
Igualmente em outros sectores, o espírito, o intelecto e a vasta cultura de Egas Moniz se espraiaram largamente. Nas suas cosas, que bem conheci, a par de uma magnífico biblioteca, alinhavam-se quadros e gravuras de pintores e gravadores célebres, móveis assinados, louças preciosas, especialmente dos melhores períodos do império chinês, vidros raros e tantas e tantas outras riquezas do campo cultural e artístico.
Egas Moniz faleceu em Dezembro de 1955, há pouco mais de dezasseis anos. No seu testamento determinou que todas as preciosidades que possuía se não dispersassem. Antes, que se reunísseis num museu, a instalar em Avança, a terra onde nascera, na sua Casa do Marinheiro, que legou para esse fim. Nessa conformidade, depois do falecimento da sua viúva, criou-se a Fundação Egas Moniz, com estatutos aprovados por despacho ministerial de 15 de Março de 1966, publicados no Diário do Governo, de 28 do mesmo mês e ano. "Esta Fundação", como diz no seu artigo 2.º, "tem por fim principal a organização, manutenção e conservação da Casa-Museu Egas Moniz, destinada a reunir os objectos e documentos relativos ao falecido Prof. António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, à sua vida, à sua obra e à sua projecção nacional e internacional, e, se os seus recursos o permitirem, promover cos imóveis que lhe estão afectos o seu aproveitamento para fins de cultura literária, artística e científica e ainda o aperfeiçoamento profissional no âmbito dos programas oficiais." E o artigo 3.º esclarece que "para realização dos seus fins deverá o referido Museu compreender uma parte artística, outra científica ligada aos trabalhos do Prof. Egas Moniz e outra mais intima dedicada a recordações de família e pessoais, e, quando possível, deverá o mesmo possuir salas de leitura e de aula, em anexos apropriados para escolas diurnas e nocturnas, de acordo com os objectivos pretendidos. Dentro dos mesmos propósitos, terá a sua conveniente biblioteca e organizará exposições, conferências e cursos, de harmonia com os regulamentos e planos que vierem a estabelecer-se". Quer dizer, Egas Moniz não pensou apenas em criar um museu, na acepção vulgar da palavra, mas desejou dar-lhe, como vemos, uma autêntica vida intrínseca, para que essa casa pudesse ser utilizada na difusão da cultura literária, artística e científica.
O Museu foi carinhosamente montado e procedeu-se à sua inauguração. Tive oportunidade, em diversas ocasiões, de rever os admiráveis peças que nele se apresentam, a última vez com a honrosa missão de acompanhar S. Ex.ª o Presidente da República, na visita que o Sr. Almirante Américo Tomás ali realizou há algum tempo.
Desde o início, foi guarda do Museu o Joaquim Rosado, devotado mordomo e dedicadíssimo e amigo servidor de Egas Moniz durante vários dezenas de anos. Ninguém melhor do que ele nos guiava na visita. Conhecia as peças quase uma por uma, a sua história e de como haviam chegado à posse aos seus patrões. Pode dizer-se que era contemporâneo da entrada na casa da imensa maioria daquelas preciosidades.
Mas Joaquim Rosado faleceu há poucos meses. Desde então o Museu fechou as suas portas, por a comissão dirigente da Fundação não ter meios para poder pagar a quem tomasse devidamente conta de todo aquele valioso recheio.
Com o encerramento, esperamos que provisório, do antiga Casa do Marinheiro, o património artístico, cultural