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3030 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150

Por fim, não tendo surgido nenhum pedido de ratificação, concluiu uni Deputado que "o nosso unânime silêncio ratificativo é a afirmação legal da nossa clara ratificação".

Merca do novo decreto-lei, que não mereceu esse silêncio ratificativo, as disposições do Código Civil passam a ser aplicáveis a todas as cooperativas.

O Código Civil disciplina, efectivamente, o direito de associação.

Regula a aquisição de personalidade das associações, a capacidade, a aquisição e alienação de imóveis, os órgãos e a representação das pessoas colectivas, a sua responsabilidade civil, o destino dos seus bens no caso de extinção, o acto de constituição e os estatutos e a própria vida interna das associações.

Lá figura também uma disposição equivalente à do decreto-lei de 1954, o qual, juntamente com outra legislação, houve o cuidado de ressalvar, que prevê a extinção administrativa quando o fim real da associação não coincida com o fim estatutário, ou quando ele seja sistematicamente prosseguido por meios ilícitos ou imorais ou quando a existência da associação se torne contrária à ordem pública (artigo 182.º, n.º 2).

Ora, esta matéria da disciplina legal do direito de associação contida no Código Civil, aprovado por decreto-lei, foi usurpada à competência exclusiva da Assembleia Nacional, com infracção do disposto no artigo 93.º, alínea d), da Constituição.

O novo decreto-lei, ordenando a aplicação dessa legislação inconstitucional às cooperativas, comunga de tal inconstitucion alidade.

Ele próprio, de resto, enferma directamente de igual vício, pois, na .realidade, regula o direito de associação.

Fá-lo por remissão para outros preceitos, os que ficaram enumerados, mas não deixa de o fazer; a regulamentação legal por remissão é uma forma de legislar.

Tanto assim é que, até à sua publicação, os Portugueses podiam livremente associar-se em cooperativas, nos termos do Código Comercial.

E agora não podem: foram postos na dependência da Administração, mesmo quanto aos actos que já haviam praticado, aplicação retroactiva que constitui só por si manifesta prepotência. Era as primeiras razões de não ratificação.

Prevê-se a objecção, fácil, formalista e improcedente: a Constituição alude apenas a bases gerais, o que deixaria campo livre ao Governo no restante.

Alude, como sempre, de resto, que contempla os poderes legislativos da Assembleia. Daí não se segue que, não tendo ela legislado, o Governo o possa fazer, nem mesmo ao nível regulamentar. Que regulamentaria ele? E ponto a que, se necessário, se voltará.

Demais, o Código Civil, a respeito do direito de associação, contém preceitos regulamentares e normas básicas, tal como sucede com o presente decreto-lei.

Ambos usurparam, portanto, a competência exclusiva desta Câmara.

Antes de entrar na análise pormenorizada do presente diploma e dos seus antecedentes, cumpre evidenciar a incongruência a que ele conduz, ao mandar aplicar às sociedades cooperativas o regime legal do direito de associação.

A quase totalidade dessas sociedades tem carácter comercial: sem prejuízo da sua feição própria, têm por objecto praticar actos de comércio e encontram-se constituídas por forma prevista no respectivo Código.

Teremos, pois, sociedades comerciais subordinadas ao governador civil, dependentes do Ministério do Interior, reguladas pelo Código Civil: um autêntico pandemónio jurídico.

O Código Comercial fixa-lhes certos casos de extinção.

O Civil aplica-lhe outros.

Por aquele podem ser declaradas em estado de falência; pelo segunda, insolventes.

São sociedades comerciais, mas, regidas também pelo direito referente às associações, até carecerão de autorização do Governo para alienar ou onerar imóveis.

E por aqui fora é um rosário de contradições e incongruências inevitáveis, porque toda a legislação sobre associações se molda sobre o carácter não económico delas, e todas as cooperativas estão estruturadas em moldes económicos.

Como se salienta, e bem, em recente estudo do Dr. Roque Laia, "as próprias cooperativas ditas de fins culturais exercem uma actividade económica, na medida em que põem essa cultura ao nível dos seus sócios, por meios e preços que eles não conseguem obter de outra forma".

O diploma em discussão conduz, portanto, a uma autêntica aberração.

Eis outra razão para o não ratificarmos.

Se, do ponto de vista jurídico, o diploma em causa, além de inconstitucional, é incongruente e aberrante, não é menos desastroso quando encarado sob os ângulos político e social.

Ele tem o lamentável aspecto do desfecho, ou melhor, do esforço, de uma longa luta empreendida pelo Governo contra as cooperativas, na qual aquele foi sendo sucessivamente derrotado.

Vejamos.

Em 1968 o Sr. Ministro do Interior declara, por despacho, a extinção da Cooperativa Pragma, Sociedade Cooperativa de Difusão Cultural e Acção Comunitária, com sede em Lisboa.

Esse despacho vem a ser anulado por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1.º secção, de 11 de Julho de 1969, que estabelece os seguintes princípios:

1) As sociedades cooperativas não podem ser dissolvidas por acto administrativo.

2) E aos tribunais judiciais que o artigo 147.º do Código Comercial atribui competência para conhecer do pedido de declaração de inexistência de sociedades que funcionem ou se constituam em contravenção das disposições daquele Código.

3) O acto do Governo que decreta a dissolução de tais sociedades enferma do vício de usurpação de poder.

Como se vê, decidiu o órgão supremo do contencioso administrativo, por unanimidade de votos dos três conselheiros que firmam a decisão, que o Sr. Ministro do Interior tinha usurpado um poder que só aos tribunais pertencia.

Restabelecida a legalidade com a anulação do despacho viciado de tal usurpação, era legítimo esperar que se deixassem as cooperativas prosseguirem em paz a sua actividade, sem prejuízo de, se algum acto ilícito cometessem, fosse de que natureza fosse, se recorrer ao Poder Judicial para punição dos responsáveis.

É ponto que não esteve nem está em causa.

Mas não, continua a luta administrativa.

Com base no parecer da Procuradoria-Geral da República de 7 de Dezembro de 1967, muito anterior, portanto, ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Julho de 1969, o Sr. Ministro do Interior passa a ordenar que algumas cooperativas sejam intimadas pela P. I.