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3032 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150

nómica, sob pena de serem tratadas como associações. Este ponto é fundamental e insofismável.

Toda e qualquer cooperativa está ai abrangida, repete-se, pois não há verdadeira cooperativa que não se proponha exercer, ou efectivamente não exerça, actividade não económica a favor dos seus associados.

Isto não consente quaisquer sofismas: cooperativa que se limite a actividade exclusivamente económica não é cooperativa, é uma mera organização comercial que usa indevidamente o rótulo de cooperativa.

Sabem-no todos os que conhecem o movimento cooperativo.

Se as cooperativas não quiserem degenerar em fórmulas simples e banais de organização comercial, para que da sua actividade se desprenda, como valor fundamental, a associação - meio de harmonizar a economia e preservar a vida de relação numa sociedade de massa -, elas deverão aderir firmemente a valores morais e culturais e ministrá-los aos seus aderentes

Prevejo que, a míngua de razões, não deixará de se contrapor que toda a acentuação do valor cultural das cooperativas é feita com o intuito de, exagerando o negro da situação, atacar o decreto e as intenções do Governo.

Por isso me pareceu oportuno citar há momentos um passo de insuspeito trabalho de Sérvulo Correia, inserto no ano IV da não menos insuspeita revista Estudos Sociais e Corporativos, da Junta de Acção Social, insuspeitamente citado no referido parecer da Frocuradoria-Geral da República.

O decreto vai, portanto, atingir todas as cooperativas e, através delas, todo o esforço de autoprotecçao e autopromoção económica è cultural das classes sociais mais desfavorecidas.

De 20 de Novembro de 1971 em diante, esse esforço é vigiado, tutelado, fiscalizado, controlado, orientado, gerido ou suprimido, se ele assim o entender, pelo Ministério do Interior.

Eis mais uma razão, entre as inúmeras invocáveis, para negarmos ratificação a tão regressivo diploma, que leva iniludlvelmente ao controle político do movimento cooperativo, do seu meritório esforço de autodesenvolvimento económico e social. Se não foi isso que se quis, se não é isso que se quer, ainda é tempo de o demonstrar.

Não foi por acaso que o cooperativismo nasceu entre as classes trabalhadoras, pobres de recursos económicos, sociais e culturais, como meio de tentar diminuir essa pobreza injusta e imerecida.

E não é sem razão que ele é tolhido, desfavorecido ou proibido nos regimes antidemocráticos e antiliberais, que o olham sempre com suspeita e frequentemente o apodam de subversivo.

Sabido que a autêntica promoção económica, social e cultural leva à democratização política, que tais regimes não toleram, qualquer esforço sério' naquele sentido é necessariamente mal acolhido.

E haverá esforço mais sério, mais autêntico e mais empenhado que o daqueles mesmos que suportam as consequências desse imerecido e injusto subdesenvolvimento económico, social e cultural?

Precisamente porque antidemocráticos, os Estados autoritários e totalitários são necessariamente antiliberais: uma das razões de não respeitarem honestamente nem eficazmente assegurarem, as liberdades da pessoa é a de o exercício delas poder favorecer a democratização.

Disso é exemplo elucidativo o cooperativismo: as pessoas não pretendem mais do que o livre uso do direito de se associarem em cooperativas para fomentarem a sua promoção e construírem o seu próprio desenvolvimento humano.

Ora isto, que é lícito, honesto, respeitável, louvável e, acima de tudo, humano, não pode ser olhado com bons olhos por um Estado antidemocrático e antiliberal, autoritário ou totalitário, que é, acima de tudo, desumano.

Eis outra razão, s última que invoco, para não ratificarmos o Decreto-Lei n.º 520/71.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi cumprimentado.

O Sr. Miller Guerra: - À intervenção será breve, porque a matéria foi versada pelos Deputados que me precederam, Magalhães Mota, José da Silva e Sá Carneiro.

A minha posição sobre o Decreto-Lei n.º 520/71, respeitante as cooperativas., é análoga à dos meus distintos colegas.

Por isso peço desculpa, Sr. Presidente, se repetir ideias já expostas, mas entendo que a reafirmação de atitudes justas e livres nunca é inútil, embora uma ou outra pessoa se enfade com isso.

Como se sabe, o cooperativismo destina-se a desenvolver a cooperação e o acordo entre os homens, orientando-se por normas de carácter democrático, respeitando as crenças religiosas e as ideologias políticas, e dedicando-se também, como é óbvio, ao ensino e propagação da doutrina no intuito de formar dirigentes, ilustrar os seus membros e conquistar associados.

O cooperativismo existe no nosso país desde 1867. Portugal faz parte da Aliança Cooperativa Internacional, aderindo as resoluções tomadas em 1966. Estas dizem respeito aos principias, reguladores do movimento, entoe as quais saliento a Uberdade de constituição e escolha do objecto, quer civil, quer comercial, e a não ingerência das entidades governamentais na constituição, organização e funcionamento das cooperativas.

Estes princípios pacíficos e morais foram reconhecidos pela Organização Internacional do Trabalho.

O decreto-lei em discussão opõe-se aos princípios mencionados, cerceando a liberdade de que as cooperativas gozam e, por consequência, dificultando-lhes o funcionamento e a acção específica. O ponto que quero acentuar respeita as actividades educativas e culturais proibidos pela citada lei, com o fundamento de que estas sociedades só podem ter funções exclusivamente económicas. Decorrem daqui inconvenientes graves. O primeiro é ficarem colocadas numa situação insegura, porquanto há-de ser difícil, quando não impossível, de separar o domínio particular do económico da esfera genérica da cultura. Abre-se neste ponto um campo eivado de incertezas, que vai dor azo a interpretações divergentes e, quem sabe, a arbitrariedades. O que, olhado sob um ângulo aberto, é cultura para uns, pode ser para outros, os que vêem os valores da convivência, da informação e do ensino com olhos de míope, perturbação, desordem e coisas piores.

O segundo inconveniente é paralisia parcial ou completa do movimento cooperativo, porque aã novas prescrições legais embaraçam a expansão das sociedades, o recrutamento de sócios, a preparação dos dirigentes, bem como a difusão da doutrina e a diversificação dos actividades.

Em terceiro lugar, a lei impede pura e simplesmente a constituição e o funcionamento das cooperativas, cujo fim "não seja exclusivamente económico".