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Conforme for a resposta dada a estas perguntas, assim
será o destino do diploma legal sub judico. Se a Câmara
decidir pela validade política dele, votará a sua ratificação
pura e simples; se, pelo contrário, se opuser terminantemente
ao seu conteúdo, negará a ratificação, revogando-o,
portanto, com todas as consequências jurídicas a tal inerentes;
se entender que, embora incorrecto, ele á susceptível
susceptível de aproveitamento depois de melhorado, então o
caminho será conceder a ratificação com emendas, convertendo-se
o decreto-lei em proposta de lei, submetida à
tramitação habitual.
Não tem sido muito frequente, desde 1945 a esta parte,
o recurso ao procedimento de ratificação como instrumento
de controle pela Assembleia Nacional da actividade legislativa
do Governo. Excluindo o presente, é possível contar
contar dezassete requerimentos para apreciação por esta Câmara
de diplomas legislativos governamentais. Cerca de
metade desses requerimentos - mais exactamente,
foram apresentados na IV Legislatura (1945-1949). Do
total deles, três não chegaram a dar origem a discussão,
por invocada falta de tempo. Dos diplomas discutidos,
cinco foram objecto de ratificação pura e simples e nove
de ratificação com emendas.
Durante toda a década de 60 os dois únicos casos de
apreciação de decretos-leis, um ocorrido na VIII Legislatura
(emissão de um empréstimo externo em dólares) e
outro na IX (protecção aduaneira dos produtos da indústria
siderúrgica), terminaram, ambos pela ratificação pura
e simples. A última ratificação com emendas foi votada
em 1959 (mandato dos presidentes das câmaras municipais).
Casos de recusa de ratificação, de 1945 até hoje,
não registam os anais desta Câmara um só. Tudo isto é
bem sintoma do modo como ao longo do período em causa
se desenvolveram as relações entre os dois órgãos da soberania,
com nítido predomínio do Governo sobre a Assembleia
Assembleia Nacional, dentro da tónica autoritária que caracterizouo regime.
Mas revertamos, Sr. Presidente, ao Decreto-Lei
n.º 520/71 s aos princípios que mediante slê se pretende
introduzir na nossa legislação.
De verdadeiramente substancial tem este diploma apenas
o artigo 1.º o artigo 2.º limita-se a proibir aos notários
que lavrem escrituras de constituição de cooperativas que
tenham finalidades não exclusivamente económicas, sem
provia aprovação administrativa dos estatutos, e a cominar
a nulidade das que forem celebradas com infracção desse
condicionalismo. O artigo 3.º, por seu turno, que a si
mesmo se qualifica de transitório, impõe às cooperativas
existentes, abrangidas pela disposição do artigo 1.º, a obrigação
de submeterem os seus estatutos à aprovação da
autoridade competente, extraindo a aplicação dos artigos
4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 39 660, de 20 de Maio
de 1954 (extinção da pessoa colectiva, suspensão da sua
actividade, ou dissolução dos corpos gerentes), como
consequência do mão cumprimento desta obrigação ou
dia eventual não aprovação dos estatutos.
Fundamentalmente é, pois, a regra contida no artigo 1.º
De acordo com ela, "sempre que as sociedades cooperativas
se proponham exercer, ou efectivamente exerçam, actividade
que não seja exclusivamente económica, de interesse
para os seus associados, ficam sujeitas ao regime legai que
regula o exercício do direito de associação".
Eis aqui a novidade do Decreto-Lei n.º 620/71! E digo
justamente novidade porque até agora as sociedades
cooperativas, vivendo à sombra do direito comercial, constituem-se
por escritura pública, estabelecendo-se os
respectivos estatutos por acordo livre das pessoas nela
interessadas; elegem livremente os seus corpos gerentes,
que só perante a assembleia geral respondem;
DIÁRIO DAS SESSÕES n.º 150
administram-se com plena autonomia, podendo adquirir, onerar ou
alienar bens por qualquer título. A aplicação que se pretende
fazei as sociedades cooperativos do regime das
associações implica, além do mais, intervenção policial
prévia à constituição, com emissão de juízo sobre os
objectivos sociais propósitos, e sujeição a uma apertada
tutela administrativa, que vai desde aspectos patrimoniais
(anexação e aquisição ou alienação de bens imóveis) até
ao mais comente funcionar da associação n dos seus órgãos,
uns e outra sob constante cominação de severas intervenções
dos sautoridades competentes".
Será conveniente e oportuna a introdução destes princípios?
Por mim, respondo decididamente que não.
O papel que as sociedades cooperativas têm a desempenhar
numa sociedade em desenvolvimento, como é a nosso,
não se compadece com o estabelecimento de limitações e
controlou, que lhes tirariam a- espontaneidade e a curto
período as conduziriam à morte.
As cooperativas são eficaz instrumento na luta contra
a inflação que sempre acompanha o processo de
crescimento: constituem, na verdade, garantia de defesa do
consumidor contra práticas monopolistas e outros abusos,
tantas vezes difíceis de detectar, quanto mais de erradicar
por completo. Além disso, elas favorecem a expansão do
sentido social, comunitário, do circuito económico, sejam
quais forem os sectores onde intervêm. E como se tal não
fosse já por si mesmo bastante, proporcionam estruturas de
participação, estimulando o interesse dos indivíduos pelas
questões colectavas, a começar peias mais próximas, e a
intervenção activa, com espírito de iniciativa, na resolução
delas.
E por isso, entre tudo o mais, que a Organização Internacional
do Trabalho vivamente exorta os países membros
em vias de desenvolvimento, numa recomendação datada
de Junho de 1966, a reconhecerem as cooperativas como
um dos factores, importantes do desenvolvimento
económico, social e cultural, bem como da promoção humana.
Daí deverá seguir-se a adopção de uma política de
ajuda e estímulo de natureza económica, financeira, técnica
e legislativa.
Mas a mesma recomendação acrescenta logo que essa
ajuda não deve implicar uma intervenção na vida interna
das cooperativas, um controlo cerrado sobre elas. A
genuinidade do movimento cooperativista, que entre os seus
princípios fundamentais inscreve o da organização em
moldes democráticos, repousa, com efeito, sobre uma margem
ampla de autonomia.
A ingerência do Estado nas cooperativas, certamente a
pretexto de defesa dos interesses da sociedade, vem a
redundar, afinal, em prejuízo desta, porquanto a priva, a
maior ou menor prazo, do valioso contributo positivo que
elos têm para lhe dar. Discriminar as cooperativas face
às outras organizações de interesses privados, que se
mantém ao abrigo do direito comercial e é a isto que
conduz a aplicação que se lhes pretende fazer das regras
sobre associações contidas no Código Civil e em legislação
avulsa -, descriminá-las, dizia, é condená-las a um
rápido extermínio por mero efeito do jogo das leis do
mercado em concorrência.
Julgo, Sr. Presidente, que não podemos prescindir, no
momento actual que o País atravessa, dos benefícios do
movimento cooperativista, que, aliás, o Governo, por vários
departamentos, se esforça, por outros meios, bem entendido,
por promover e auxiliar. Daí o meu desacordo e a
minha oposição ao diploma que a Câmara agora aprecia.
Mas, dir-se-á, o Decreto-Lei n.º 520/71 visa atingir
que as sociedades cooperativas se proponham exercer, ou
efectivamente exerçam, actividade que não seja