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3034 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150

Conforme for a resposta dada a estas perguntas, assim será o destino do diploma legal sub judico. Se a Câmara decidir pela validade política dele, votará a sua ratificação pura e simples; se, pelo contrário, se opuser terminantemente ao seu conteúdo, negará a ratificação, revogando-o, portanto, com todas as consequências jurídicas a tal inerentes; se entender que, embora incorrecto, ele á susceptível de aproveitamento depois de melhorado, então o caminho será conceder a ratificação com emendas, convertendo-se o decreto-lei em proposta de lei, submetida à tramitação habitual.

Não tem sido muito frequente, desde 1945 a esta parte, o recurso ao procedimento de ratificação como instrumento de controle pela Assembleia Nacional da actividade legislativa do Governo. Excluindo o presente, é possível contar dezassete requerimentos para apreciação por esta Câmara de diplomas legislativos governamentais. Cerca de metade desses requerimentos - mais exactamente, oito - foram apresentados na IV Legislatura (1945-1949). Do total deles, três não chegaram a dar origem a discussão, por invocada falta de tempo. Dos diplomas discutidos, cinco foram objecto de ratificação pura e simples e nove de ratificação com emendas.

Durante toda a década de 60 os dois únicos casos de apreciação de decretos-leis, um ocorrido na VIII Legislatura (emissão de um empréstimo externo em dólares) e outro na IX (protecção aduaneira dos produtos da indústria siderúrgica), terminaram, ambos pela ratificação pura e simples. A última ratificação com emendas foi votada em 1959 (mandato dos presidentes das câmaras municipais). Casos de recusa de ratificação, de 1945 até hoje, não registam os anais desta Câmara um só. Tudo isto é bem sintoma do modo como ao longo do período em causa se desenvolveram as relações entre os dois órgãos da soberania, com nítido predomínio do Governo sobre a Assembleia Nacional, dentro da tónica autoritária que caracterizou o regime.

Mas revertamos, Sr. Presidente, ao Decreto-Lei n.º 520/71 s aos princípios que mediante slê se pretende introduzir na nossa legislação.

De verdadeiramente substancial tem este diploma apenas o artigo 1.º o artigo 2.º limita-se a proibir aos notários que lavrem escrituras de constituição de cooperativas que tenham finalidades não exclusivamente económicas, sem provia aprovação administrativa dos estatutos, e a cominar a nulidade das que forem celebradas com infracção desse condicionalismo. O artigo 3.º, por seu turno, que a si mesmo se qualifica de transitório, impõe às cooperativas existentes, abrangidas pela disposição do artigo 1.º, a obrigação de submeterem os seus estatutos à aprovação da autoridade competente, extraindo a aplicação dos artigos 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 39 660, de 20 de Maio de 1954 (extinção da pessoa colectiva, suspensão da sua actividade, ou dissolução dos corpos gerentes), como consequência do mão cumprimento desta obrigação ou dia eventual não aprovação dos estatutos.

Fundamentalmente é, pois, a regra contida no artigo 1.º De acordo com ela, "sempre que as sociedades cooperativas se proponham exercer, ou efectivamente exerçam, actividade que não seja exclusivamente económica, de interesse para os seus associados, ficam sujeitas ao regime legai que regula o exercício do direito de associação".

Eis aqui a novidade do Decreto-Lei n.º 620/71! E digo justamente novidade porque até agora as sociedades cooperativas, vivendo à sombra do direito comercial, constituem-se por escritura pública, estabelecendo-se os respectivos estatutos por acordo livre das pessoas nela interessadas; elegem livremente os seus corpos gerentes, que só perante a assembleia geral respondem; administram-se com plena autonomia, podendo adquirir, onerar ou alienar bens por qualquer título. A aplicação que se pretende fazei as sociedades cooperativos do regime das associações implica, além do mais, intervenção policial prévia à constituição, com emissão de juízo sobre os objectivos sociais propósitos, e sujeição a uma apertada tutela administrativa, que vai desde aspectos patrimoniais (anexação e aquisição ou alienação de bens imóveis) até ao mais comente funcionar da associação n dos seus órgãos, uns e outra sob constante cominação de severas intervenções dos sautoridades competentes".

Será conveniente e oportuna a introdução destes princípios? Por mim, respondo decididamente que não.

O papel que as sociedades cooperativas têm a desempenhar numa sociedade em desenvolvimento, como é a nosso, não se compadece com o estabelecimento de limitações e controlou, que lhes tirariam a- espontaneidade e a curto período as conduziriam à morte.

As cooperativas são eficaz instrumento na luta contra a inflação que sempre acompanha o processo de crescimento: constituem, na verdade, garantia de defesa do consumidor contra práticas monopolistas e outros abusos, tantas vezes difíceis de detectar, quanto mais de erradicar por completo. Além disso, elas favorecem a expansão do sentido social, comunitário, do circuito económico, sejam quais forem os sectores onde intervêm. E como se tal não fosse já por si mesmo bastante, proporcionam estruturas de participação, estimulando o interesse dos indivíduos pelas questões colectavas, a começar peias mais próximas, e a intervenção activa, com espírito de iniciativa, na resolução delas.

E por isso, entre tudo o mais, que a Organização Internacional do Trabalho vivamente exorta os países membros em vias de desenvolvimento, numa recomendação datada de Junho de 1966, a reconhecerem as cooperativas como um dos factores, importantes do desenvolvimento económico, social e cultural, bem como da promoção humana. Daí deverá seguir-se a adopção de uma política de ajuda e estímulo de natureza económica, financeira, técnica e legislativa.

Mas a mesma recomendação acrescenta logo que essa ajuda não deve implicar uma intervenção na vida interna das cooperativas, um controlo cerrado sobre elas. A genuinidade do movimento cooperativista, que entre os seus princípios fundamentais inscreve o da organização em moldes democráticos, repousa, com efeito, sobre uma margem ampla de autonomia.

A ingerência do Estado nas cooperativas, certamente a pretexto de defesa dos interesses da sociedade, vem a redundar, afinal, em prejuízo desta, porquanto a priva, a maior ou menor prazo, do valioso contributo positivo que elos têm para lhe dar. Discriminar as cooperativas face às outras organizações de interesses privados, que se mantém ao abrigo do direito comercial e é a isto que conduz a aplicação que se lhes pretende fazer das regras sobre associações contidas no Código Civil e em legislação avulsa -, descriminá-las, dizia, é condená-las a um rápido extermínio por mero efeito do jogo das leis do mercado em concorrência.

Julgo, Sr. Presidente, que não podemos prescindir, no momento actual que o País atravessa, dos benefícios do movimento cooperativista, que, aliás, o Governo, por vários departamentos, se esforça, por outros meios, bem entendido, por promover e auxiliar. Daí o meu desacordo e a minha oposição ao diploma que a Câmara agora aprecia.

Mas, dir-se-á, o Decreto-Lei n.º 520/71 visa atingir apenas as sociedades cooperativas que se proponham exercer, ou efectivamente exerçam, actividade que não seja