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19 DE JANEIRO DE 1972 3035

exclusivamente económica, de interesse para os seus associados. Permanecem, pois, dentro da autonomia que hoje vigora as cooperativas de fins exclusivamente económicos, que moda, por isso, têm a temer quanta à ingerência estadual.

Parece desconhecer esta linha de argumentação o peculiar carácter das sociedades cooperativas, ao qual se tem de adaptar a regulamentação jurídica que se pretender instituir. Todas as cooperativas incluem entre os seus objectivos e actividades realidades não estritamente económicas. E isto é mesmo da essência do cooperativismo, conforme se pode ver nos princípios formulados no Congresso de Viena de 1966, da Aliança Cooperativa Internacional:

Todas as sociedades cooperativas deverão constituir fundos para o ensino aos seus membros, aos seus dirigentes, aos seus empregados e ao público em geral dos princípios e métodos da cooperação, sobre o plano democrático (n.º 5).

Todas ias cooperativas que o são, pois, verdadeiramente, expandem-se, para além do domínio propriamente económico, no campo educativo, cultural e até recreativo. Trata-se de actividades conexas com o seu escopo fundamental, similares às que hoje desempenham outras sociedades comerciais e que no caso concreto das cooperativas visam, antes de mais, a adequada preparação cívica dos seus sócios para a cooperação. A elas se há-de estender necessariamente a regra, básica do respeito pela autonomia dos indivíduos e dos grupos sociais primários. Mantém-se, portanto, a meu ver, a inadmissibilidade do princípio introduzido pelo diploma em discussão, que constitui como que uma espada de Dâmocles pesando sobre a cabeça de todos as sociedades cooperativas.

Coisa diversa é constatar, Sr. Presidente, que a forma de sociedade cooperativa veste entre nós realidades de natureza muito variada. Juntamente com autênticas sociedades comerciais - organizações de pessoas com um fim interessado lucrativo -, encontram-se aqui realidades que são, ou pelo menos na prática se comportam como verdadeiras associações, organizações de pessoas com um fim interessado não lucrativo, ou até mesmo de fim desinteressado ou ideal.

Tentou em tempos o Governo aplicar a estas associações constituídas sob a forma de sociedades cooperativas as regras que entoe nós regulam o direito de associação. A isso, porém, se opuseram os tribunais administrativos, com base no respeito devido à forma doa actos jurídicos. A eventual declaração de nulidade do acto de constituição dessas associações sob forma de sociedade cooperativa só pelos tribunais judiciais poderia vir a ser proferida.

Visto nesta perspectiva, como pretendendo atrair para uma regulamentação única as várias configurações externas das associações, o Decreto-Lei n.º 520/71 já tem, parece-me, algum grau de aceitabilidade. Mas este entendimento teria de ser esclarecido mediante a radical alteração do seu antigo 1.º e, ma sequência, também dos outros.

Estou aqui a separar rigorosamente o problema agora em debate, da extensão às sociedades cooperativas do regime jurídico que regula o exercício do direito de associação, de outro diferente, qual seja o da apreciação deste mesmo regime.

Sobre este último problema tomei já posição ao subscrever, há cerca de um ano, o projecto de lei de revisão constitucional n.º 6/X. No que a mim respeita, a intenção das alterações propostas para alguns dos números do artigo 8.º, e sobretudo para o seu § 2.º, era ferir de inconstitucionalidade material o estatuto vigente das liberdades cívicas, entre elas o direito de associação, herança de um passado que julgo inadmissível prolongar no tempo por forma mitigada e mais ainda fazer voltar novamente em plenitude. Assim se forçaria a revisão das leis sobre o exercício dos direitos individuais dos cidadãos, actualizando-as de acordo com as realidades da hora que passa em Portugal, na Europa e no Mundo.

A atitude que a Câmara tomou no debate da passada sessão extraordinária talvez me devesse tranquilizar a consciência quanto a este assunto. Não obstante, é possível que tenha de voltar a abrir a questão meei" Casa pelos meios adequados.

Sr. Presidente: Concluo dando o meu voto à ratificação com emendas do decreto-lei em discussão e propondo a imediata suspensão dele pata prevenir os prejuízos irreparáveis que da sua execução podem advir.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Castelino Alvim: - Sr. Presidente: Nos termos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição vigente, dez Srs. Deputados requererem fosse submetido a apreciação da Assembleia Nacional o Decreto-Lei n.º 620/71, publicado no Diário do Governo, l.ª série, n.º 276, de 24 de Novembro do passado ano.

Agiram estes fins. Deputados na esfera de um direito que, se por ser do uso escasso, não perdeu a sua relevância, menos ainda perdeu a sua transcendente delicadeza.

Efectivamente, Sr. Presidente e .Srs. Deputados, a Assembleia Nacional, ao debruçar-se na apreciação de um diploma legal dimanado de outro órgão de soberania, promulgado pelo que tem de ser sempre o mais respeitado de todos os órgãos do Estado porque a encarnação da própria Nação -, verdadeiramente transcende as suas funções legislativa, como até fiscalizadora.

A Assembleia Nacional reúne e trabalha, em CUBOS como este, não como órgão legislativo, não como órgão fiscalizador, mês como órgão de defesa e equilíbrio das competência políticas, direi mesmo, que como verdadeiro órgão de garantia da própria estabilidade do Estado.

Sem dramatismos descabidos, mas com séria e profunda convicção, permito-me recordar aqui o que há mais de mil amos notava - com tanta actualidade como hoje- um grande escritor e político romano: "Um Estado sem equilíbrio de poderes não pode ter estabilidade nem permanência ...", e o País, Sr. Presidente e Srs. Deputados, mão só precisa, mas exige, estabilidade e permanência.

Esta a delicadeza da função, este o grande, cuidado que temos que pôr na analise e na apreciação de problemas como aquele que hoje aqui nos reúne.

Uma falta de cuidado ou de atenção, uma menor sensibilidade ma medida da gravidade da função tão alta, mas tão responsável, que nos cabe, poderia levar ao triste espectáculo de vermos aquilo que pessoalmente rejeito, que colectivamente não podemos deixar de repudiar e que o País jamais poderia admitir: vermos órgãos de soberania paralisando órgãos da soberania.

Porque assim penso, intervenho neste debate, mas não o faço sem solenemente declarar que estou certo de que o mesmo espírito não pode deixar de animar todos os ilustres Deputados que formam esta Assembleia.

Temos, assim, todos de fazer os maiores esforços para que as palavras não atropelem as ideias, poro que as atitudes não aviltem a nobreza dos sentimentos que es animam.