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4116 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 208

sam de lugares-comuns ou de jogos de palavras. Contidas já no Eça, no seu estilo inconfundível, quase se assemelham, talvez pela carga hereditária que teima aqui em permanecer, a traços indeléveis do Conselheiro Acácio, renovado é certo, mas persistente. Deu em loquaz; usa a linguagem que envolve a moda dos grandes mitos ou, acutilante e fugaz, se esgota por si mesma a breve trecho. E, assina, ora exulta com a palavra "autonomia" e simultaneamente esgota a palavra "integração", ora de cidadão de Roma vira cidadão europeu, e, se considera a pedra filosofal de toda a economia o planeamento e se é progressista por entender que Cristo veio ao Mundo com João XXIII, não deixa de ser conservador quando romanticamente faz ressuscitar Rousseau, e se no íntimo do seu ser concorda com as grandes instituições burguesas escapa-lhe, de quando em vez, uma expressão de subtil jacobinismo intelectual ou mostra-se partidário de reformas sociais só exequíveis em sistemas de apertado dirigismo político e económico, e lamenta, com a, dimensão e serenidade do seu incomensurável talento, que o que nos falta suo dinossauros. Mas deixemos Acácio e a sua inefável beatitude.

O Sr. Cancella de Abreu: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Definia Cícero, no seu livro De Republica, que a liberdade era a adequação do indivíduo às instituições em que estava inserido e que deveriam ser livres e aceites universalmente. O Estado, o poder, o mundo, é, por essência, pressão da sociedade sobre os indivíduos que a integram. A sociedade não é organismo que os homens formem livremente, mas meio no qual se encontram irremediavelmente ligados sem autêntica capacidade de evasão. Deste modo, aceitar ou não a pressão do Estado dá conteúdo à liberdade política. Para os Romanos ser livre era possuir instituições que traduzissem e aplicassem o inexorável poder da lei. A aceitação deste quadro institucional garante a vida como liberdade A. carência dele, ou a modificação deste sistema, permite o aparecimento da vida como adaptação; quer dizer, as instituições já não estão de acordo com o sentir e o viver do povo que contemplam.

Mas definir liberdade no conceito moderno, conhecer os seus limites, saber o grau de responsabilidade correspondente, fazer a distinção entre sistema doutrinário e ideológico - o liberalismo, a que deu origem -, separá-la ou confundi-la com liberdade económica ou liberdade moral ou fundamento de definição de homem, não tem lugar aqui e agora. Creio bem, contudo, que a palavra "liberdade" sofreu as mais variadas interpretações. Não é possível, porém, analisar este conceito sem a sua íntima relação com o fenómeno religioso, e se a liberdade, em diversos domínios e regiões, tem sido uma conquista permanente da sociedade na progressiva definição e aplicação dos direitos do homem (e nem vale a pena referir os inúmeros factos em que a dignidade humana tem sido exaltada), por contraditório que pareça, foi nos países tidos por liberais que mais limitativamente ela se exerceu. Se a negação do livre arbítrio, pela dissidência protestante, pôde criar o capitalismo e gerar a confusão entre aquele sistema económico e o liberalismo, sistema doutrinário, a verdade é que a religião determinista, que é todo o protestantismo, só permite o uso e gozo da liberdade aos predestinados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, como tão bem escreveu Oliveira Martins, é na Igreja Católica que se encontra a salvação da liberdade humana, já definida por Santo Agostinho no problema do livre arbítrio. Ou, como exemplifica Toynbee a criação da América do Sul ou Latina deve-se à aplicação do Novo Testamento - à igualdade dos homens perante Deus e a sua dignidade como pessoas; a formação da América do Norte ou Saxónica, à interpretação do Antigo Testamento. Ou, ainda, contado de outra maneira: a criação do Brasil foi um acto de amor; . . .

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... a da América, uma luta de extermínio. No entanto, na definição e uso da palavra "liberdade" verifica-se que a sua ligação com um princípio religioso deixou de existir, e, deste modo, aquele conceito encontro-se desligado de qualquer fundamento metafísico ou transcendental. O mesmo não acontece, porém, com o marxismo-leninismo, que mantém, a sua exacta religião, com o seu "credo" bem definido, a hierarquia e a autoridade absoluta, a noção de "igreja" e de "ortodoxia", os exegetas dos "escrituras" e os defensores da completa e total pureza da doutrina.

E nada parece indicar que se encontrem sinais desagregadores dessa fé tão profunda e tão sentida. Quer dizer, o homem sente-se livre, aceita o Estado, a opressão, a coacção inerente à sua essência. Como em Soma, sente que as instituições funcionam de acordo com a sua liberdade. Há, contudo, algo mais a dizer que se relaciona directamente com o mundo em que vivemos, no qual cumprimos o nosso destino, atarefados perante a história, que é a vida. E é muito e é bem pouco.

Com efeito, a teoria quântica de Planck, o princípio de indeterminação ou de incerteza de Heinsenberg, destruidor do princípio da causalidade e da ditadura materialista do determinismo, os progressos da psicologia depois de Freud, Jung e Adler, a desintegração atómica, os voos espaciais e o conhecimento do universo envolvente, a panóplia dos meios de transmissão e áudio-visuais da informação e do conhecimento, as incríveis descobertas na biologia e na medicina, a dimensão incomensurável da cibernética, os novos caminhos da filosofia, etc., a variadíssima heterogeneidade dos factos científicos, filosóficos, artísticos e literários, enquanto princípios e causas do desenvolvimento, separa-nos cada vez mais do velho horizonte positivista do século XIX, a que estava ligada uma concepção da vida e do mundo, na qual, apesar de tudo, alguns ainda teimam viver.

A agonia desse mundo, com o cortejo romântico do mais exaltado anarquismo e a intervenção estudantil turbulenta na vida social, que só teve paralelo na Idade Média, não respeita nem acata o chamado "primado do económico", nem crê, tão-pouco, na liberdade, como tem sido definida ou praticada. Assim se entende como um homem como Galbraith afirme que os valores humanos não são identificáveis com o produto nacional bruto e que é chegada a hora de subordinar o economista ao humanista.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A crise de que tanto se fala não é, na evidência dos factos, uma crise dos factores de produção ou do comportamento do mercado. Não é o desequilíbrio económico que provoca a "expressão da descontinuidade na evolução", nem é ela também geradora das crises culturais, políticas ou monetárias. Presentemente estamos, é certo, perante uma crise monetária que resulta do mau funcionamento do sistema financeiro internacional, mas esta crise nada tem a ver com a crise universal em que nos encontramos inseridos.