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4472 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 219

enquanto não tivermos estruturas que possam absorver em nosso proveito essa enorme força de trabalho, Portugal tem de estar reconhecido àquela florescente nação pelo grande contributo que essa migração - talvez a mais vasta dos nossos dias - vem representando para a nossa economia e para a resolução do problema do emprego de dezenas de milhares de moçambicanos.
A República da África do Sul, por sua vez, decerto que reconhece o gigantismo da participação dessa multidão de trabalhadores simples e humildes, mas fortes e corajosos, com braços que têm sido autênticos pilares de exploração das riquezas do seu subsolo, cujo aproveitamento, sem eles, não teria tido o êxito que teve.
Iniciado há cerca de um século, actualmente é nos termos de um acordo que data de 1928 que esse maciço vaivém de gente se ter processado, ascendendo a milhões o número de portugueses do Estado de Moçambique que pelos anos fora nele têm tomado parte.
Entretanto, finda a última guerra, o mundo tem progredido fulgurantemente, evoluído em todos os campos do espírito e da técnica, atingindo a culminância com as viagens interplanetárias.
Também na esfera do trabalho e no domínio das relações humanas a evolução tem sido vertiginosa. E, enquanto há poucas décadas se poderia, sem graves problemas de consciência, considerar o trabalhador apenas como uma unidade quase mecânica da complicada engrenagem de criação de riquezas, hoje já ninguém aceita essa definição simplista, já ninguém pode separar o trabalhador - intelectual ou manual - do seu enquadramento familiar, do seu acesso progressivo a regalias sociais e mesmo políticas, da sua organização profissional e, muito em especial, da justiça de um salário condigno com o seu mérito e a sua produtividade.
Por estas simples razões, só o facto de o Acordo de 1928 datar de quase meio século nos leva a concluir que o seu conteúdo se encontra necessariamente ultrapassado, a reclamar uma visão de fundo, com o objectivo de eliminar o que tem de obsoleto e de contemplar as mais modernas concepções da sociologia do trabalho, por forma a assegurar uma melhor correspondência às exigências humanas e sociais da nossa era.
Uma vez que podemos considerar anónimos os trabalhadores engajados à sombra desse Acordo, na medida em que não têm opinião nem voz na formulação dos termos da prestação de serviço, e ainda por falta de qualquer representação oficial própria ou órgão através do qual possam eficazmente intervir na discussão e solução dos seus problemas, das suas angústias e dos seus anseios; e uma vez que é o Estado, em última análise, o negociador do seu estatuto de trabalho em face do Estado tomador dos seus serviços, pesada responsabilidade recai sobre o Governo e também sobre os ombros de todos quantos têm assento nesta Assembleia.
Independentemente dos aspectos sócio-humanos do recrutamento e do repatriamento desses nossos concidadãos, das condições em que vivem e em que o seu árduo trabalho é desempenhado - o que tudo merece ser aprofundado e acautelado à luz do Estatuto do Trabalho Nacional -, queremos hoje referir-nos apenas ao nível dos seus salários, o qual, pela sua natureza de autêntico salário de subsistência, carece de urgente revisão.
Em nome dos mais elementares direitos do homem, e sobretudo da pessoa humana, em que o Governo da Nação vem empenhando sábias medidas legislativas, no tomar a peito a defesa daqueles que não são hábeis na formulação e defesa das suas aspirações, Portugal não só estará actuando no seu próprio interesse como fará jus ao alteamento do seu prestígio junto de outros países, nomeadamente dos que comparticipam nesse fornecimento de mão-de-obra.
É ponto assente que um tal sistema migratório, em que o homem - arrancado à família, automatizado, vivendo em autênticas colmeias, com circulação limitada, sem direito a benefícios sociais de qualquer ordem - é aproveitado apenas durante esporádicos e sempre curtos anos da sua validez física e depois devolvido, muitas vezes gasto, doente e estéril, à economia da região donde proveio, esse sistema, em suma, que consideramos desumano e degradante, tem os seus dias contados.
Muito embora a alguns possa parecer pouco aceitável ou mesmo excessivo em face do que naquela latitude é já tradicional (tradicional não significa necessariamente justo e moral), esse trabalhador mineiro, que torna possíveis fabulosas fortunas, tal como o trabalhador da estiva, o varredor das ruas ou qualquer outro, tem direito à estabilidade, tem direito à família, tem direito a salário justo e a benefícios sociais compatíveis com o risco e a extraordinária produtividade do seu trabalho.
Enquanto deixamos estes considerandos à ponderação de quem de direito, a fim de serem aprofundados e serem tomados em conta na revisão ou na substituição do Acordo de 1928, não deixam de pressionar a nossa mente e a nossa consciência de cristãos outros aspectos da vida desses nossos concidadãos, que impõem nos debrucemos sobre eles.
À falta de melhores elementos que não nos foi possível obter - o que já de si é pouco abonatório do sistema -, socorremo-nos de um valiosíssimo livro acabado de sair a lume sobre O Trabalho nas Minas de Ouro da África do Sul, pelo eminente economista da Universidade do Cabo Dr. Francis Wilson, que, demonstrando crua e irrefragàvelmente a pobreza e a injustiça da remuneração desses mineiros e a insuficiência da sua evolução através dos anos, cria em qualquer leitor a impressão de estarmos frente a uma das maiores injustiças salariais do nosso tempo.
É preciso ter em mente que os mineiros moçambicanos que trabalham na África do Sul são todos africanos e, como tais, impedidos pela Lei de Reserva de Emprego daquele país de ascenderem à categoria de trabalhadores especializados. Nem por isso deixam eles de ser essenciais na penetração e abertura de galerias, no rebentamento de rochas, nos trabalhos de escavação ou na técnica de brocagem, etc.
Revela o Dr. Wilson que, enquanto em 1911 o trabalhador branco usufruía uma média anual de 23 300$ (666 rands) e o africano de 2 000$ (57 rands) - proporção de 11,7 para 1 -, em 1969 o primeiro avançava para a média de 140 210$ (4000 rands), enquanto a do africano atingia apenas 6 965$ (199 rands) - proporção de 21,7 para 1. E demonstra que, tomando por base o ano de 1938, enquanto o ganho em numerário para brancos melhorou em 70 por cento, o dos afri-