O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

4474 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 219

porque têm em Moçambique condições de vida melhores do que as que usufruem naquele país.
Muito obrigado.

O Orador: - Em primeiro lugar, devo dizer que em parte alguma desta pequena intervenção teria dito que o nosso Governo nada tem feito em prol do mineiro da África do Sul. Não disse nada disso. Pelo contrário. O nosso Governo tem de facto melhorado as condições de salário do africano em Moçambique e noutras regiões, salários que são absolutamente superiores aos que ele aufere trabalhando lá em baixo, a dois ou três mil metros de profundidade.
Em segundo lugar, eu desejava esclarecer essa fama de que o africano, para se considerar homem, tem que ir ao "John". Devo dizer que, na minha opinião, essa fama, ou, melhor, esse costume, vem sendo incutido, desde há um século para cá, pelas grandes empresas engajadoras do trabalho desses mineiros pobres que, apesar de decorridos cem anos, quase ganham menos hoje do que ganhavam em 1912. Isso é tudo baseado num livro factual do Dr. Francis Wilson, que é o primeiro livro sobre o trabalho dos mineiros na África do Sul que aparece verdadeiramente documentado. E o objectivo que tenho é pura e simplesmente que esses mineiros sejam de facto bem remunerados de acordo com o seu trabalho, de acordo com o sacrifício que eles fazem ao largar a sua terra e de acordo também com o risco que correm lá em baixo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Que de injustiça e de desumanidade não há neste sistema de remuneração do trabalho, quando se sabe que algumas minas realizam lucros mensais da ordem dos 40 000 000$ e quando nos vem à mente, por exemplo, que o vencimento mínimo da telefonista de um banco, em Lourenço Marques, é de 4750$, não contando com o subsídio de renda de casa, o abono de família, as licenças, etc., a que tem direito!
Torna-se cada dia mais notório o escândalo deste abismo salarial, exacerbado por coincidir com grupos ráçicos e que não pode deixar de constituir motivo de insatisfação, de frustração e de ressentimento para aqueles que a eles estão sujeitos.
Todos temos ainda de reconhecer uma verdade esmagadora: é que, enquanto o aumento do custo de vida afecta sem dúvida os nossos orçamentos individuais e diminui o nosso poder aquisitivo, para os trabalhadores das primeiras tábuas da escada salarial, como é o caso dos mineiros referidos, esse agravamento torna problemática a sua própria alimentação diária, a sua habitação, o seu vestuário e a sua hipotética possibilidade de constituírem e manterem família.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Todavia, segundo o influente Sunday Times, de Joanesburgo, no meio deste panorama tão desanimador e tão carregado de negras perspectivas, surge um raio de verdadeira esperança, pois algumas empresas sul-africanas, tomando crescente consciência da injustiça e dos incomensuráveis perigos sociais e políticos de tão grotesco desnivelamento de salários, apesar de não estarem sob qualquer pressão, excepto da que resulta do seu bom senso e da sua humanidade, já tomaram de moto próprio a iniciativa unilateral de promoverem, elas mesmas, a sua melhoria. O que, reconheça-se, só reforça a responsabilidade da nossa inércia.
Avassaladora, mas feliz onda de justiça social surge e atravessa de lés a lés aquele país.
Assim, na referida cidade, onde o vencimento dos médicos africanos municipais foi nivelado ao dos restantes, mediante um aumento de 300 por cento (passaram de 40$ a hora para 120$), onde a Associação Comercial de Empregados aumentou de 46 por cento o salário dos empregados africanos, a grande firma Johannesburg Consolidated Investments deu um nobre exemplo ao elevar o salário dos seus mineiros africanos para cerca de 1750$ por mês, ultrapassando de longe a média dos 700$ a 800$ praticada pela maioria das empresas mineiras.
A própria Anglo-American Corporation, que só para sete minas de uma província anunciou recentemente num ano (1971-1972) um lucro de quase 5,5 milhões de contos, preocupada com a pobreza salarial dos seus mineiros africanos, tem na forja o seu aumento e está considerando estabelecer benefícios de reforma e bónus para os encorajar a regressar ao trabalho depois das férias, bem como medidas para promover uma maior permanência da sua força de trabalho, o que é muito importante, para ajudar a transformar o trabalhador africano, de mera unidade de trabalho, num mineiro de profissão.
Esta é uma finalidade verdadeiramente louvável, e fazemos votos para que esta crescente consciencialização humanitária que vai dignificando a iniciativa privada daquele país conduza, não só a melhorias económicas e de condições de trabalho, como também ao reconhecimento da natureza humana dos nossos mineiros, inseparável dos direitos intrínsecos de todos os trabalhadores a uma compensação monetária condigna, à vida de família, a benefícios sociais, à protecção na invalidez, na doença, na morte, etc.
Considerando os benefícios que estas melhorias vão representar para tantos concidadãos nossos, não será extemporâneo expressar a nossa homenagem à iniciativa dessas empresas que, decerto sob motivação económica, mas também impelidas por ditames de consciência e de justiça, estão olhando com maior humanidade e carinho a situação dos seus servidores mais humildes.
Não faltam, portanto, motivos, e motivos bem fortes, nem cremos que faltará ambiente oportuno e acolhedor, para o Governo Português tomar a iniciativa de pedir ao Governo da República da África do Sul a revisão do Acordo de 1928, que deve ceder lugar a um novo documento iluminado pela evolução que tem caracterizado o trabalho e as relações entidade patronal-trabalhador nas últimas décadas. Que não só preveja uma melhoria expressiva do nível de salários das muitas dezenas de milhares de trabalhadores mineiros de Moçambique, como contenha uma completa revisão das condições em que os mesmos labutam naquele país, com vista à elevação da sua dignidade, com vista à sua mais ampla protecção em caso de doença, com vista à defesa da família em caso de morte, ao alargamento de benefícios sociais, à sua educação, ao estudo da língua portuguesa, à assistência religiosa, à sua recreação, etc.