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4598 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 226

cias, que actualmente se pretende naquele continente. Mas, graças ao esforço do País, salvou-se o ultramar. E Norton de Matos, ao descrever o episódio nas suas Memórias, comenta: "Foi a tarefa ingente da minha geração, o conservar aquelas terras."

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E quando em face do desânimo de alguns transviados, que não sentiam o ultramar, Norton de Matos se lamentava perante o grande paladino da República e da liberdade e matemático ilustre que foi José Falcão, este comentou: "Eu supunha que havia coisas de que se não podia dispor sem infâmia." Nesta frase singela, quanta amargura!
Muito obrigado, Sr. Presidente.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vamos passar à

Ordem do dia

Continuação da discussão na generalidade da proposta de lei sobre a protecção da intimidade da vida privada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte de Oliveira.

O Sr. João Duarte de Oliveira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O homem é um ser sozinho. Sozinho por ser uma entidade original, não idêntica a outrem, e cônscio do próprio "eu" como uma identidade independente.
O homem carece de períodos de solidão para apaziguar a sua sensibilidade activa; carece de estar só quando precisa de julgar ou de tomar decisões, exclusivamente baseado no poder do seu raciocínio; tem necessidade dessas "terras abandonadas" que a sociedade mantém, às vezes, em redor das suas actividades normais.
O homem sente uma necessidade atávica de se escapar do "mundo", de se isolar, até porque também há prazeres espirituais que só podem ser gozados no alheamento.
Não é uma rejeição da sociedade, mas um prazer positivo.
Não é um procedimento-recusa, mas um procedimento-aceitação.
O homem não suporta "ficar" sozinho, desligado de seus semelhantes. A sua felicidade depende da solidariedade que sente com os outros homens.
O homem é, assim, "naturalmente", por uma dicotomia gerada dentro de si, um ser sozinho e, ao mesmo tempo, relacionado com os outros; como pessoa, é um ser individual e um ser social.
O homem tem, pois, por exigência ontológica, o direito de estar só, o direito à protecção da intimidade da sua vida privada, que é património exclusivo seu.

O Sr. Pontífice Sousa: - Muito bem!

O Orador: - Não é, pois, um valor novo que surge a reclamar tutela. É um valor humano, uma manifestação da personalidade, um direito essencial, sempre gozado pelo homem, até há bem pouco, sem qualquer perigo sério de lesão.
Ora esse isolamento, onde o homem busca a paz de espírito e equilíbrio, indispensáveis à fruição da intimidade; essa subtracção ao alarme, à publicidade, à curiosidade, indispensáveis à paz interior; esse "jardim secreto" de cada um, que não é escolha, mas necessidade vital, encontra-se hoje seriamente ameaçado de lesão pelo abuso dos meios técnicos ao serviço do som, da imagem e da memória, que derrubaram todos os muros protectores da intimidade.
O ritmo da vida moderna desta sociedade técnica em que vivemos criou a tendência para o contrôle do homem, cuja vida é objecto de devassa sistemática para fins de natureza económica, política, social, de informação.
E, para além disso, motivações de curiosidade doentia, de ambição, de inveja, levam a buscar nos outros não a sua existência, mas o que é "interessante", pitoresco; a usar os outros como diversão ou desculpa.
E, assim, os meios técnicos, postos à disposição do homem para o servir, passaram a ser usados para o torturar.
Mas o outro é um mistério a respeitar-se, a ser compreendido; o meu semelhante é outro "eu".
Passou, pois, a fase da simples proclamação de direitos.
Em todos os países civilizados, este direito à intimidade é reconhecido como um dos mais expressivos da liberdade individual e a sua tutela civil há muito sancionada nas várias legislações.
Num mundo em que se fala na "simbiose" entre o homem e a máquina; em que se pretende esvaziar de sentido as tradicionais antíteses metafísicas entre materialismo e espiritualismo, determinismo e indeterminismo, fez-se urgente que o homem busque a preservação da sua individualidade, reaja pronta e severamente contra os atentados aos direitos da personalidade.
E o perigo e intensidade de violação desses direitos, na sociedade industrial e massificada em que vivemos, não se compadecem já com meras providências de natureza civil.
As formas e modos de violação actuais são portadores de um tal grau de ilicitude que exigem uma punição criminal.
É, aliás, nessa esteira que têm caminhado a doutrina e os ordenamentos jurídicos das nações ocidentais.
Também entre nós, agora, a violação do direito à intimidade da vida privada de cada um passará, se a proposta de lei n.° 27/X, emanada do Ministério da Justiça, for aprovada, a constituir crime, nas formas aí enumeradas.
Esta lei será a protecção da esfera do lar, da intimidade doméstica contra a agressividade da indiscrição; a defesa do nosso direito ao recato, a garantia do nosso direito à voz, à imagem, à vida quotidiana, às nossas intimidades contra as intromissões dos ouvidos e dos olhares a distância; a defesa do nosso último reduto.
Sr. Presidente e Srs. Deputados:
É sempre motivo de regozijo a elaboração de uma lei que visa a protecção e garantia das liberdades fundamentais do homem.
Aquela, a que me refiro, insere-se, quanto a mim, na linha de pensamento que presidiu à revisão constitucional, no capítulo das liberdades e garantias individuais.