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14 DE MARÇO DE 1973 4745

São muitos os factores, quer individuais, quer resultantes do meio em que o indivíduo vive, que levam ao uso e abuso das drogas e à sua dependência.
Nos países mais desenvolvidos o recurso à droga por parte dos jovens apresenta-se muitas vezes como sinal de rebelião contra a sociedade fortemente materialista em que vivem. Numa sociedade caracterizada pela importância concedida aos valores materiais, dominada pela ânsia do poder, do êxito a todo o custo, do lucro e do prazer, o uso de drogas psicotrópicas por vastas camadas de jovens é um sintoma de doença dessa mesma sociedade.
Creio bem que o problema de que nos estamos a ocupar seria inexistente - ou, pelo menos, não atingiria a gravidade que hoje se lhe reconhece - se não tivessem surgido as condições sócio-económicas criadas pela sociedade industrial altamente desenvolvida, mas vazia de espiritualidade, em que vivemos, a qual não soube dar à vida o sentido de finalidade que os jovens do nosso tempo procuram.
As carências afectivas e educativas são habituais nos jovens toxicómanos; muitos são filhos de casais que se desfizeram por morte de um dos cônjuges ou por divórcio, ou então filhos e filhas de famílias bem colocadas, cujos pais vivem sufocados pela vida mundana e pelo êxito social e profissional, demasiadamente preocupados consigo mesmos e sem disporem de tempo para dedicarem aos filhos.
Uma estatística francesa publicada na Revue du Praticien esclarece-nos que num grupo de toxicómanos 40 por cento de homens e 65 por cento de mulheres tinham tido perturbações na infância (morte do pai ou da mãe, divórcio, etc.).
Kihlbon e Ahrens, num inquérito efectuado entre estudantes da Universidade de Estocolmo em 1969, verificaram que aqueles que haviam ensaiado a droga referiam sintomas indicadores de dificuldades de ordem afectiva antes do início do seu uso.
Os mesmos autores observaram neste grupo, em relação a um outro de estudantes abstémios, um considerável aumento de conflitos com os pais e uma incidência muito maior de sintomas psiquiátricos, incluindo depressões graves; concluíram ser o risco do abuso de drogas muito mais elevado entre os jovens com dificuldades de ordem afectiva.
Sabe-se que a curiosidade exerce sobre os indivíduos um grande poder de atracção; na juventude ela é reforçada pelo desejo de se autoafirmar e de correr o risco. Em inquéritos efectuados em vários países, muitos toxicómanos declararam ter sido esta a motivação que os levou à experiência da droga, curiosidade despertada pelos companheiros ou pelos órgãos de informação. Alguns autores afirmam, talvez um pouco exageradamente, que toda a publicidade favorável ou desfavorável feita na imprensa, rádio e televisão aumenta o interesse do público pela droga e faz crescer o número de pessoas que a tomam. O que é verdade é existir hoje uma vasta literatura favorável ao uso da droga, principalmente pró-Cannabis (considerada por certos "apóstolos" inofensiva e símbolo da emancipação do homem) e pró-L. S. D. (tida por alguns, nomeadamente T. Leary, como experiência religiosa de valorização pessoal), falhada em publicações clandestinas, ou outras aparentemente sérias, e lida avidamente pela juventude, literatura que só podemos combater eficazmente através de uma informação séria, realista, cientificamente válida e capaz de penetrar nos próprios circuitos de informação dos jovens. Não é com cartazes mais ou menos sugestivos espalhados pela via pública, ou com descrições pouco realistas da experiência da droga publicadas em alguns jornais, que tal objectivo será atingido.
Alguns utilizam ainda a droga para se sentirem mais próximos uns dos outros -a participação no grupo -, criando uma subcultura como elo de ligação da comunidade; outros servem-se dela para experimentar sensações novas ou como fuga ao sofrimento.
Finalmente, o encontro acidental com a droga pode despertar uma tendência toxicomaníaca latente; é o que acontece quando um médico a administra inadvertidamente a um doente toxifílico, já que, como se sabe, há uma apetência de certos tipos de personalidade para determinados fármacos.
O que expus talvez se possa resumir dizendo que três grupos de factores podem levar ao uso das drogas: factores inerentes à estrutura da sociedade, factores relacionados com as pessoas muito próximas do indivíduo e factores dizendo respeito à própria pessoa. Acrescentarei que parece não haver dúvidas de que o tipo de personalidade tem uma importância indiscutível na génese das toxicomanias.
Após a primeira experiência, o indivíduo que se drogou é tentado a continuar com o uso da droga, quer para reforçar a experiência, quer para satisfazer os seus sentimentos de agressividade contra a sociedade, os pais ou outras pessoas; após um período mais ou menos longo, a tomada da droga passa a ser um constrangimento e o indivíduo adquire a dependência.
Para os opiáceos os sintomas de privação são pronunciados, mas para outras drogas, como os estimulantes do sistema nervoso central, em que essa sintomatologia é relativamente fraca, não se compreende muito bem que a dependência possa ser tão forte como a dos opiáceos.
Na verdade, a dependência quanto às drogas que dão lugar apenas a ligeiros sintomas de privação não e bem compreendida, nem tão-pouco se compreende as elevadas taxas de recaída que se verificam para todas as drogas que engendram dependência. Por aqui se avalia as dificuldades de tratamento dos indivíduos dependentes, acrescidas ainda mais por, infelizmente, estes doentes serem pouco inclinados a quererem libertar-se do vício e submeterem-se a um tratamento tendente à sua readaptação social; sobretudo os consumidores de anfetamina e L. S. D., que defendem com agressividade e apaixonadamente os seus hábitos.
As opiniões dividem-se quanto ao tratamento dos toxicómanos e os esquemas vão desde o internamento ao tratamento livre. Em todos eles é decepcionante a percentagem de recaídas; no entanto, parece que o ideal é evitar ao máximo a hospitalização, excepto em casos muito especiais. Uma coisa parece ser certa: é que o tratamento dos indivíduos dependentes de drogas "não é só um problema médico; ele ultrapassa a competência de uma só profissão e de um só grupo especializado, exigindo, além do médico, o concurso de psicólogos e sociólogos" (in La santé mentale des adolescents et jeunes - publicação da O. M. S.).