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4746 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 235

O Sr. Delfino Ribeiro: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Delfino Ribeiro: - Venho acompanhando, com natural e manifesto interesse, a exposição de V. Exa. Desejaria que me esclarecesse o que entende com a expressão "evitar ao máximo a hospitalização". Será que V. Exa. prefere o tratamento ambulatório ao hospitalar? Se assim é, direi que, embora se saiba ser a recuperação dificílima, o internamento, em centros especializados, tem-se revelado, por regra, o mais, se não o único, aconselhável, atentos os resultados decorrentes sobretudo da circunstância de o regime ambulatório apresentar o risco de permitir que o viciado, geralmente com o bom senso bastante afectado e diminuído, contacte com a droga, desta forma tornando a cura mais simbólica que efectiva. Bem sei que, em relação a certos casos considerados ligeiros, há quem recorra ao tratamento ambulatório, especialmente de natureza psiquiátrica, o qual se realiza ou no domicílio do doente ou no consultório do médico, mas os resultados obtidos parecem aconselhar o internamento, por virtude do isolamento que rodeia o enfermo e o impede de ser livremente tentado pela droga. É claro que não me refiro à chamada toxicomania reactiva que leva os adolescentes ao consumo, em fins de semana, de pequenas quantidades insuficientes para o desenvolvimento da toxicomania, pois, neste caso, não há verdadeira toxicomania.
Muito obrigado.

O Orador: - Eu disse, a princípio, que as opiniões se dividem quanto ao tratamento dos toxicómanos e os esquemas vão desde o internamento ao tratamento livre. Eu opto pelo tratamento livre; é uma opinião.

O Sr. Delfino Ribeiro: - Eu respeito a opinião de V. Exa. e agradeço-lhe que tenha permitido que eu, mais uma vez, manifestasse a minha.

O Orador: - Aliás, as experiências tanto nos Estados Unidos como em França conduzem-nos realmente, quanto a mim, a optar pelo tratamento em regime livre.
Nos Estados Unidos são múltiplas as experiências de tratamento de indivíduos dependentes de drogas, e vão desde o Hospital-Prisão, em Lexington, no Texas, até as clínicas livres em S. Francisco, as Haigh-Ashlung Medical Free Clinics, ou às experiências de Day-top.
Parece que, na situação actual, é necessário antes de tudo prevenir a extensão do abuso da droga. Antes de mais é indispensável uma informação válida que administre sobre este problema ensinamentos objectivos, sem ideias preconcebidas, elucidando os indivíduos a respeito das drogas e dos seus efeitos; desencorajar a tendência de se procurar na farmacologia a solução dos problemas humanos, e procurar por todos os meios possíveis controlar a distribuição de drogas. Ao mesmo tempo fazer-se um esforço no sentido de ajustar a juventude à sociedade, e esta à juventude - melhorando-se.
Sr. Presidente: Desde a época das Descobertas que o nosso país tem íntimos contactos com civilizações onde o uso de estupefacientes era vulgar e aceitável, e é curioso notar que nenhum autor refere terem os portugueses deixado contaminar-se por semelhante costume. Garcia de Orta e Cristóvão da Costa, célebres médicos portugueses do século XVI, profundos conhecedores das terras orientais, descreveram com pormenor alguns estupefacientes usados pelos habitantes desses territórios, anotando minuciosamente os seus efeitos sobre os indivíduos que os utilizavam.
O último dos médicos citados, no seu Tratado das Drogas e Medicinas das índias Orientais, revela ser o ópio "medicina e mercadoria muito usual e necessária, principalmente em todas aquelas partes da índia: porquanto em muitas delas se usa comer dele ordinariamente, e se previnem, como o lavrador de pão, para todo o ano". E mais à frente acrescenta: "Este ópio come-se muito de ordinário naquelas terras, assim para que, dormindo, ou meio desorientados dormitando, não sintam os seus trabalhos, como para o efeito veneroso: para o qual, embora repugne à razão, o têm tanto em uso, que é o mais vulgar e familiar dos vis filhos de Vénus." E a propósito da dependência que o ópio provoca escreve: "Feito por hábito uma vez, o gosto e c apetite a ele não podem deixar sem grande risco de vida, a qual lhes falta em lhes faltando o ópio."
Garcia de Orta, num dos seus colóquios, afirma a propósito dos consumidores de bangue (cânhamo): "Não tiram dele nenhuma utilidade, que não seja de serem levados a êxtase, ficarem libertos de todo o cuidado, ou rindo frivolamente."
Eram fortes de vontade os portugueses de antanho, elevados os seus ideais, cheias as suas vidas, para se deixarem arrastar pela sedução da droga e procurarem no ópio ou no cânhamo a evasão e experiências místicas, pois não se prova ter o uso de estupefacientes afectado em qualquer época da História a sociedade portuguesa. Portugal, dadas as suas tradições cristãs e estrutura social, em que a família continua a ser a pedra angular, tem sido poupado aos malefícios da toxicomania, sobretudo com o carácter de massa que apresenta em tantos países.
Mas seremos ingénuos ou demasiado optimistas se nos julgamos imunes de um mal que na Europa teve o seu início nos países nórdicos e se estendeu rapidamente, como vaga epidémica, pelo resto do continente, invadindo a Alemanha, a Holanda, a Bélgica e a França. Com os meios técnicos de informação colectiva de que hoje se dispõe, e com transportes rápidos e fáceis que permitem cada vez mais não só os contactos pessoais e troca de ideias como a própria difusão geográfica da droga, nenhum país do mundo livre se pode furtar a essa invasão. Por outro lado, os inimigos de Portugal pretendem vencer a vontade indomável que nos anima de mantermos a integridade do território pátrio subvertendo pelas ideias e pela droga a juventude portuguesa, que em África concretiza pela força das armas a vontade nacional.
Temos de estar alerta e tomar as medidas indispensáveis para preservar a população do País, em especial a juventude - pois é contra ela que o inimigo se empenha -, dos perigos que a ameaça. Os primeiros sintomas do mal já foram detectados não há muito tempo. Eis por que acho de toda a oportunidade o aviso prévio do Sr. Deputado Delfino Ribeiro.
É evidente que o fenómeno do consumo de drogas se apresenta com aspectos muito diferentes, conforme se considere no Oriente ou nos territórios de civili-