O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

5 DE ABRIL DE 1973 4911

que dois homens de bem, mesmo quando na política do dia a dia aparecem como ardentes adversários, estão mais próximos no que é essencial do que eles mesmo supõem: simplesmente, quase esquecem as grandes coisas que os unem, à força de repisarem demasiado nas mais pequenas que os separam.
Sou, por isso, também daqueles que consideram muito salutar que o País se vá acostumando a reflectir francamente e em voz alta acerca dos seus grandes problemas, posto que só assim homens civilizados podem dignamente entender-se.
O acontecimento a que me refiro é o meio século que este ano celebra a Liga dos Combatentes; a escolha da data de hoje resulta de haver sido a 4 de Abril do ano, já distante, de 1917 que, em combate, caiu para sempre na terra da Flandres o primeiro soldado do corpo expedicionário português.
Rememorar estes factos neste dia tem, pois, em si, um duplo simbolismo: outras figuras poderiam ser mais brilhantes, mas esta, de António Gonçalves Curado, é bem um símbolo do povo, cerne da Nação, cuja capacidade de sacrifício, cuja fortaleza de ânimo, cujo amor à sua terra, dão a esses homens rudes e simples as qualidades extraordinárias do magnífico soldado português; mas é também símbolo eminentemente expressivo da missão que ali o levou, da causa por que veio a sacrificar-se. Morreu em França, mas, por estranho que pareça, ele defendia ali, como os combatentes de hoje, a integridade do País das ameaças que já então pesavam sobre Portugal em África.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não sou eu que agora o afirmo: é a palavra bem autorizada do político talvez mais representativo da 1.ª República. De facto, a 26 de Abril de 1917, o Dr. Afonso Costa, ao fazer a apresentação do novo Governo, dizia nesta Casa:

A nossa intervenção na guerra é o facto hoje dominante em toda a vida nacional. A compensação dos dolorosos sacrifícios actuais colhê-la-emos largamente num futuro consolador e nobilitante que nos assegurará, decisivamente, além do respeito de todos os povos pela nossa bem caracterizada nacionalidade e pela sua intangível independência, a tranquila manutenção do nosso valioso património colonial.

E acrescentava estas palavras, que, sobretudo se atentarmos na terminologia da época, são bem reveladoras da sua aguda visão dos grandes e permanentes interesses nacionais:

Por isso, e desde já, o Governo, firmemente convencido de que a conservação e a civilização do ultramar português, sendo-nos impostas por uma gloriosa tradição nacional, o são, também, por imperiosas necessidades e notáveis vantagens de ordem económica e de política externa, dedicará à questão colonial a mais desvelada atenção. E, assim, dará a cada colónia o seu estatuto orgânico, e concorrerá, quanto em si caiba, para que ele as habilite a viverem, financeiramente, dos seus próprios recursos desperte e avigore as iniciativas e instituições locais e transforme, em suma, essas actuais dependências em voluntários e valiosos associados da metrópole. De concerto com elas preparará os planos de fomento adequados ao intenso aproveitamento das suas riquezas, realizando-os na parte que lho permitirem as graves dificuldades provenientes da actual guerra.

Igualmente concludentes e talvez até mais significativas as palavras que um ano antes havia proferido, também nesta Câmara, a respeitada figura a que o País recorrera para unir à sua volta todos os sectores políticos na formação do primeiro governo após a declaração de guerra alemã.
Na sua palavra eloquente 6 Dr. António José de Almeida chamava os Portugueses à união "em prol da causa sagrada da independência e integridade nacional, dando tréguas a quaisquer lutas e dissenções internas que nos enfraqueceriam perante o inimigo comum", acrescentando que o Governo "procurará ligar os homens entre si e também vinculá-los à tradição do passado, estabelecendo a equação da continuidade histórica pelo sacrifício, pela tolerância e pelo amor à terra onde todos nascemos".

O Sr. Barreto de Lara: - Muito bem.

O Orador: - A equação da continuidade lembrada, seis anos após a implantação da República, pelo homem que talvez mais duramente atacara o rei e a monarquia é bem significativa.
Que haveria de comum a continuar?
Ele que fora o mesmo que em 1890, pensando haver Sido tíbia a reacção portuguesa aquando do ultimato, escrevera palavras incendiárias atacando o trono e que o levaram à prisão.
E, todavia, Portugal, com o reduzidíssimo potencial de que dispunha, servido por um punhado de chefes militares notabilíssimos, escrevia páginas das mais altas da sua história, pacificando e defendendo das cobiças alheias as vastidões imensas não só de Angola e Moçambique, mas que da Guiné iam até Timor; ao mesmo tempo que a acção diplomática do próprio rei, recém-chegado ao trono, viria a dar também um valiosissímo contributo em defesa da mesma causa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas tão sensível foi o povo à crise de 1890, ao golpe e à humilhação então sofridos, embora se tratasse de terras que para a grande maioria eram apenas sertão desconhecido, terras de febres e de aventura e que - importa salientá-lo - não tinham ainda custado sangue português, tão fundo lhe tocava tudo que bulisse com a honra e a integridade da Nação, que é, pode dizer-se, a sua vibração patriótica que cria, através da inspiração de Alfredo Keil, a música que todos cantam então ao menor pretexto, nas ruas e nos teatros, e que os republicanos habilmente chamam a si, transformando-a no seu canto revolucionário.
Caiu a Monarquia; implanta-se a República em 1910; muda-se a sua feição em 1926; mas parece bem oportuno lembrar que o Hino Nacional, que já ninguém discute, que o povo criou e impôs como expressão do seu sentir, é hoje um vivo e magnífico símbolo desta mesma continuidade.

Vozes: - Muito bem!