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26 DE ABRIL DE 1973 5171

Temos então, em lugar de um desenrolar contínuo e pacífico de transformações, uma sucessão de períodos de estabilidade artificial e enganosa e de saltos violentos, regeneradores do equilíbrio perdido. Penso ter sido suficientemente claro quanto à minha decidida opção por soluções reformistas que conduzam a uma evolução pacífica e permanente.
A tarefa dos detentores do Poder Político não deve ser, pois, a de travão de uma evolução natural, mas, ao contrário, a sua primeira, obrigação é a de estarem atentos, não a simples modas evidentemente transitórias, mas às tendências profundas de evolução social que se adivinham, para adaptar as estruturas à nova sociedade que nasce.
Suponho que não deixa dúvidas a ninguém, que observe com um mínimo de atenção o mundo que nos rodeia, de que nos encontramos numa viragem da história. E nem surpreende que assim aconteça. As sociedades tradicionais viveram dominadas inteiramente por profundas carências materiais que condicionavam completamente os comportamentos individuais e colectivos. A dura luta pela sobrevivência constituía a grande e muitas vezes única motivação. E nem sequer a existência de pequenos núcleos de pessoas de alio nível económico proporcionava exemplo diferente, pois estas, em regra, não vivendo pessoalmente as carências gerais, mas, conhecendo-as nos outros, subordinavam-se à preocupação de as evitar. O ter dominava completamente o ser.
E desse forte condicionalismo derivou uma sociedade espartana, pelo hábito das privações e, na ausência de esquemas públicos de previdência, pela preocupação de poupar, humilde e submissa perante a riqueza e o poder, como preço natural da sobrevivência, para garantia da qual se consentem os maiores sacrifícios. Se juntarmos a este quadro o predomínio das actividades agrárias, de influência normalmente conservadora, a dispersão da maioria da população por pequenos aglomerados rurais, e um nível cultural muito baixo, temos completadas as condições para a manutenção de um tipo de sociedade naturalmente estratificada e rígida.
A descoberta e domínio recentes dos mecanismos do crescimento económico e a rápida evolução do progresso técnico vieram desmoronar completamente este equilíbrio e esta estabilidade tradicionais. Os governos passaram a fazer do desenvolvimento económico condição essencial para a eliminação sucessiva e gradual das carências, o seu primeiro objectivo. Aliás, às sociedades estáticas e submissas, que aceitavam como fatais e insuperáveis as dificuldades materiais de toda a ordem, mesmo as mais graves, sucederam-se sociedades reivindicativas e exigentes de bem-estar e de segurança crescentes. É facto comprovado que efectivamente o homem se resigna perante as condições de maior despojamento material, enquanto está convencido do carácter imutável e fatal dessa situação, abandonando completamente essa passividade ao verificar que, afinal, é possível a mudança dessas condições.
Esse progresso económico contínuo, apesar de se ter iniciado a ritmo acelerado há poucas décadas, produziu já, nos países desenvolvidos, níveis de vida completamente insuspeitados em passado recente. Não surpreenderá isso se atentarmos que uma taxa de crescimento anual de 5 % duplica o volume de riqueza colectiva aproximadamente em catorze anos, de modo que cada geração desfruta de um nível de vida quatro vezes superior ao da anterior, em igual Idade. E níveis de crescimento de 10%, como os que se observam no Japão, dão origem a aumentos de riqueza de oito vezes, no intervalo de duas gerações.
Eis-nos, pois, nalguns países, já no limiar da sociedade da abundância, enquanto outros dela se aproximam a passos largos. O alto nível de riqueza colectiva e a generalização de oportunidades de obtenção de rendimentos que dele deriva, aliados a esquemas de segurança social, que eliminam situações anormais de necessidade, fizeram desaparecer o risco de sobrevivência material e estenderam quase a todos um nível de satisfação de necessidades que já ultrapassa de longe as consideradas essenciais. Desaparecido esse espectro que nas anteriores gerações condicionou inteiramente o comportamento social, não surpreende que estejam a surgir sociedades inteiramente novas, norteadas por quadros de valores diferentes dos tradicionais. À estabilidade sucedeu a mudança, e não apenas na decoração exterior do homem, mas também no trabalho, na residência e nos hábitos, impulsionada por um progresso técnico estonteante. Essa multiplicação de oportunidades de ganho e o espectáculo de prosperidade geral evidente que afastam o anterior receio de privações presentes ou futuras graves fazem aumentar a independência das pessoas, antes submissas perante quem reconhecessem poder auxiliá-las, e afastar o espectro das dificuldades materiais. Ao espartanismo de vida, o novo clima de facilidades económicas faz substituir uma busca, muitas vezes incontrolada, de prazer.
Por outro lado, as novas gerações começam a ser muito sensíveis à qualidade de vida, rejeitando profissões penosas e combatendo a deterioração do ambiente natural, provocada pela intensa actividade industrial e pela acumulação de detritos, ligada a padrões muito elevados de consumo. A poluição passou muito rapidamente a constituir preocupação muito generalizada.
Eis-nos assim a viver um tempo de transição, em que, aos problemas novos que despontam e aos quais os jovens são tão sensíveis, não sabemos oferecer senão soluções clássicas e ultrapassadas.
Mas, com esta sociedade avançada, coexistem largas zonas atrasadas, de ritmo de evolução tão lento, que o fosso que as separa das nações progressivas, em lugar de se esbater, aumenta dia a dia. E as diferenças não se medem já apenas em termos estatísticos de consumos médios individuais. São concepções diferentes de vida que estão em jogo, e, portanto, os desníveis revestem acentuações muito mais de qualidade do que de quantidade. É como que a imagem da ficção científica de Huxley, no Admirável Mundo Novo: ao lado de uma sociedade altamente refinada no plano da técnica e das comodidades de vida, as reservas onde se vive a vida tradicional, com todas as suas dificuldades e privações.
E aqui desemboca este longo exórdio com que macei a paciência de VV. Exas.: a imperiosidade de um crescimento económico muito rápido, salvaguardadas as cautelas que o exemplo dos países mais avançados aconselha. Vivendo em contiguidade geográfica com regiões muito desenvolvidas é indispensável não deixar que o nosso atraso tenha repercussões na qualidade de vida que podemos sob pena de nos esvaziarmos da população em pro-