20 DE OUTUBRO DE 1982 7
contrário ao planeamento familiar (depois das declarações desastrosas do deputado Morgado não era de admirar). Mas o que 6 certo é que o Governo tem vindo a deixar degradar os serviços existentes, como iremos mostrar longamente durante o debate.
Mas votarão, sobretudo, Srs. Deputados, serão chamados a fazer a opção - se o negocio sórdido do aborto clandestino, se esse flagelo social sinistro, vai ou não continuar em Portugal.
No passado dia 8 de Setembro os jornais noticiavam outra vez: «Jovem morre de aborto sob falsa identidade.» Foi no Hospital de Vila Nova de Gaia. Chamava-se, afinal, Maria da Conceição e tinha 18 anos. Pagara 10000$!
Consentirá a Assembleia da República que esta situação continue? Virara costas aos problemas fingindo que não existem? Vencerá aqui a hipocrisia sobre a verdade?
A resposta a estas questões tê-la-emos em breve quando confrontados com a responsabilidade da decisão e perante a obrigação de cada um assumir o seu voto.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - O apelo que vos fazemos, Srs. Deputados, é que saibam ouvir os casais, as mulheres muito particularmente que têm vivido e sofrido esses dramas a que as leis do PCP pretendem pôr cobro. Que ouçam essas mulheres que os têm vivido e sofrido no mais doloroso dos silêncios e que esperam que os deputados em quem votaram, em quem confiaram, as não traiam. Esperamos, Srs. Deputados, que saibam ouvir a voz dessas mulheres, a voz da sua vontade, para que a justiça prevaleça sobre a hipocrisia, para que a verdade seja assumida como é obrigação dos democratas.
Nos, comunistas, assumimo-la e continuaremos fiéis aos nossos compromissos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não vou fazer uma declaração política. Se tomo hoje aqui a palavra é porque seria culturalmente e civicamente grave que a Assembleia da República deixasse passar em silêncio a morte de alguém que foi, sem dúvida, uma das grandes vozes da sua geração, uma das grandes vozes da resistência, uma das grandes vozes de Portugal de Abril: Adriano Correia de Oliveira.
A França e a Bélgica prestaram recentemente homenagens nacionais a Jacques Brel e Georges Brassens, dois trovadores modernos que souberam cantar o nosso tempo e exprimir o sentir colectivo dos seus povos. Também Portugal se honraria se abandonasse de vez uma concepção por demais académica, corporativista e bota-de-elástico da cultura e fosse capaz de reconhecer os que verdadeiramente criam a cultura viva do nosso povo e da nossa Pátria. Adriano Correia de Oliveira foi um deles. E também ele teve de cumprir uma velha maldição portuguesa: a de morrer para ser reconhecido. E contudo, Adriano Correia de Oliveira não foi só o criador e intérprete de uma canção nova; ele foi, também, um dos principais criadores e agentes de uma nova maneira de pensar, de ser e de agir. Partindo do fado tradicional de Coimbra e da genuína música popular portuguesa, seguindo simultaneamente a lição de um Garrett («vamos à raiz, vamos a ser nós mesmos») e a de um Rimbaud («revolucionar as formas para mudar a vida»), Adriano Correia de Oliveira foi, de certo modo, um provençal moderno, um trovador do tempo antigo e um trovador do tempo novo, na medida em que soube ligar a poesia e a música e criar uma trova que, entroncando na tradição, foi verdadeiramente uma trova nova, uma canção do nosso tempo, da nossa luta e da nossa esperança. E mais: com José Afonso, José Niza e muitos outros, ele deu a Coimbra uma dimensão nacional e popular e transformou-a numa arma que abalou as estruturas culturais do fascismo e ajudou a abrir o caminho que conduziu ao 25 de Abril. A voz de Adriano, essa voz carregada de ternura e de mágoa, vocacionada para cantar amor e a fraternidade, foi uma voz de combate e de mobilização, uma voz que despertou consciências, levou mais longe a poesia, chamou à resistência e à luta milhares e milhares de jovens da nossa geração. Ele foi a voz que na hora do medo institucionalizado veio dizer-nos que não tinha medo. A voz de alerta que veio lembrar que Lisboa tinha barcas novas, as barcas que partiram carregadas de soldados para uma guerra injusta.
Ele foi a voz que nos momentos mais difíceis ou nas horas de cansaço e de desânimo soube dizer que há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não. Sem a voz do Adriano muitos dos poemas que os poetas portugueses escreveram não teriam chegado onde chegaram. Foi pela sua voz que eles chegaram ao povo e ao País inteiro, a tal ponto que alguns desses poemas deixaram de ter autor para passarem a fazer parte da nossa memória comum e do nosso canto colectivo. Eu já não sinto como meus dos poemas que o Adriano cantou. Penso que o mesmo acontecerá com Manuel da Fonseca e outros poetas. São poemas que o Adriano semeou no vento e nas pessoas e agora pertencem a uma história, a um combate e a um sentir colectivos. A poesia, disse um poeta, deve ser feita por todos e para todos. Mas isso só acontece quando surgem os trovadores que, como Adriano Correia de Oliveira, fazem do poema que cantam uma canção de toda a gente para toda a gente. E por isso é que muitos de nós sentimos que uma parte de nós se foi com ele e ao mesmo tempo sabemos que ele está presente e continua. Dentro de nós e nos que vierem depois de nós ficará sempre a sua voz a perguntar e a dar notícias ao vento que passa.
Adriano Correia de Oliveira foi e é um dos grandes símbolos de uma luta e de uma geração. Uma geração marcada, que ao longo deste ano viu partir alguns dos seus. A geração que disse não ao fascismo e à guerra colonial e ajudou a fazer e a construir Abril. Porque, é preciso não esquecer, depois do 25 de Abril Adriano Correia de Oliveira, de viola ao ombro, percorreu o País de lés-a-lés a cantar os novos ideais e a nova esperança.
Ele foi o mais corajoso dos trovadores do seu tempo, o mais generoso, o que mais se deu e o que menos quis para si. Talvez por isso ele represente tanto para tantos de nós. Talvez por isso a sua morte tenha vindo mostrar de maneira brutal o símbolo e o elo de ligação que ele era. Talvez por isso, também, quando a sua. voz se calou e a uma descia à terra no cemitério de Avintes, a sua trova tenha sido retomada por milhares de vozes que são uma e só voz: a voz de um povo e de uma esperança. Porque, se Adriano Correia de Oliveira (não há que ocultá-lo nem esquecê-lo, porque era o seu direito e o seu orgulho) foi um militante dedicado do Partido Comu-