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248 I SÉRIE - NÚMERO 10

do poder político e, dentro dele, a questão dos poderes presidenciais.
Não curarei, fazendo extrapolações, de saber se o General Ramalho Eanes preferiria, como deu a entender, que as suas expectativas não fossem defraudadas e que o substancial do processo de revisão viesse a recair na organização económica, mas importa sobre este aspecto fazer algumas precisões.
A UEDS, que não apoiou a recandidatura do Sr. General Ramalho Eanes à Presidência da República, assinou, em fins de Junho de 1980, juntamente com os partidos que integraram a FRS, um protocolo para a revisão constitucional que constituiu uma das peças com a qual a FRS se apresentou às eleições legislativas de 5 de Outubro. Dessa plataforma, para a revisão constitucional, constava o que de essencial veio a ser consagrado no texto revisto da Constituição no que concerne aos poderes do Presidente da República e à organização do poder político. Não rejeitámos, como é sabido, o apoio explícito que o Sr. General Ramalho Eanes quis dar à campanha eleitoral da FRS ao participar voluntariamente com a sua presença num dos tempos de antena que lhe couberam na RTP, e certamente o Sr. Presidente da República não ignorava a sua plataforma constitucional.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Estranhou o Sr. Presidente da República que, a partir de meados deste ano, o debate constitucional se tivesse centrado em torno dos poderes do Presidente da República.
Esqueceu o Sr. Presidente da República ou pretende o Sr. Presidente da República que se esqueça que, se tal aconteceu, a ele cabe principalmente toda a responsabilidade? Será porventura falso que foi o Sr. Presidente da República que trouxe tais questões para o centro de discussão ao ameaçar, por via do seu porta-voz, com a demissão caso tais poderes fossem substancialmente diminuídos?

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - A revisão constitucional fez-se. O Sr. Presidente da República não se demitiu. A que propósito vêm agora as considerações sobre os poderes do Presidente da República que, pelos vistos, não foram tão diminuídos que justificassem a sua própria demissão? Se ao Sr. Presidente da República não interessava discutir se os seus poderes foram aumentados ou diminuídos, para quê ocupar com eles grande parte da sua comunicação ao país?
É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, falar tão insistentemente nos poderes do Presidente da República só tem sentido no quadro do lançamento do projecto político pessoal do General Ramalho Eanes, projecto que depende estritamente da sua autoridade. E entro, assim, no grande tema da comunicação ao país do Sr. Presidente da República, a questão das alternativas.
O Sr. Presidente da República começou, é certo, por reconhecer a existência de uma crise económica, financeira e social muito profunda. Mas tal constatação não o conduziu à critica quanto às políticas prosseguidas pela AD nos últimos 3 anos. Recordemos a propósito que, quando o I Governo da AD foi empossado, o Sr. Presidente da República fez então questão de sublinhar que o Governo presidido por Sá Carneiro encontrava uma situação financeira e económica favorável e sem precedentes no Portugal de Abril. Toda a lógica do discurso do Sr. Presidente da República assenta num ataque constante aos partidos políticos que são por ele responsabilizados pelo agravamento das dificuldades do pais, pela inexistência de alternativa e pela criação de uma situação que o impede de demitir este Governo.
É neste quadro que o General Ramalho Eanes adianta, como solução para o bloqueamento que espartilha a actual situação, o surgir de uma nova entidade política. E entidade política porquê? Porque como a análise das causas do bloqueamento político assenta nos partidos, o General Ramalho Eanes não pode advogar o surgir de um novo partido. Daqui o recurso à fórmula da entidade, que ninguém sabe o que é, para designar a expressão política do seu projecto pessoal.
Estranharão alguns que o General Ramalho Eanes não defina o contorno das suas soluções, nem precise o conteúdo da alternativa que agora parece finalmente querer lançar desde a Presidência da República.
Interrogar-se-ão outros sobre o facto de que, sempre que o General Ramalho Eanes inventaria problemas, não adiantar minimamente as soluções mas advogando só e constantemente que elas devem ser ajustadas, correctas, harmoniosas, equilibradas, adequadas, eficazes.
Nós nem estranhamos, nem nos interrogamos pelo facto de assim ser. O carácter nebuloso, vago, despido de conteúdo e equivoco das propostas do General Eanes e da sua própria alternativa, vai de par com a sua crítica aos partidos políticos e, sobretudo, vai a par com a afirmação, até sexta-feira implícita e a partir de então explícita, dessa alternativa centrada na autoridade inerente ao Presidente da República.
O projecto da alternativa do General Ramalho Eanes consiste, exactamente, em não ser projecto, em não ser afirmação centrada em propostas claras, definidas e objectivas. É a critica negativa e destruidora do sistema partidário misturada com a sua própria autoridade como Presidente da República e com deliberadas indefinições.
E é assim porque se fosse de outro modo, o projecto deixaria de repousar sobre as ilusões de um consenso quase universal, deixaria de constituir-se como nebulosa onde todos julgam poder vir a reconhecer-se como o chapéu de chuva onde quase todos poderão abrigar-se. A nova entidade política só pode germinar e crescer enquanto indefinição voluntária onde mais tarde a autoridade do Presidente da República servirá de crivo.
Eu diria que o General Ramalho Eanes nunca foi tão claro na sua falta de clareza. É que o seu posicionamento ou conduz a uma entidade política feita de equívocos, de ambiguidades e de inconsistências programáticas e ideológicas - e neste caso a tal nova entidade política ruirá ao menor sopro de vento - ou, ao invés, essa nova entidade política consolida-se apenas e tão-só em torno de um cimento que é a própria autoridade do Presidente da República e transformar-se-á, necessariamente, numa expressão autoritária. Em qualquer dos casos, nada distinguirá estes dois resultados, no quadro concreto da sociedade portuguesa, da política concretizada pela AD.
Em todas as circunstâncias, e se porventura nenhuma nova entidade política vier a surgir, ficarão as suas repetidas afirmações a constituir um fermento de destruição