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366 I SÉRIE - NÚMERO 12

Na alínea a) do seu artigo 1.º prevê-se o caso em que a gravidez tenha resultado de crime de violação ou de outro acto susceptível de ser considerado gravemente atentatório da liberdade da mulher.
E nem custa reconhecer que, em geral, casos destes não devem efectivamente conduzir à aplicação concreta de uma pena ao seu agente.
Mas adianto desde já que é muito diferente, sem considerar a sensibilidade de cada pessoa, dizer desde logo que neste caso o aborto é lícito ou então manter em princípio e de qualquer maneira o princípio da ilicitude do aborto e depois, num caso concreto, se uma circunstância destas - como se pode demonstrar através do processo-crime - veio a determinar que a pessoa em causa agiu dominada por circunstâncias e factores que não foi capaz de controlar, concluir que existe uma causa de exclusão da responsabilidade ou uma causa de não exigibilidade de outro comportamento. Isto é, as tais cláusulas gerais que o nosso sistema penal prevê, associadas às circunstâncias atenuantes gerais ou especiais, podem conduzir num determinado caso concreto à isenção de qualquer pena.
Não é indiferente que a lei diga logo que não põe quaisquer entraves ou dificuldades ou que, pelo contrário, mantenha esse alerta, essa ideia de que é qualquer coisa que não deve ser feita mesmo nestas circunstâncias. Creio que não há ninguém que não aceite que é moralmente válida a atitude de uma mulher que, mesmo nessas circunstâncias, resolve não sacrificar o ser em formação.
Se é respeitável um ser humano que, dominado por circunstâncias excepcionais, não é capaz de resistir à tentação de resolver o problema através da eliminação do ser que tem no seu seio, penso que também não só não é criticável como, pelo contrário, é louvável a pessoa que mesmo nessas circunstâncias é capaz de dar prevalência ao ser que tem dentro de si para que possa evoluir normalmente e possa ter, como todos os seres humanos, direito à existência.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Isso é o cúmulo da hipocrisia!

O Orador: - Nas alíneas b) e c) prevêem-se mais 2 casos.
Na alínea b) o de a interrupção da gravidez constituir meio adequado para remover sério perigo de lesão da saúde física ou psíquica da mulher e na alínea c), o de haver sério risco de que o nascituro venha a sofrer de grave doença ou mal formação.
À primeira vista trata-se de casos que, também sem grande dificuldade, somos capazes de aceitar que possam vir a constituir causas de exclusão de culpa e de responsabilidade. E digo à primeira vista, porque aqueles que criticam - e a meu ver com bastante razão - o primitivo artigo 10.º do projecto de lei apresentado pelo Partido Social Democrata, relativo à educação sexual e ao planeamento familiar, por se prever a possibilidade da esterilização voluntária da mulher e a possibilidade da esterilização mesmo não voluntária da mulher, se se tratar de uma pessoa que sofre de anomalia mental, ainda que com o controle de um órgão judicial, se usarem de um mínimo de lógica, têm que reconhecer que os perigos que existem nessa norma e que pessoalmente me levaram, assim como a muitos deputados do PSD. a propor a substituição desse preceito se verificam igualmente aqui e levam a considerar que estas normas, que à primeira vista parecem defensáveis, em última análise é preferível que não sejam aprovadas por esta Assembleia.

O Sr. Silva Muques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Uma vez mais, trata-se de casos que naquilo que eles têm de dramático e de valor humano podem ser resolvidos através das circunstâncias atenuantes, gerais ou especiais e das cláusulas gerais que figuram em qualquer Código Penal. E uma vez mais chamo a atenção para o facto de em Portugal - e com o meu total apoio, apesar dos receios que por muita parte são avançados - termos um Código Penal extremamente avançado, nomeadamente na sua parte geral, e que permite tomar em consideração, em medida muito importante, esses problemas humanos que se colocam no crime do aborto ou em qualquer crime, seja ele de que natureza for.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Portanto, aquilo que se me afigura mais correcto é dar razão àqueles que invocam certos fundamentos para atingirem um resultado que pretendem alcançar através das alíneas b) e c), mas dizer-lhes que essa solução é perigosa, que há possibilidade de atingir os mesmos resultados por outra via que é muito mais conforme com os interesses e com os valores que a nós nos compete defender como representantes do povo português.
Finalmente, quanto à alínea d), onde se permite a interrupção da gravidez à mulher que, em razão da sua situação familiar ou de grave carência económica, esteja impossibilitada de assegurar ao nascituro condições razoáveis de subsistência e educação ou a gravidez seja susceptível de lhe criar uma situação social ou economicamente incomportável, devo dizer que vejo aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a porta aberta, escancarada, para a consagração do princípio real efectivo da autêntica licitude do aborto.
Quem é que pode controlar, mesmo o tribunal, se uma determinada família tem ou não problemas familiares pelo facto de ir avante uma criança que já se encontra gerada e que está em fase de formação? Alguém é capaz de me dizer que este problema familiar é controlável? Ora, se ele não é controlável fica inteiramente entregue à vontade de cada um. É como os divórcios em Hollywood; basta dizer: «o nascimento deste filho provocava-me problemas familiares». Porque não há nenhum juiz. nenhum ser humano que seja capaz de dizer a outro: «este nascimento não te provoca com certeza problemas familiares». Isso é qualquer coisa demasiado íntima e pessoal para poder ser controlada por alguém.
Em relação aos problemas de grave carência económica devo dizer que, neste projecto, é das coisas que me causam maior repulsa, porque na base desta norma está porventura a concepção de que é no seio das famílias ricas e que não têm problemas económicos que se podem criar e desenvolver os portugueses com maiores possibilidades de êxito e de contribuírem para o progresso da nossa sociedade.
Atrevo-me a pensar que a realidade é exactamente a inversa: há muitas pessoas criadas no seio de famílias que suportam condições de vida terríveis - direi mesmo dramáticas - e que saem devidamente preparadas para a vida, porque os filhos são muito mais tocados pelos sacrifícios que vêem que os seus pais fazem por eles. Nesta linha, animam-se a ser, também eles, fiéis a deter-