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12 DE NOVEMBRO DE 1982 367

minados valores, mais do que os filhos de famílias ricas que nascem em berço de ouro e que muitas vezes são os agentes dos crimes que mais põem em causa a sociedade.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM. Protestos do PCP, do MDP/CDE e da U DP.

De qualquer maneira, creio que não há aqui ninguém que seja capaz de me fornecer uma bitola para se averiguar se efectivamente é o rendimento de 50001, de 10000$. ou de 20000$ ou de 30000$ mensais, aquilo que constitui o nível necessário para se poder dizer que uma família não sofre de graves carências económicas.
E depois. Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta norma é estática, fatalista e determinista. Será que todos nós nascemos, vimos a este mundo e cá andamos completamente condicionados pelas nossas condições económicas? Será que não está ao alcance de cada um lutar contra a adversidade e. partindo de condições difíceis, subir a níveis superiores àqueles a que tiveram acesso outras pessoas bafejadas pela sorte e que nasceram em condições de privilégio?

Protestos do PS, do PCP, do MDP/CDE e da UDP.

Por muito que vos custe, se não for suficiente o respeito que é devido à emissão de uma opinião de qualquer deputado, devo dizer-vos que tenho muita honra em ter nascido numa família com dificuldades económicas. E ajudou-me muito o facto de os meus pais terem feito grandes sacrifícios para que eu pudesse prosseguir os meus estudos e obter uma formação escolar.

Aplauso* do PSD. do CDS e do PPM.

E não creio que se possa considerar em abstracto que as condições difíceis de uma família justifiquem automaticamente a possibilidade de recorrer a um acto tão grave como é o da interrupção da gravidez.
A conclusão que tiro das considerações que acabo de formular é a de que no projecto de lei do PCP existe a consagração prática da total liberdade e até da licitude do aborto até à décima segunda semana. Deste modo, no caso de um diploma desta natureza ser aprovado, agir-se-ía contra o que alguns Srs. Deputados que o defenderam, aqui disseram porque fizeram a afirmação expressa de que o aborto ë qualquer coisa de mau que deve ser evitado e condenado, embora tenham uma atitude de complacência e de compreensão para com as pessoas que a ele recorram. Penso que deve existir essa atitude de compreensão, mas não estou de acordo com os caminhos propostos pelo PCP para resolver os problemas em causa.
Mas a minha previsão -aliás fundada numa experiência alheia que também me permito invocar- é a de que a aprovação do projecto de lei do PCP não resolvia ainda o problema do aborto, porque não tardaria muito tempo que, em Portugal, tal como em França neste momento, se estivesse a discutir se a segurança social devia ou não pagar o aborto como paga as despesas em qualquer outra doença,...

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Ah, é isso?!...

O Orador: - ... e se era ou não lícito à própria segurança social, mesmo em termos restritivos, estabelecer qualquer período de reflexão e de ponderação à mulher que se dirige aos serviços competentes para proceder à interrupção voluntária da gravidez.
A meu ver. a conclusão é a de que efectivamente não há uma linha lógica entre a parte da fundamentação do projecto de lei do PCP. que não pode deixar de ser tomado em consideração e de ser ponderado por quem tem a responsabilidade política de votar esta lei. E quero aqui dizer, com toda a clareza, que reconheço a existência de dramas e de problemas ligados a esta chaga do aborto, que é uma chaga social -e creio que todos estaremos de acordo com isso -, como a prostituição e outros crimes, que muitas vezes são difíceis de debelar.
No entanto, não me parece que haja uma linha lógica entre a despistagem dos problemas sociais e humanos que existem no caso do aborto e a solução que é apresentada neste projecto de lei. Penso que, de acordo com os bons princípios de Direito Criminal, há outros caminhos e outras formas de ter em conta os problemas humanos e sociais e há outras formas de combater o aborto.
Para combater o aborto e para caminhar no sentido de uma maternidade e paternidade plenamente responsáveis, para que os casais e as mulheres tenham apenas os filhos que desejam e estejam dispostos, em boas ou más circunstâncias, a criar e a educar, penso que devemos privilegiar claramente o caminho da prevenção.
Isto é, desencadear todo um conjunto de meios e de acções tendentes a esclarecer completamente as mulheres e os homens portugueses sobre este problema através de consultas de planeamento familiar, de educação sexual e da protecção à maternidade. E isto porque mesmo depois de surgir um filho não desejado, se o problema for por carências económicas, o Estado pode e deve apoiar essa futura mãe no sentido de lhe tornar possível a criação do seu filho e não a deve forçar a sacrificar a vida de quem ela gerou.
À partida, não é possível dizer-se que na nossa sociedade - e em Portugal ainda muito pouco foi feito neste sentido -, através deste processo, não venha a resolver-se ou a atenuar-se em grande parte o problema de que aqui nos estamos a ocupar.
E repito uma vez mais que os dramas e os problemas pessoais que surgem no quadro do crime do aborto surgem também geralmente no quadro de todos os crimes. Ora, a forma de resolver estes problemas não é com certeza, a de acabar com a penalização de certos factos, ofensas corporais, furtos, burlas, etc., porque não é esse o caminho que seguiu nenhuma sociedade civilizada; mas será antes o caminho de procurar aproximar muito mais o Direito Penal da personalidade do agente, de caminhar - como disse há pouco - no sentido de as circunstâncias concretas e a própria personalidade do agente terem uma influência mais decisiva na aplicação da pena do que o simples facto criminoso.
De resto, é perfeitamente sabido que em relação aos crimes mais graves -que, com certeza, ninguém consegue dizer que devem ser despenalizados como, por exemplo, o crime de homicídio -, pode perfeitamente chegar-se à conclusão, em determinados casos concretos, de que não deve haver a aplicação de qualquer pena. É o caso da legítima defesa, é o caso da cláusula geral da não exigibilidade, é o caso da provocação não susceptível de ser controlada, são outras formas que existem no Direito Penal de aproximar o facto, que em si mesmo não pode deixar de ser condenado e punido penalmente, do agente