24 DE NOVEMBRO DE 1982 547
desenvolver, mas simplesmente das propostas de acção relativas aos seus próprios problemas. De facto, que noção nos mostra o Governo ter sobre a forma como os deficientes devem ser encarados ao nível do cidadão comum?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi preciso fazer-se o 25 de Abril para que o nosso país soubesse que havia deficientes. Foram precisas as duras lutas de 1974-1975 para que o poder reconhecesse o direito à reabilitação dos deficientes, para que as associações de deficientes se impusessem e se libertassem, nomeadamente, de peias internas com uma visão paternalista e, muitas vezes caritativa, e das sequelas do tempo do fascismo.
No seguimento dessas lutas, os deficientes impuseram a constituição, com a sua participação, da Comissão Permanente de Reabilitação; mais tarde o Decreto-Lei n.º 425/76 respondeu minimamente às exigências das associações de deficientes, quanto à criação de uma estrutura mais avançada e capaz de lançar medidas adequadas à realidade dos deficientes.
Não se dando por satisfeitas, as associações de deficientes impuseram ao poder o reconhecimento da importância e da necessidade de participação dos deficientes, através das suas estruturas representativas, no estudo e definição das medidas a adoptar para a sua integração social.
Assim, em fins de 1976 um grupo de trabalho é encarregado de proceder à revisão do Decreto-Lei n.º 421/76. Nesse grupo de trabalho desempenham papel activo e determinante a APD e a ADFA, na criação do Secretário Nacional de Reabilitação, institucionalizado a partir do Decreto-Lei n.º 346/77.
Se a institucionalização do Secretariado Nacional de Reabilitação representa o resultado da luta e do esforço dos deficientes para dotar a Administração Central de uma estrutura integrada e bem definida que a comprometesse sem equívocos no equacionamento e resolução dos imensos problemas que hoje se põem à integração social e reabilitação dos deficientes, o factor de maior importância reside - residia -, no entanto, na existência do seu Conselho Nacional composto por representantes dos ministérios e das associações de deficientes e dotado de poderes deliberativos, ou seja, vinculando o Secretariado às suas decisões, o que significava que todas as propostas de medidas legislativas sobre deficientes tinham que ter a aprovação desse Conselho Nacional.
Aqui residia o carácter deliberativo. Não era o Secretariado que deliberava e que fazia executar legislação; o Secretariado propunha essa legislação, sendo o carácter deliberativo ao nível do Conselho - para informar, digamos assim, do papel que devia ser desempenhado pelo Secretariado de propor ao Executivo as medidas a ter em consideração.
No entanto, e como sempre acontece nestes casos e enquanto o poder pertencer a forças políticas estranhas aos trabalhadores, o Secretariado Nacional de Reabilitação foi inquinado pela atitude dominante nos diversos governos, que se traduziu em encarar o problema dos deficientes e da sua integração social, de forma a ficar subordinado a uma imensidão de interesses postos em jogo: desde os interesses do próprio OGE, elaborado para favorecer os ricos, os interesses dos grandes e dos poderosos, passando pelos dos construtores civis e pelos interesses do próprio patronato.
E quando tem que se fazer uma política marcadamente a favor dos «empreendedores», ou seja, dos ricos e dos privilegiados, uma política de defesa da chamada «economia nacional», naturalmente que os interesses dos cidadãos mais desprotegidos, assim como os interesses gerais dos trabalhadores e do povo português, são desprezados ou, em linguagem burocrática e do Governo, ficam aguardando melhor oportunidade.
Só que de facto surge a oportunidade para o governo AD se livrar de uma situação incómoda, apesar de tudo, que era a de o Conselho Nacional de Reabilitação ter o poder deliberativo dentro do Secretariado, em que os elementos das associações de deficientes, tinham o poder de fiscalização, nomeadamente, sobre as contas, os dinheiros, etc.
Agarrando na reivindicação, justa, das associações de deficientes de alargar o âmbito de acções do Secretariado, de alargar a composição do Conselho Nacional e de garantir a sua operacionalidade - o que não se tem verificado até agora -, o governo AD com a demagogia que o caracteriza, proclamando que a partir de agora os deficientes passariam a dispor de meios necessários e adequados, com uma maior audição e participação, liquida de uma assentada o resultado de anos e anos de empenhamento e de luta dos deficientes.
Com o Decreto-Lei n.º 355/82 garante-se a inoperância total do Secretariado Nacional de Reabilitação, preenche-se o Conselho Nacional com organizações de carácter privado, confessional e mesmo partidarizado, como é o caso concreto da Confederação Nacional das Associações de Famílias, e impede-se a participação activa das associações de deficientes. A fechar com chave de ouro, decreta-se que o Secretariado Nacional é nomeado livremente pelo Governo sem a audição prévia das associações de deficientes.
A nula importância que a AD atribuiu ao Ano Internacional do Deficiente, a situação em que se encontra hoje a legislação sobre o ensino especial, o Decreto-Lei n.º 43/82, que visava a eliminação das barreiras arquitectónicas, o diploma sobre trabalho protegido, etc., são reveladores do total desprezo pela situação dos deficientes, pela sua inserção social e laborai, que é exemplarmente assinalado pelo decreto chamado a ratificação e que se traduz mesmo no desprezo pela opinião e participação dos deficientes.
E tudo isto exactamente ao contrário do que se apontou no desprezado pela AD Ano Internacional do Deficiente, exactamente ao contrário do que apontam não só as opiniões democráticas e progressistas, mas as próprias opiniões técnicas, digamos assim, e o próprio bom senso. As perspectivas do Governo nesta questão ficam clarificadas com o facto de ele não alargar, com este decreto-lei, a composição do Conselho Nacional de Reabilitação à CGTP, que devia ser encarada como entidade fundamental a ser ouvida e a ter em conta na problemática da inserção de deficientes e da sua reabilitação.
A luta travada pela AD contra a implementação do Serviço Nacional de Saúde, estrutura fundamental para a garantia dos cuidados primários de saúde - que, como sabemos, são factores fundamentais para prevenir a deficiência -, a luta travada pela AD contra a legalização do aborto, obrigando à continuação do aborto clandestino e ao nascimento de seres humanos em precárias condições de gestação, de parto e de vida pós-natal, mostram que este é um Governo insano, um Governo que está disposto a garantir não só as condições que impeçam e dificultem os factores de deficiência, como não está disposto a levar por diante uma política de acordo com os interesses dos deficientes e da sua reabilitação, ou seja, uma política de