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19 DE DEZEMBRO DE 1994

A circulação de cheques sem cobertura, o mercado negro e a economia paralela não foram inventados por este Governo mas continuam em crescendo. Por outro lado, o Estado e o sector público que tinha tido a tarefa de substituir os grupos económicos privados de antes do 25 de Abril, excedem-nos hoje largamente em abusos, em desperdícios e em privilégios de toda a espécie, alguns dos quais se traduzem em ostentativos edifícios, como o da nova sede da Caixa Geral de Depósitos, que se diz virá a custar cerca de 50 milhões de contos. Continua afinal a não se compreender que não se conheçam a tempo e horas as contas de todas as empresas públicas e se passem as mesmas pelo filtro da Assembleia da República.
De um lado, verifica-se este tipo de desordem. Mas é ainda mais elucidativo e mais preocupante o facto de, em Novembro, as chefias do Exército português se terem queixado a um grupo de deputados desta Assembleia de que o Exército teria ameaçadas as suas verbas de salários no corrente mês de Dezembro. A vulnerabilidade total do País, gerado por este tipo de situação, fica, pois, descoberto.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Se a tropa não recebe...

O Orador: - Tudo isto decorre num quadro em que a ordem e a autoridade financeira se debilitam constantemente. Já se sabia que o pagamento do défice, se serve de um abuso permanente sobre o Banco de Portugal em termos de emissão de moeda. Mas para agravar a situação, abriu-se recentemente um conflito público entre o Ministério das Finanças e o Banco de Portugal, a propósito da alegação governamental, infantil, mas perigosa, de que se teria encarado a utilização das reservas de ouro para pagar os défices orçamentais. Já antes disso, também o Governo autorizara uma margem de liberdade na remuneração dos depósitos a prazo, mas devido a uma intervenção do Banco de Portugal, esta duraria apenas um dia. E, ao mesmo tempo, é pública a intenção, não desmentida, de passar a designação dos gestores bancários da alçada do Ministério das Finanças para o Ministro de Estado para os Assuntos Parlamentares, o que revela, pelo menos, o estado de espírito do Governo sobre as intenções de politizar o crédito. A intervenção referida pode, aliás, adquirir verosimilhança quando lida em conjunto com uma das orientações do Plano de Recuperação Económico e Financeira, a orientação segundo a qual seria criado um secretariado permanente para o crédito, um modo de sonegar tal responsabilidade ao Banco de Portugal e de a colocar na directa responsabilidade de algum gestor de dependências político-económicas.
Entretanto, o Orçamento para 1985 não foi apresentado dentro do prazo legal nesta Assembleia e sabe-se que há ministros dispostos a provocar novos buracos orçamentais se as suas exigências não forem satisfeitas. Mesmo sem Orçamento, saca-se já 1 milhão de contos para o Governo da Madeira, por conta das receitas de 1985, o que vem acrescentar à patologia financeira nacional a curiosa figura do orçamento suplementar antecipado. Também a renegociação do acordo com o Fundo Monetário Internacional patina perante a falta de cumprimento do acordo anterior a grave deterioração das condições de comando e funcionamento da nossa economia. E onde está, Sr. Primeiro-Ministro, o Programa de Modernização da Economia

Portuguesa que, durante a moção de confiança, nos prometera até ao fim do ano, pelo menos como mais uma prenda de Natal?
É assim que uma zona de decisão grave, que deveria ser afirmativa e preservada, se torna uma zona de vazio, de incerteza e de interesses político-partidários, num ambiente político-económico crescentemente sul-americanizado. Em suma: o Governo herdou uma crise e deixou que ela se transformasse numa desordem, a mais grave desordem da economia e das finanças portuguesas.

Aplausos do CDS.

Faltaram quer o espírito quer a regra, quer a ideia geral para uma séria reconstrução económica do País.
E pergunta-se mesmo com total legitimidade: afinal, para que foi a austeridade? Porquê a austeridade exigida aos cidadãos e às empresas, se o Governo não é capaz de impor essa austeridade a si próprio e ao Estado? Para que serviu toda a dureza brutal do célebre pacote fiscal de Setembro de 1983, da acentuada desvalorização da moeda e dos brutais aumentos de preços, se não houve nenhuma compensação, nenhuma finalidade, nenhum aproveitamento reformador, nenhuma justificação estratégica? Porque é que, além de inútil, a austeridade ainda teve tantos custos suplementares de recessão, de inflação e de crise generalizada? Quem perdoará um sacrifício tão brutal e tão inútil? Como é que é admissível que, ao fim de mais de ano e meio caracterizado pela violenta dramatização da questão político-económica, estejamos ainda em Portugal com a mesma economia, com o mesmo problema, com a mesma falta de perspectiva e, ainda por cima, agora atirados para um patamar mais baixo e mais subdesenvolvido da capacidade e ânimo colectivo?

Aplausos do CDS.

Como ultrapassar, Sr. Primeiro-Ministro, a atmosfera de funeral da economia portuguesa se, por este andar, em vez de um plano de emergência serão necessários dois e quando a austeridade regressar poderá já não ser em democracia?
O governo PS/PSD não compreendeu e continua a não compreender que a austeridade sem novo desenvolvimento é um suicídio - sobretudo num País pobre. Recordo-me de um economista sul-americano que contava esta história de uma senhora que dizia do seu gato: «que estúpido, levei tanto tempo a ensiná-lo a deixar de comer e ele morreu». Agravar, por exemplo, o nível da tributação sem fazer, ao mesmo tempo, qualquer esforço de redução de despesa pública, tornou-se inaceitável pela comunidade. Exigir sacrifícios deixando intacto o sistema que os provoca é o mesmo que sacrificar os recursos do povo a um bezerro de ouro. O nosso aparelho produtivo, não se reformou, e, pelo contrário, envelheceu. É por isso aliás que qualquer relançamento nestas condições será apenas um novo fogo de artifício que será pago ainda mais caro no futuro.
É verdade que o Governo falou muito de liberalização e que falou muito de reformas estruturais, mas o certo é que não foi sequer capaz de proceder àquelas a que se obrigara pelo acordo com o Fundo Monetário Internacional, como, por exemplo, a reforma do sector agrícola ou a da tributação directa. A Comissão de Reforma Fiscal, por exemplo, tomou posse no primeiro dia de férias de Agosto, o que é sintomático,