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3540 I SÉRIE - NÚMERO 96

ao torno, investe com ele de lima em punho, enriquece--o por diversas formas numa intensa obra de refusão, anotando que a sua obra de romancista tem como marco milionário A Via Sinuosa onde - aí sim - surgem «a olho nu» as suas grandes possibilidades de romancista.
«Na acção e seus processos, escreve Aquilino, é que as pessoas se definem. Ora os meus figurantes podem calçar um coturno cambado, mas não o bifaram no guarda-roupa de nenhum metteur en scène, por mais pintado que seja».
Quando Aquilino expõe no «telhado» as suas «abóboras» deixa preciosos elementos sobre a sua compleição de escritor considerando, por exemplo, a Via Sinuosa como «uma pedra no charco das rãs galicistas» e negando-se a «salpicar a prosa com cachuchos de esplendoroso vidro de garrafa».
Nado e criado na Beira adusta; a aspirar os eflúvios do mato e o suor dos rústicos; a mergulhar a pupila penetrante na natureza virgem; a ouvir o chilreio da passarada nas copas e o entender-lhes o canto; a presentir os láparos nas luras quando empreendia as suas aventuras cinegéticas entre pedregais a que as perdizes traçavam tangentes, Aquilino fica, pela vida fora, fiel à sua paisagem nativa e à gente da sua criação. E nem os dois dedos de Sorbonne que lhe temperaram o gosto e onde ouviu a prédica de Durkeim, de Dumas, de Levy Brühl, de Brunswick, etc., lhe perverteram a seiva do enraizamento ao chão nativo, reagindo, sempre, contra os «literatos que padecem de dispneia mental e retratam alpista importada no comedor», para nos servirmos das suas próprias palavras.
Regressa a Portugal sem capelos de doutor nem garnachas professorais mas não sem trazer na bagagem, para além de uma cultura universal, matéria que bastou para traduzir do latim o Responsio com que o nosso António de Gouveia veio, aguerridamente, defender o aristotelismo contra a sanha irada com que o Petrus Ramus investiu contra a Escolástica.
Nostálgico do chão da Pátria, é dele que tira a seiva resinosa que lhe irriga a obra profusa que nos deixou e onde, recolhendo o linguajar do labrego da sua terra, o transfigura na criação de um estilo pessoalíssimo e rico de gradações, enriquecendo a língua com uma prosa aberta à goiva no melhor cerne de castanho que encontrou na terra portuguesa. Milionário da língua como Camilo, não o confinemos aí sem fazer ressaltar a expressividade e o bom gosto com que sabia contar uma história e recortar personagens animadas de um sangue quente e rutilante.
Homem da Meseta, sente-se nele a progénie de Quevedo; português de lei, pressente-se na sua obra o fôlego de Camilo. E quem quiser topar com o português nuclear e inteiro, sem grandes despesas de escavação, basta ler o filão de um portuguesismo que rescende, mesmo quando a pena, resvalando-lhe das veredas da ficção, investe com temas eruditos e culturais.
Leiam-se os Avós de Nossos Avós e lá se encontrarão prospecções na antropologia e na etnologia do homem português; abordem-se Os Portugueses das Sete Partidas e ali se encontrarão «aventureiros, viajantes e troca-tintas»; mergulhem-se os olhos no seu Camões, verdadeiro e fabuloso e nas opiniões polémicas que expende se vislumbrarão ideias e motivos do mais vivo interesse; leia-se o seu D. Frei Bartolomeu dos Mártires e surgirão aos olhos do leitor admiráveis e penetrantes páginas da maior beleza.
E se, por hipótese, o leitor quiser enxugar o suor do percurso de páginas e páginas de um léxico que poderá obrigá-lo, bastas vezes, a perguntas ao dicionário, debruce-se, ainda, sobre o seu S. Banaboião, Anacoreta e Mártir que não deixará de ficar guloso de ver a história vertida para uma sequência de vitrais como aqueles de onde o Flaubert arrancou o seu S. Julião Hospitaleiro.
Se em Portugal houve quem escrevesse prosa musculada e vertebrasse toda uma obra de uma direitura que nunca cedeu a cifoses; se alguém botou mão de um léxico viril e escorreito que nunca se deixou adocicar por ingredientes importados; se alguém foi capaz de arrancar o homem português da rábica do arado para o trazer às páginas de uma história, esse homem, foi, no nosso tempo, sem dúvida, Aquilino Ribeiro.
E quem quiser ter a prova provada dessa firmeza e dessa direitura repare no pulso forte com que, quando foi preciso, em certas intercorrências polemizantes, o escritor empunha a pena. Não será, então, difícil ao leitor atento verificar que, em vez do florete ponteagudo da ironia, a pena de Aquilino se transmuta no lodão de Barreias que, das mãos do Malhadinhas, resvala para as suas que o manuseiam, riscando no Terreiro o sulco fundo do sarcasmo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com esta intervenção, descolorida e disártrica, visei dar um contributo para que a crosta de silêncio que envolve esta efeméride, tão significativa culturalmente, fosse removida.
Sem grandes esperanças de o ter conseguido, aliviei a consciência roubando a VV. Ex.ªs uns momentos que poderiam ter sido ocupados por motivo mais pragmático, E não me custa a admitir que, nesta hora em que os nossos ouvidos e os nossos olhos são raspados pela emissão de um português mascavado que infesta a língua - que «é Pátria» -, do escalracho que polui a sintaxe e prostitue a semântica, que a minha prédica caia no vazio.
De qualquer modo, trouxe aqui este estímulo à retentiva da Câmara, confiado em que há milagres e que pode ser que da anemia da dialética de que me servi, apesar de tudo, o milagre possa surgir.

Aplausos do PS, da UEDS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Vieira de Moura, inscreveram-se os Srs. Deputados José Manuel Mendes e Rocha de Almeida.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Vieira de Moura, também eu, há alguns meses, tive oportunidade de evocar nesta Câmara a figura, a vários títulos invulgar, de Aquilino Ribeiro. Por isso mesmo me congratulo com a intervenção que acaba de fazer, recordando ao País o perfil de um combatente pela democracia, em todos os instantes da sua vida, e de um escritor que deixou marcas indeléveis na história da literatura portuguesa e da nossa cultura, entendida no seu sentido mais amplo.
Com efeito, renovador do discurso realista, que fez impregnar de dados sociais que até então andavam arredados da prosa ficcional, espalhando o seu talento por trabalhos no domínio do ensaio histórico, da tradução, da crónica, da polémica, do teatro, da poesia, em jeito de lenga-lenga e de toada, por vários outros