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1 SÉRIE - NÚMERO 49

tinue a argumentar como se não fosse assim e como
se o que estivesse em causa não fosse o exercício de
uma constitucionalíssima competência em matéria fis-
cal, mas a invenção da esfera administrativa do
Governo.
Por outro lado, lembro ao Sr. Ministro das Finanças que esta Assembleia exprime a sua vontade através de leis, as quais ou são constitucionais ou não são. Se são inconstitucionais, o Governo pode promover a declaração da sua inconstitucionalidade. Se são constitucionais, o Governo só pode fazer uma de duas coisas: respeitá-las enquanto não se demitir ou demitir-se por sentir que não é capaz de as respeitar.
Disse ainda que se tratou apenas de uma quebra de protocolo. Não se tratou, pois, só de uma quebra de protocolo, mas, no fundo -- e isso é que é grave --, de uma quebra de respeito pelas competências desta Assembleia, que ao que parece faz confusão ao Governo que sejam exercidas em liberdade e em plena independência daquilo que pensa o Governo.
Afirmou também, uma vez mais, que não consentiria nem aceitaria que destruíssemos as traves-mestras da política económica do Governo. O que é isso de destruirmos as traves-mestras da política económica do Governo? É de, em matéria fiscal, exercermos uma vez mais as nossas competências? É de fazermos aquilo que já foi feito pela generalidade dos governos da Europa, que porventura estarão a esta hora «destravejados» e com o tecto prestes a cair-lhes em cima?
Continuando o meu discurso, diria que, por outras palavras, o que o Governo nos diz é o seguinte: não propus a redução, mas, se vocês, deputados, se portarem bem e abdicarem de reduzir, eu próprio reduzirei.
Resposta natural dos partidos da oposição parlamentar:

Não abdicamos: demonstrado que existe a possibilidade financeira e fiscal de reduzir, demostrado fica o dever político de efectuar a redução e, já que o Governo a não propõe, exerceremos a nossa competência para nesse sentido alterar a sua proposta.

Que há de mais adequado, de mais legal e de mais lógico? Porventura nem o discurso do método!
A ameaça corre, aliás, o risco de se converter no expediente político predilecto do Sr. Primeiro-Ministro. Não acabámos de vê-lo,com efeito, a adejar com o papão das restrições de crédito e outras inclemências inominadas às empresas, sem excepção das privadas, que negociarem acordos colectivos acima de um dado tecto, assim limitando a sua liberdade contratual e assim espartilhando os seus critérios de justiça social?
Mas retomemos o fio da meada: ao sinal de que a maioria dos deputados não estava disposta a ceder a pressões e intimidações, o Sr. Primeiro-Ministro, imune à trégua pascal, convoca de emergência o seu governo e faz saber que está instalado na Páscoa de cada um o mafarrico de uma nova crise.
A palavra crise caiu de súbito no arroz-doce e tornou mais amargas as amêndoas. Pois como? Nem na Páscoa?!
Subitamente, o Primeiro-Ministro suspendeu a pena. Sempre na versão do Governo, o susto teria produzido nos deputados - ao menos em confortável número deles - a reacção de algum comedimento. Chegou mesmo a afirmar-se que a montanha parira um rato. Mas, como a montanha continua em trabalho de parto
e pode, de repente, parir um elefante - daí o discurso do Sr. Ministro das Finanças -, a pena foi a pena suspensa. Não houve amnistia! Se, após as aleluias da ressurreição, deputados em número que baste voltarem à teimosia de baixar o preço dos combustíveis, ainda que só na sua dimensão fiscal, sobretudo incorrendo na «demagogia» incompreensível de incluir na baixa o preço da burguesíssima gasolina, a cominação volta a ser reposta, o fantasma da crise volta a ter lençol.
O Orçamento oferece margem fiscal sobeja para que sejam mais baratos os combustíveis e o leite? Ficou demonstrado que sim. Deviam, nesse caso, os deputados tentar embaratecer esses bens? É óbvio que sim. O que se diz do leite e dos combustíveis devia dizer-se do pão, que também encareceu sempre que encareceu o petróleo, e de outros bens essenciais? Devia.
Se os deputados exercerem o direito de cumprir esse poder-dever, o Governo vai demitir-se? A minha resposta é a de que, em nome da estabilidade institucional, não desejo que o faça, como não acredito que venha a fazê-lo. Mas, se o fizer, exerce um direito tão digno de respeito como o de os deputados fazerem como melhor entendam o Orçamento que lhes cumpre fazer - a eles, não ao Executivo.
ma coisa não consegue o Governo, no que me diz respeito: tirar-me o sono. Se por absurdo se demitir, pois bem, não ficará órfã a democracia: Ficará mesmo aliviada de um governo que ou bem que a não compreende ou bem que a não respeita.
a verdade, uma de duas: ou o Governo sabe e aceita que é ao Parlamento que compete fazer o Orçamento do Estado ou não sabe.
e não sabe ou não aceita, não há nada a fazer: não podendo revogar-se a Constituição, resta o expediente de «revogar» o Governo.
e sabe e aceita, deve então bater com a mão no peito e pedir desculpa ao Parlamento e ao País: ao Parlamento, por ter tentado condicioná-lo no livre exercício das suas competências; ao País, por ter feito demagogia ao afirmar que existia o risco de o Parlamento desvirtuar o que lhe compete fazer ou se imiscuir na esfera de acção do Governo, quando do que se trata é precisamente de o Governo tentar imiscuir-se na esfera de acção do Parlamento. O risco não é, assim, o da governamentalização da Assembleia, mas o da parlamentarização do Governo!
ito isto, cumpre realçar a extrema prudência dos partidos da oposição parlamentar: primeiro, não se declarando ofendidos na sua honra por o Primeiro-Ministro ter tentado pressioná-los a deixarem passar sem retoque uma proposta de Orçamento com a qual não estão de acordo, ficando-se por uma mal contida gargalhada de surpresa; segundo, não se deixando susceptibilizar nem arrastar para atitudes de retaliação, como seria a de acentuarem a sua margem de discordância, sobretudo se traduzida em propostas realmente deformantes do necessário equilíbrio, ainda que relativo, entre as receitas e as despesas; terceiro, mostrando um tão alto sentido de responsabilidade e do primado do interesse nacional, traduzido no comedimento com que, após terem demonstrado a excepcional margem de manobra financeira de que goza este governo, alguma dela intencionalmente oculta, passaram a propor tão pouco significativas correcções nas despesas, de antemão compensadas pela expectativa segura de correcções
nas receitas.

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