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10 DE DEZEMBRO DE 1986 855

a pluralidade de meios do que a insustentável tutela político-administrativa sobre as empresas públicas monopolísticas audiovisuais.
É esta nova situação que tem vindo a constituir em todos os países democráticos, nomeadamente nos europeus, um verdadeiro desafio ao poder político.
As premissas são bem diferentes de há uma década atrás e por isso mesmo alguns dos mais bem defendidos e guardados «tabus ideológicos» são postos agora em causa.
O que se tem passado e vai passar em Portugal não é substancialmente diferente do que se passa e vai passar nos restantes países da Europa.
O poder político não pode atrasar por muito mais tempo a definição de uma resposta clara e coerente às novas realidades do mundo audiovisual.
Atentemos, por exemplo, no que se passa hoje em Portugal.
A nível da rádio e perante a inexistência de legislação adequada, cerca de seis centenas de iniciativas particulares e cooperativas estão concretizadas do Norte ao Sul do País.
As duas estações oficiosas começam a ceder terreno perante as chamadas «rádios piratas» ou «rádios livres». Ainda há poucos dias foi divulgada uma sondagem demonstrando que, em Lisboa, no estrato etário até ao 24 anos, uma rádio pirata batia pela primeira vez e largamente a audiência das estações oficiais.
O mesmo se passa noutros locais, do Algarve a Trás-os-Montes, onde algumas rádios, nascidas de iniciativas locais, ganham e consolidam posições de dia para dia.
A nível da televisão surgiram igualmente as primeiras TVs piratas, as quais já ascendem a mais de duas dezenas, sobretudo nos grandes centros urbanos.
Entretanto, a televisão oficial espanhola e a televisão regional da Galiza cobrem em número cada vez mais significativo a população portuguesa, ao mesmo tempo que aumenta a instalação de antenas parabólicas capazes de receber dezenas de programas de televisão oriundos dos diferentes satélites que cobrem Portugal.
Isto sem esquecer a crescente popularidade da indústria de videogramas, como o provam os cerca de 400 clubes de vídeo e o parque de mais de 200 000 video-gravadores existentes no nosso país.
Perante esta situação, importa reagir com urgência mas também com coerência.
A obrigação do poder político é actuar, mas não de qualquer modo ou a qualquer preço.
Não podemos mais agir para resolver casos meramente pontuais, preencher vazios momentâneos, encontrar soluções de ocasião.
O poder político não se pode colocar na posição do bombeiro que tenta apagar os fogos resultantes da sua própria falta de acção.
Ele tem a obrigação de prever a evolução futura, de legislar atendendo a um modelo coerente e global, de definir as regras de progressão, de enquadrar as novas realidades do audiovisual.
Caso contrário, ficaremos colocados na ingrata posição em que esta Assembleia estará dentro de dias, quando aprovar a lei dos licenciamentos da rádio (com centenas de rádios já a funcionar sem quaisquer regras) ou em que o Governo se colocou quando, em matéria de abertura de televisão, entendeu que a única proposta a fazer era a de entregar, sem concurso público e sem definição de qualquer outra alternativa, um canal à igreja católica.
É dentro deste contexto que o Partido Socialista, não rejeitando a quota-parte de responsabilidade que lhe cabe nesta matéria, decidiu apresentar um projecto de lei de bases dos meios audiovisuais, que, acima de tudo, pretende ser um contributo para a definição urgente de um modelo audiovisual para o nosso país, capaz de acolher e tratar as novas realidades com que nos defrontamos.
O projecto de lei de bases dos meios audiovisuais divide-se em duas partes distintas. Por isso mesmo, acabámos de entregar na Mesa da Assembleia da República um requerimento solicitando a divisão do projecto em duas partes distintas.
A primeira, visa definir as regras básicas do que, em nosso entender, deve ser um modelo audiovisual, atendendo de modo prevalecente ao exercício das actividades de rádio e de televisão.
A segunda, visa definir o futuro modelo de gestão das empresas públicas de rádio e de televisão, numa perspectiva de lhes proporcionar a criação de efectivas condições de independência do poder político e do poder económico.
Vejamos, pois, separadamente, quais os pontos de maior importância que se levantam em cada uma das partes mencionadas, assim como as respostas que entendemos dever dar-lhes caso a caso.
No que toca à primeira parte, ou seja, ao modelo global para o audiovisual, distinguiremos sete questões essenciais.
A primeira é desde logo o acesso aos meios audiovisuais e concretamente ao exercício das actividades de radiodifusão sonora e televisiva.
O projecto prevê que a iniciativa privada e cooperativa possa, à semelhança da iniciativa pública, aceder à rádio e à televisão.
Trata-se de uma opção clara, remetendo-se os termos e as condições desse acesso para as futuras leis de licenciamento da rádio e da concessão do exercício da actividade televisiva.
Se no que toca à radiodifusão sonora não se levantam problemas especiais neste domínio, já no que respeita à radiodifusão televisiva temos consciência de algumas limitações de natureza constitucional.
Na verdade, a Constituição da República, designadamente o seu artigo 38.º, foi sempre invocada como a responsável pela impossibilidade jurídica da abertura da televisão à iniciativa privada.
No entanto, e correspondendo à forte evolução que se tem verificado a todos os níveis no sector audiovisual, começou a ganhar consistência a interpretação de que o dispositivo constitucional mencionado apenas impediria a propriedade privada das infra-estruturas de televisão (rede de emissão, transmissão e retransmissão) e não a concessão a entidades privadas do exercício da actividade televisiva propriamente dita.
Esta interpretação actualista do texto constitucional tem vindo a obter uma cada vez maior convergência de opiniões, como ainda recentemente ficou demonstrado nas audiências a que procedeu a Comissão Parlamentar Eventual para a Análise da Proposta de Lei n.º 5/IV (Comissão TV).
Somos, pois, de opinião que, nos termos expostos, é possível ultrapassar com segurança as dificuldades