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12 DE DEZEMBRO DE 1986 887

fazerem passar numerosas disposições que nada têm a ver com o Orçamento e que deveriam ter sido ponderadas com o necessário cuidado num processo legislativo próprio. Foram assim aprovados preceitos que melhor constariam de diplomas legislativos autónomos ou até de simples regulamentos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mais grave do que a adulteração do processo orçamental é a aprovação de um número crescente de preceitos que, algumas vezes, extravasam de um modo formal das competências do Governo. Outras medidas, mantendo-se na área das atribuições da Assembleia se consideradas uma por uma, no seu conjunto traduzem uma grave perversão do sistema de repartição de poderes entre aqueles dois órgãos de soberania.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me ainda que aproveite este ensejo para trazer à Câmara duas simples reflexões adicionais relacionadas com o processo de debate e o resultado da votação daquela proposta de lei governamental.
Começarei pelo processo legislativo. Abstenho-me neste momento de abordar outros passos do processo a merecerem, em nossa opinião, ajustamentos profundos, mas que podem e devem ser introduzidos pela própria Comissão de Economia, Finanças e Plano.
Centro estas considerações apenas na última fase desse processo legislativo.

É insuportável e degradante da condição do deputado e é desprestigiante da instituição parlamentar assistirmos à maratona que representa o debate e a votação da receita em sede de plenário.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em cada bancada apenas um número ínfimo de deputados pode acompanhar seriamente os trabalhos, não porque sejam necessariamente os únicos habilitados para o efeito, mas porque a sucessão vertiginosa de artigos em debate e o número profuso de propostas de alteração que em regra recaem sobre aqueles, em muitos casos em cima da hora, tornam impossível à esmagadora maioria dos deputados sequer aperceber-se do que se está a discutir e a votar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De resto, o sistema inviabiliza que as propostas sejam distribuídas por todos e não é a simples leitura pela Mesa que permite a percepção generalizada do que está em jogo.
Mas mesmo aqueles - e são, repito, muito poucos em cada bancada - que conseguem acompanhar os debates acabam não raras vezes por ser vítimas de inevitável desgaste físico e psíquico.
Basta lembrar que no terceiro dia do debate na especialidade se trabalhou nada menos que 22 horas quase consecutivas. Não admira, assim, que não poucas vezes os grupos parlamentares tenham rectificado a posteriori o sentido de voto oportunamente expresso.
Não admira também que muitos se deixem vencer pelo inevitável cansaço decorrente de horas sobre horas de debates, a que necessariamente estão alheios.
E se há quem disso se aproveite através, por exemplo, de execrável reportagem televisiva, reconheçamos que a culpa acaba por ser nossa.

Aplausos do PSD, do CDS e de alguns deputados do PRD.

Perguntarão VV. Ex.ªs a que propósito é que tomo o vosso precioso tempo sobre esta questão, quando é certo que não é aqui e agora que pode ser resolvida,
A resposta é simples: acredito que só será possível proceder aos ajustamentos que consideramos indispensáveis se para eles conseguirmos sensibilizar previamente todos os colegas de todas as bancadas. Só assim será possível vencer a inércia.
E a luta vale a pena, porque está em causa o prestígio da instituição parlamentar, que nos cumpre defender, em homenagem à democracia e ao mandato que recebemos do povo português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A segunda reflexão que pretendia aqui deixar prende-se com o resultado concreto da votação final global do Orçamento do Estado para 1987. Aquando dessa votação, o Sr. Deputado Narana Coissoró fez o favor de requerer a contagem dos votos expressos. Em consequência, ficou claro que os votos a favor dos deputados do PSD eram em número superior ao conjunto dos votos contra oriundos das bancadas do PS, do PCP e do MDP/CDE, quando é certo que estes três grupos parlamentares têm mais deputados que o PSD.
Isto é, mesmo que o CDS não tivesse também votado a favor e se ficasse pela abstenção, ainda assim o Orçamento do Estado seria aprovado.
Não tem esta constatação como objectivo sugerir ou insinuar a dispensabilidade do apoio que o CDS prestou, através do seu voto favorável, à proposta de lei orçamental.
É sempre positiva e razão de sobra para nos congratularmos a atitude da bancada centrista, através do voto, em benefício das propostas do Governo ou dos nossos projectos de lei, mesmo quando no decorrer do debate sejam produzidas intervenções, como então sucedeu, que não merecem minimamente a nossa concordância.
Assim, perante a evidente ausência de um número apreciável de deputados do conjunto PS, PCP e MDP/CDE, de duas uma: ou um surto gripal inusitado atingiu drasticamente a esquerda parlamentar que votou contra o Orçamento, poupando generosamente as restantes bancadas...

Risos do PSD e do CDS.

... ou então tal ausência resultou de factores políticos bem ponderados por quem de direito.
Em nossa opinião, este fenómeno indicia claramente que a esquerda parlamentar não pretende derrubar o Governo, porque sabe bem os custos que isso lhe acarretaria e também porque não representa nem é capaz de assumir uma alternativa credível e legítima, mas concomitantemente obstaculiza a acção governamental, dificultando, sempre que lhe é possível, que este aplique o seu programa, viabilizado nesta Câmara.

Aplausos do PSD.