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9 DE JANEIRO DE 1987

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tos do seu procedimento intelectual. Daí que, para lá das divergências, honremos a lembrança do escritor e do cidadão, que, após Abril, desempenhou cargo público relevante no Conselho de Comunicação Social, merecendo agraciamentos do Estado democrático. O PCP associa-se, assim, de modo sincero, ao pesar expresso pela Câmara na hora enlutada do falecimento de João Gaspar Simões.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Morreu João Gaspar Simões e as letras portuguesas perderam um obreiro incansável.
Ao longo da sua longa vida, com uma disciplina e perseverança invulgares entre nós, Gaspar Simões escreveu até ao fim dos seus 83 anos.
Desde os tempos de estudante de Direito em Coimbra, altura em que foi um dos fundadores da revista «Presença», Gaspar Simões foi romancista, foi ensaísta, foi historiador e foi biógrafo entusiasmado de Eça e de Pessoa. Com as suas traduções, ajudou a conhecer entre nós autores fundamentais da literatura universal. Mas foi, sobretudo, o crítico literário que, durante meio século, com uma regularidade impressionante, com um desassombro invulgar, sem medo de desagradar a gregos e troianos, apegado a uma ética que era a sua, foi, de algum modo, a consciência crítica da nossa literatura.
Um juízo de valor sobre a sua obra exige outro juiz e deve, porventura, aguardar pela memória de amanhã.
Por nossa parte e agora queremos reverenciar a independência, a recusa de quaisquer alinhamentos estéticos ou políticos com que Gaspar Simões sempre exerceu a sua crítica.
Com Aquilino Ribeiro consideramos que «é fora de dúvida que, na terra dos compromissos em matéria de honra e competência, ele exerceu a sua magistratura com uma dose apreciável de imparcialidade e desassombro... »
Tanto seria suficiente para nos doer a morte de João Gaspar Simões; tanto seria suficiente para votarmos, como votámos, este voto de pesar.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Rego.

O Sr. Raul Rego (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi a enterrar João Gaspar Simões, o tipo acabado do que há oitenta anos se chamava um homem de letras. Ensaísta, crítico literário, romancista, teatrólogo, talvez que a sua obra não resista ao desgaste do tempo. Talvez; mas as pedras mais ornamentais dos monumentos nem sempre são aquelas que lhes aguentam a estrutura.
João Gaspar Simões, que há pouco mais de cinquenta anos deixava a sua Coimbra por Lisboa, assentou cátedra de crítica literária no «Diário de Lisboa», primeiro, no «Diário Popular», depois, e, para findar, ainda nas vésperas de morrer, no «Diário de Notícias».
Fora um dos homens da «Presença», a geração coimbrã onde pontificavam José Régio e Miguel Torga, abarcando João José Cochofel, Alberto de Serpa, Francisco Bugalho, Albano Nogueira, Saul Dias, Adolfo Casais Monteiro, Branquinho da Fonseca, Fausto José; e fiel à ideia da «Presença», João Gaspar Simões havia de permanecer, fazendo-lhe até a história.
Em 1936, João Gaspar Simões iniciava em Portugal a crítica literária, íamos a dizer a crítica literária profissional; e deixámos ficar a palavra porque, se ele não conseguia viver dessa actividade profissional, praticava-a realmente como um profissional digno, não como um amigo que faz um jeito a este ou àquele escritor. No suplemento literário de quinta-feira do «Diário de Lisboa», a última página era de João Gaspar Simões, em que o «livro da semana», independentemente de ser autor consagrado ou desconhecido, era analisado à luz dos conceitos literários e estéticos de João Gaspar Simões. Tinha a honestidade profissional do homem que aplica os seus princípios, a sua doutrina, a sua experiência, os seus conhecimentos, também, às obras que tem na frente e analisa sem complacência e sem ódio. Essa honestidade intelectual e profissional lhe foi reconhecida, embora nem sempre pacificamente e às vezes tenha até sido discutida à portuguesa. O Chiado assistiu a mais de uma cena em que os conceitos estéticos foram discutidos com os punhos.
Homem de letras de rara honestidade intelectual e estética, não lhe fazia sombra a glória alheia, e lembremos que a universalidade de Fernando Pessoa deve muito à persistência e ao trabalho insano de João Gaspar Simões, na publicação das suas «Obras Completas». Como, aliás, a de Mário Sá Carneiro e a de alguns outros.
Entremeado com o crítico literário, que sempre foi, não se pode esquecer o biógrafo eminente de Fernando Pessoa e de Eça de Queirós. Esmiuçando pormenores, analisando as influências, não é o biógrafo que ergue um monumento num volume, como os de Oliveira Martins aos Filhos de D. João I ou a Nun'Álvares, não. É o crítico literário e o investigador que busca esclarecer todas as fontes, as escolas, que fizeram de Pessoa o grande poeta dos nossos dias e de Eça de Queirós o nosso maior romancista.
João Gaspar Simões foi um homem de letras de raro valor; mas, nesta Assembleia da República democrática, não quero deixar de assinalar também um cidadão que nunca hesitou em se mostrar democrata e que, muitas vezes, instou pelas liberdades cívicas em simples abaixo-assinados ou aderindo aos grandes movimentos em prol das liberdades, sobretudo da liberdade de expressão. Começara, aliás, por ser sócio e depois presidente da Associação Académica Republicana de Coimbra, onde teve como companheiro o meu companheiro António Macedo.
Escritor de talento, cidadão de carácter, assim eu vejo o meu amigo João Gaspar Simões, a quem a censura muitas vezes mutilou a prosa, mas nunca lhe conseguindo quebrar o carácter, a dignidade de cidadão e de escritor.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PRD.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Domingues.

O Sr. Joaquim Domingues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo admitido a inutilidade do trabalho que desenvolveu ao longo de dezenas de anos como crítico literário, tendo confessado o relativo inê