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I SÉRIE - NÚMERO 28

xito da sua obra como criador artístico, reconhecendo que esta poderá ter - sido prejudicada por aquela, embora reclamando um fundamento ético para a sua actividade crítica, que juízo nos poderá suscitar, nas presentes circunstâncias, a personalidade de João Gaspar Simões?
Tendo conquistado o estatuto de figura tutelar das
letras portuguesas, sem escamotear o carácter, polémico
das posições que frontalmente expendeu, o traço mais neutro seria o que sublinhasse o ineditismo de uma presença constante, por mais de seis décadas, na vida literária portuguesa, sobretudo vocacionada para o ensaísmo e a crítica literária.
E quando, dentro de dois meses, passarem sessenta anos sobre a publicação do primeiro número da «Presença», poderia ainda afirmar-se fiel a alguns dos valores essenciais do movimento que lançou com José Régio e Branquinho da Fonseca.
É bem certo que se poderão considerar «datados» alguns desses valores estéticos e critérios de avaliação, mas seria mera presunção insinuar a existência de posições ou atitudes que escapem - neste domínio, aos condicionalismos epocais.
E, do seu tempo, João Gaspar Simões teve o, mérito de assumir a recusa dos critérios e valores desumanamente abstractizantes, mesmo correndo o risco de ser taxado de psicologismo ou subjectivismo.
Como teve ainda o mérito de bem cedo ter compreendido em que consistia o «provincianismo» latente ou patente no «caso mental português», tendo incansavelmente percorrido os itinerários da «pátria» que, sendo «a língua portuguesa», não poderia deixar de ser, por isso mesmo, a «literatura viva».
Dai o ter recusado os academismos e modismos que, seccionando a vida cultural portuguesa em escolas, correntes e movimentos, mais ou menos descontínuos, empobrecem ou anulam mesmo a possibilidade de uma visão englobante.
A persistente atenção que dedicou a Fernando Pessoa e ao movimento do «Orpheu» espelham bem essa consciência de que, mesmo no domínio literário, as descontinuidades se articulam sobre um tecido de constantes que seria ilusório ignorar. O mesmo se poderia, aliás, dizer quanto à reflexão que dedicou ao romance português.
E o seu «caso» poderá mesmo levar-nos a inquirir sobre o grau de atenção, ou desatenção, que as instituições oficiais de cultura vêm dedicando ao que, tantas vezes à sua margem, se constrói, ganha forma e vida, como expressão daquela razão ou espírito sem o qual seria inconcebível a realidade que somos, enquanto povo, que, primeiro na Europa, se fez Estado.
Filho do seu tempo, João Gaspar Simões será reconhecido como um dos que se devotou persistentemente a responder ao desafio, por mais insatisfeito que, afinal, se viesse a confessar.
Consciente de que o pior destino da literatura são os falsos ecos, que a cultura é viva quando se articula num diálogo de múltiplas leituras, em que a autenticidade de cada uma constitui um dos registos da linguagem comum na qual todos se reconhecem, cumpria o destino que se traçou.
Recordá-lo, neste momento, é, antes de mais, reconhecer que a sua presença deixou uma marca indelével no tempo que lhe foi dado viver.
O Grupo Parlamentar do PSD associa-se, assim, ao voto de pesar pelo falecimento de João Gaspar Simões.

Aplausos do - PSD e de alguns deputados do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Finalmente, para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PRD associou-se a este voto de pesar pela morte de João Gaspar Simões em homenagem a um homem que, desde há sessenta anos, teve um papel relevante, embora muitas vezes polémico, na literatura portuguesa.
Quer como ensaísta e crítico - função que desempenhou de um modo ininterrupto ao, longo de todas estas décadas -, quer como ficcionista (será bom recordar o romance «Elói ou Romance Numa Cabeça», que alguns críticos consideraram como uma obra de ficção relativamente importante, e a faceta de crítico ensaísta do seu autor terá contribuído para fazer esquecer); quer ainda como biógrafo, sendo sobretudo de lembrar as suas excelentes biografias de Eça de Queirós e de Fernando Pessoa, Gaspar Simões teve, de facto, um lugar marcante na literatura portuguesa.
Para além do destacado, é de acentuar que Gaspar Simões foi - esse é um dos méritos históricos que ninguém lhe retirará -, assim como os seus companheiros da «Presença», entre os quais avulta José Régio, aquele que primeiro, compreendeu (embora, se calhar, mais tarde essa sua compreensão se tenha mostrado, em alguns aspectos, imperfeita) e ajudou a tornar conhecida e a divulgar esse génio universalmente reconhecido da poesia, que - é Fernando Pessoa.
Quando ele era em geral desconhecido, às vezes até ridicularizado, Gaspar Simões foi um pioneiro na divulgação do modernismo e, como disse, do próprio Fernando Pessoa. E pense-se o que se pensar acerca da evolução dos seus méritos, não - se pode esconder nem esquecer, por, infelizmente, ele ter falecido, que a sua obra suscitou depois polémica, que terá, de certa forma, estiolado alguns conceitos, porventura ultrapassados.
Além disso, penso que Gaspar Simões foi o primeiro grande profissional da crítica em Portugal. Foi um homem que assumiu a profissão de crítico, de escritor, de trabalhador das letras. Ele foi um trabalhador incansável e esse é um mérito que certamente todos lhe reconhecerão.
Todos, ou quase todos, os grandes escritores portugueses, sobretudo ficcionistas e poetas de algumas décadas, terão tido da sua parte algumas das análises e comentários mais prescientes. Muitos deles, quando se estrearam, terão tido em Gaspar Simões as primeiras palavras de compreensão, de apoio e de estímulo. Julgo que muitos dos grandes escritores contemporâneos virão a terreiro dizer isso, prestando-lhe assim uma homenagem. Aliás, muitos deles já lha prestaram em vida e outros, não o tendo feito, irão fazê-lo agora.
Finalmente, também não podemos esquecer, como, de resto, é sublinhado no voto que foi aprovado, que Gaspar Simões sempre foi um democrata, e que na fase terminal da sua vida integrou um órgão, que aliás funciona junto desta Assembleia da República, que é o Conselho de Comunicação Social, ao qual deu todo o seu esforço.
- Por estas razões, sinteticamente expostas, nos associámos ao voto de pesar aqui aprovado.

Aplausos do PRD e de alguns - deputados do PS e do PSD.