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9 DE JANEIRO DE 1987

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O Orador: - Deixando, pois, o aprofundar destas questões e deste mistério, o que fica é isto, que é gravíssimo: um membro do Governo da República considera que não é portuguesa a nossa Constituição, a lei fundamental do País, com a qual se tem de conformar todo o ordenamento jurídico.
A Constituição da República, em que se plasmaram os grandes ideais e valores do libertador 25 de Abril; a Constituição que, quando aprovada em 1976, embora naturalmente marcada pela conjuntura em que nasceu, e para lá das legítimas discordâncias sobre alguns dos seus comandos e, sobretudo, «considerandos», representou a vitória final sobre quaisquer novas tentações totalitárias ou autoritárias e que em 1982 foi revista nos termos que ela própria dispõe; a Constituição aqui saudada e festejada em Junho último, quando se completaram dez anos da sua vigência; a Constituição que é a Magna Carta do nosso regime democrático e dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; a Constituição que o Presidente da República jura cumprir e fazer cumprir, a que devem respeito e obediência todos os órgãos de soberania e todos os cidadãos, não é sequer considerada portuguesa por um membro deste Governo! É difícil admitir ou visionar mais grave e pior do que isto!
Assim, tendo dito o que lhe é atribuído e que não desmentiu, o Sr. Secretário de Estado ou se retracta, dizendo que não quis dizer aquilo que disse, ou se demite, ou ainda, a não se verificar nenhuma das anteriores hipóteses, o Sr. Secretário de Estado deve ser demitido. Não há alternativa: impõe-no a dignidade das instituições democráticas e o respeito que lhes é devido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era isto, fundamentalmente, como questão de Estado, o que o PRD desejava exprimir nesta sua declaração política. Mas, já que a faz, não pode também deixar passar sem refutação outras declarações do referido membro do Governo na mesma entrevista, nas quais o nosso partido é directamente visado.
Com efeito, na sequência da anterior afirmação - e não desmerecendo dela -, o Sr. Secretário de Estado entra no tema da revisão constitucional, opinando que «não existem condições para fazer qualquer revisão constitucional digna desse nome atendendo ao aspecto partidário da actual Assembleia da República», defendendo assim a necessidade de «ser encontrada uma maioria qualificada capaz de assumir as grandes sugestões nacionais, enfrentá-las e ter vontade política para resolvê-las» e acrescentando mesmo que o PRD, «em matéria de Constituição, está muito próximo do PCP». E conclui dizendo ainda que «se analisarmos os textos distribuídos no final das reuniões importantes do PRD, em todos eles existe uma espécie de repetição do acto de fé nesta Constituição».
Face a estas declarações, importa sublinhar o seguinte:
Primeiro, o PRD tem uma posição clara e autónoma sobre a Constituição e tudo o que ela representou e representa para a nossa Pátria, posição expressa nos seus textos estruturantes, inclusive quanto a algumas modificações que julgamos lhe devem ser introduzidas e que abrem logo o capitulo I do nosso Programa.
Segundo, a Constituição da República tem de ser respeitada por todos, a começar, naturalmente, pelos titulares dos órgãos de soberania. Não a sacralizamos, considerando-a intocável, mas recusamos terminantemente transformá-la em álibi para males, incapacidade e incompetências, como tantas vezes tem acontecido, à semelhança do que aconteceu ou acontece com outros falsos álibis.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Terceiro, tomamos a devida nota do medo que um membro do Governo tem da actual composição desta Assembleia para rever a Constituição. Decerto seria mais fácil e cómodo - só que, em nosso juízo, não seria o melhor para o País e para a democracia - revê-la com apenas dois partidos reunindo a maioria qualificada necessária e que se pudessem «entender», como, aliás, aconteceu no passado, designadamente no quadro geral de um acordo ou de acordos que passassem pela divisão clientelista de cargos e lugares e pelo «tiro» ao alvo de alguns objectivos e adversários comuns.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Quarto, o PRD rejeita também, com veemência, o método, vindo do passado mais obscurantista da ditadura, mas que agora está a ser de novo usado (só que, felizmente, e dado que vivemos em democracia, sem as sinistras consequências do antigamente), de sugerir colagens, seguimentos ou coincidências com o PCP como forma de ataque ou destruição de argumentos, como ainda agora aconteceu, uma vez mais, a propósito dos projectos de lei da Reforma Agrária que hoje vamos votar. Aliás, esse velho e antidemocrático método parece já não conseguir grandes resultados, como se viu nas duas últimas eleições presidenciais.
Quinto, o PRD desafia o Sr. Secretário de Estado a provar que tenha o mínimo de fundamento o que afirma sobre hipotéticos «actos de fé» constitucionais contidos em todos os textos distribuídos no final das suas reuniões importantes. Aliás, se o fizéssemos, deles não teríamos que nos penitenciar. Só que demonstraríamos bastante falta de imaginação.
Mas, em matéria de desafio, temos outro, enfim, para lhe fazer, e mais solene, sobre uma sua outra grave acusação ao nosso partido, qual seja a de que o PRD «tem a voracidade do poder», acusando-o de ter sido criado para «empregar pessoas» e distribuir «cargos políticos» e «as chamadas benesses do Poder», por o general Ramalho Eanes, enquanto Presidente da República, não o ter podido fazer.

Risos do PRD.

Ora, o Sr. Secretário de Estado pertence a um governo que só não foi inviabilizado desde o debate do seu Programa graças à posição responsável do PRD, tomada por razões nesta mesma tribuna claramente expressas em mais de uma ocasião. O PRD está pois, desde o início, numa posição que lhe permitiria ter ascendido à área do poder, ter exigido ou solicitado contrapartidas - benesses, lugares ou o que quer que se lhe chame - para não inviabilizar o Governo. Nunca o fez. Nunca o fez - repito - de forma inequívoca. Sempre defendemos e privilegiámos o diálogo com todos, incluindo o Governo, mas nunca negociámos as nossas posições nem nunca cedemos em princípios para ganhar em clientelas, como outros tantos têm feito ao longo dos muitos anos. Ninguém, mas ninguém, ocupa qualquer cargo ou lugar ou teve qualquer