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17 DE JANEIRO DE 1987 1305

O Sr. Almeida Santos (PS): - Começando, dado a pergunta estar mais fresca, pela questão colocada pelo Sr. Deputado José Magalhães, devo dizer que referi o alargamento do espaço - de direito supranacional, exactamente pela nossa entrada nas Comunidades. Não disse que a Convenção fizesse parte deste espaço, mas sim que a tendência é no sentido da existência de um direito supranacional, que sucessivamente se vai impondo ao direito interno e que, como tal, temos que estar atentos às convenções universais que tenderão a transformar-se em direito supranacional.
Quanto às cautelas excessivas, não neguei que elas tivessem alguma justificação na altura, mas muitas delas deixaram de a ter. O problema é que se algumas estão velhas, outras foram tornadas inúteis pela revisão constitucional, como é o caso de uma que já foi referida. Interrogo-me, mesmo se outras não decorreram de uma leitura apressada da própria Convenção ou do desconhecimento da jurisprudência das suas altas instâncias. Trata-se de uma revisão, de uma reflexão que deveríamos fazer agora.
Quanto ao que o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos referiu, vamos historiar o ocorrido na Comissão. Aí, começámos por fazer uma discussão muito demorada sobre a necessidade ou desnecessidade da reserva relativa à prisão imposta a militares. Houve um debate muito vivo e penso que, nessa altura, conseguimos convencer os Srs. Deputados que entendiam que a reserva era necessária, de que não o era, com base no facto de ter havido uma alteração da Constituição. E tanto assim que foi elaborado um primeiro relatório em que se concordava também com a retirada dessa reserva e que deu entrada na Mesa, como o Sr. Presidente sabe. Ontem mesmo pedimos para substituir esse relatório por outro, que foi aquele que acabei de ler e onde se consagrava a retirada dessa reserva.
Então, o que aconteceu entretanto? Aconteceu que um Sr. Deputado se fez - e muito bem - porta-voz de alguns receios das Forças Armadas, não no sentido de não reconhecerem que na Constituição estava agora claramente expressa a possibilidade da prisão disciplinar imposta a militares, mas sim quanto ao risco de a Convenção Europeia dos Direitos do Homem se sobrepor como lei supranacional à própria ordem jurídica constitucional portuguesa. Fui logo da opinião de que, obviamente, me parecia que não; se fosse a Convenção Universal não teria essa certeza, mas quanto à Convenção Europeia, pareceu-me que não. Porém, resolvemos dar a nós próprios um tempo de estudo e reflexão sobre este problema, a fim de podermos depois voltar a discuti-lo. Quando nos preparávamos para fazê-lo, o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos tomou a atitude que veio a ser consagrada no relatório, para evitar problemas e melindres, bem assim como novas frentes de problemáticas com as Forças Armadas. Dessa forma, prudente e cautelarmente, a fim de evitarmos aqui uma nova frente de debates e questões, decidimos manter essa reserva. Assim, veio a ser consagrado, no último relatório, o facto de ela ter sido, não retirada da Convenção, mas sim da proposta do PRD. Suponho que reproduzi com fidelidade tudo o que se passou.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Em 1978 esta Assembleia, aprovando a proposta de lei n.º 202/I, decretou a ratificação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Protocolo Adicional n.º 1 à mesma Convenção. Nasceu assim a Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro.
Foi um passo importante no caminho da liberdade. Foi um acto de inegável significado histórico. Foi, como assinalou o então deputado Francisco Lucas Pires, o «primeiro acto de estável, global e definitiva integração nacional na ordem jurídico-constitucional europeia».
Àquela ratificação foram, porém, opostas as reservas constantes das diferentes cláusulas do artigo 2.º e do artigo 4.º da dita lei.
Contra tais reservas se pronunciaram, desde logo, algumas entidades e não tão pouco significativas como há pouco referia o Sr. Deputado José Manuel Mendes. Contra essas reservas se pronunciou logo a Ordem dos Advogados, que, em sessão de 2 de Dezembro de 1978, escreveu designadamente: «Lamenta que, apesar de decorridos cerca de 28 anos da conclusão em Roma da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (4 de Novembro de 1950) e de passados cerca de 26 anos da assinatura em Paris do seu 1.º Protocolo Adicional (20 de Março de 1952), seja ainda necessário, por força da ambiguidade legislativa vigente, proceder à respectiva aprovação com as reservas que da referida Lei n.º 65/78 ficaram a constar.»
E acrescentava-se: «Chama a atenção para que, devendo os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem» - argumento, de resto, há pouco já utilizado pelo Sr. Deputado Almeida Santos - «e sendo certo que a Convenção Europeia agora aprovada se destina - segundo o seu preâmbulo - a assegurar o reconhecimento e aplicação universais e efectivos dos direitos enunciados naquela Declaração Universal, resulta em puro absurdo, denunciador de contradições intrínsecas, a formação de reservas àquela Convenção Europeia com fundamento em determinadas disposições da Constituição.» Isto dizia, logo após a aprovação da lei, a Ordem dos Advogados.
De resto, crê-se que tais reservas resultaram do calor e da paixão que a então recente aprovação da Constituição terá ditado, porventura num excesso de cautela, que essas mesmas reservas traduzem.
O direito internacional convencional prevalece sobre o direito ordinário interno, mas cede, como é entendimento generalizado na doutrina e decorre do artigo 277.º da Constituição, perante o direito constitucional, com excepção da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Para além disso, crê-se pertinente que hoje, volvidos dez anos de vigência da Constituição, porventura com mais capacidade de serenidade, nos interroguemos se as normas da Convenção a que aludem as reservas brigam realmente com os também ali indicados preceitos constitucionais.
Quanto às reservas cuja eliminação se propõe no projecto de lei em debate, o parecer da 1.ª Comissão, da autoria do seu presidente, deputado Almeida Santos, demonstra, com clareza inexcedível e sólida argumentação, que lhe são de timbre, a não existência de qualquer inconciliabilidade.