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17 DE JANEIRO DE 1987 1301

Diria que me parece que não há risco de omissão de legislar, não alterando, de imediato, o Regulamento de Disciplina Militar, já que a garantia da via judiciária, prevista na Constituição, quer no artigo 20.º quer no próprio artigo 27.º, é de aplicação directa. Creio, aliás, que nunca terá sido questionada essa garantia.
Esta é, em síntese, a posição do Governo, posição essa que não vai contra o projecto de lei n.º 233/IV. Se não for apresentada uma outra proposta de alteração, creio que será de apoiar o diploma apresentado. Pelo menos o Governo apoia-o, porque é uma decisão parlamentar que, embora, a meu ver, não completa, já representará um significativo passo em frente, até do ponto de vista simbólico, no caminho da normalização da nossa vida e das grandes linhas que normativamente nos conformam.

Aplausos do PSD, do PS e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Quando, em 1978, a Assembleia da República utilizou, relativamente à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o instituto da reserva, agiu com inteira legitimidade, tanto face ao estabelecido pelo direito internacional como, sobretudo, no respeito por normas e valores determinantes da nossa ordem jurídico-constitucional. Os magros protestos surgidos, a propósito e na circunstância, dentro e fora do País, eram de todo infundados, provinham de uma concepção instrumentalista dos direitos fundamentais e revelavam, no plano político, uma mal disfarçada hostilidade ao fértil Portugal de após 1974.
Os anos, entretanto, passavam. E se é verdade que permanecem actuais, sólidas, escorreitas, as razões que militaram a favor da não recepção de certos preceitos da Convenção em apreço, é inegável que, consideradas as alterações desde então operadas, outras normas justificam hoje uma reponderação de atitude por parte do Estado que é o nosso.
Com efeito, se não é possível - nem desejável - mudar de agulha em numerosas matérias, de entre as quais as que referenciam o livre desencadeamento do lock-out (essa terrífica arma contra os trabalhadores) e as que branqueariam a imagem tendendo a desresponsabilizá-los, em importantíssimas latitudes, dos agentes da polícia política do fascismo, nada obsta à avaliação da possibilidade de levantar reservas, aí onde tal se afigure positivo.
O que vem proposto no projecto de lei do PRD visa, no essencial, esferas problemáticas em que as objecções de outrora, depois da revisão constitucional, se tornaram inúteis ou desaconselháveis.
A proibição de organizações que perfilhem a ideologia fascista, claramente prescrita na lei fundamental, não é - nem seria nunca - posta em causa pela Convenção e o que a alínea f) do artigo 2.º da Lei n.º 65/78 quis acautelar foi a menor eventualidade contrária, bem como o não enfraquecer de um princípio vital à sociedade nascida com o 25 de Abril.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Como se sublinha no parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tais organizações sempre acabariam
rechaçadas pela legislação penal portuguesa, em harmonia com o n.º 4 do artigo 46.º da Constituição da República, sem que o artigo 11.º da Convenção surgisse a esta luz, inequivocamente conflituando com ele. Na realidade, esse comando admite restrições à liberdade de associação quando tal for indispensável para a segurança nacional e para a democracia, o que sem dúvida ocorrerá com estruturas da índole daquela a que aludi. Por outro lado, não permeabiliza perseguições indevidas a partidos políticos ou entidades de natureza social marcante, uma vez que essas perseguições são liminarmente vedadas pela Constituição.
A reserva aposta ao artigo 1.º do protocolo adicional à Convenção Europeia refere, basicamente, um quadro normativo que a revisão constitucional de 1982 ultrapassou. Mal ou bem, ultrapassou. Está agora consagrado que a lei determinará «os meios e formas de nacionalização de meios de produção bem como os critérios de fixação de indemnizações», o que retira suporte à opção da Assembleia da República em 1978.
Quanto ao artigo 2.º do mesmo protocolo, sublinhe--se que, de facto, não subsistem também estribados motivos para sinalizar colisões entre a Convenção e a Constituição da República Portuguesa, designadamente nos seus artigos 43.º e 75.º
A Convenção estipula o direito universal à instrução e a obrigação de os Estados respeitarem o direito dos pais a assegurar a educação e o ensino dos filhos segundo as suas convicções filosóficas e religiosas. Ora, isso mesmo assegura, até com mais rigor e amplitude, o nosso texto constitucional, com a ênfase que a primeira revisão nele acentuou.
É, de resto, altura de lembrar que a protecção dos direitos fundamentais da Constituição da República é, sem dúvida, bem maior e mais profunda do que a da Convenção. Esta, a diversos níveis de análise, é uma carta modesta de disposições prescritivas, tanto no que se reporta ao elenco dos direitos como no que se prende com a sua extensão e natureza. Basta atentar nas diferenças substanciais na consagração do direito à vida, ou, numa outra vertente, em quanto tem a ver com a dimensão participativa inerente a toda a nossa Constituição de 1976, à força que nela assumem os direitos sociais, laborais, económicos e culturais, que urge promover e efectivar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Vão longe os tempos, porém, em que os protagonistas do retrogradismo erigiam em estandarte a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cuja matriz originária liberal, surgida no áspero contexto da «guerra fria», declarava propósitos contraditórios mas, em geral, benvindos. É evidente que no momento que vivemos, como o foi no passado, é totalmente ilídimo procurar, neste diploma que agora examinamos, instrumentos para constranger, na ordem interna, as liberdades públicas e individuais. Sendo certo que a Convenção foi uma das fontes da Constituição da República, sempre esta prevaleceria, prevaleceu e prevalece sobre o direito infraconstitucional. Daí que, no termo de adequada reponderação, entendamos viabilizáveis as propostas em discussão, tendentes à retirada de algumas reservas formuladas pelo Estado Português há oito anos através da Lei n.º 65/78, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.