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1300 I SÉRIE - NÚMERO 32

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: As grandes declarações de direitos começaram por ser nacionais; foi o que ainda aconteceu com as norte-americanas. A primeira declaração verdadeiramente universal foi a francesa de 1789; nela pela primeira vez se intentou legislar para o mundo todo inteiro, a partir de concepções de base que se queriam comuns e fundamentais. Tributária desse ecumenismo foi a Declaração de 1948; só que as realidades evidenciavam então que não havia já concepções de base universais; para a formulação comum tiveram que se encontrar soluções compromissórias entre as geografias das ideias.
Iniciou-se, logo depois, um novo percurso: o da regionalização, embora por grandes espaços, da comunidade internacional. Esteve no limiar desse percurso a Convenção Europeia de 1950, à qual se seguiriam a interamericana de 1969 e a africana de 1981.
Realmente, um núcleo coerente de direitos assentará em «princípios gerais»; estes, por seu turno, radicam numa realidade aferível em função de solidariedades estruturais e sócio-culturais determináveis e caracterizadas; já o prudente Montesquieu, em quem muitos encontram o fundador do comparatismo jurídico, acautelava, embora com excesso de precaução, que «as leis devem ser por tal forma adequadas aos povos para os quais são feitas que só por um grande acaso as de um país podem plenamente convir a outros».
Temos, pois, o espaço europeu do Conselho da Europa, com o seu património comum e com o perfil que os séculos lhe têm modelado, e que agora, mais do que nunca, se afirma e revigora.
Mas, a ser assim, como se compreenderá que às grandes regras que no mundo regional do Conselho da Europa terão que prevalecer, porque o definem, possam ser apostas reservas?
O certo, porém, é que exactamente a matéria dos direitos do homem será um dos terrenos em que os Estados se revelam mais reticentes em restringir a plenitude do seu próprio ordenamento; isto tem, aliás, sido evidenciado por uma larga mancha de juristas, dos quais destacarei o tão familiar Jean Rivero.
No que respeita à Convenção Europeia, o problema maior que as reservas poderão suscitar é o de, pelo significado que qualitativa ou quantitativamente convoquem, terem o sentido final de descaracterizar o sistema de protecção de direitos que lhe é subjacente.
No caso português, das que foram apostas, algumas, por certo, o descaracterizariam. Só que estiveram em causa opções não sindicáveis; realmente, não se vê que, em termos práticos, o juízo de avaliação pudesse caber, inquestionavelmente, a qualquer órgão de controle.
Isto muito embora se ter já entendido, noutro plano, que, quando no artigo 64.º da Convenção se dispõe que as reservas de carácter geral não são autorizadas, se remete para a Comissão e para o Tribunal Europeu o encargo de, contenciosamente, se pronunciarem sobre a incompatibilidade daí emergente.
O fundamental será que, no próprio juízo do Estado que formula as reservas, esteja ou não a convicção de que a sua ordem jurídica e o seu estatuto de valores são coadunáveis com os do espaço jurídico e ético do Conselho da Europa.
Ora, bem vistas as coisas, é de concluir que, mesmo colocando a questão em termos contemporâneos aos da Lei n.º 65/78, algumas das reservas sempre seriam de considerar excessivas e, para mais, desnecessárias.
Assim logo o pensei, como lembro nas breves palavras que antecedem a anotação à Convenção, feita em 1980 pelo conselheiro Pinheiro Farinha - no que, aliás, ganhei ou já tinha reconfortante companhia.
Como expressão emblemática dessa perversão ao espírito da Convenção, destacarei, por singularmente demonstrativa, a que introduz ressalva ao princípio que impediria que, pelo canal da legislação ordinária, se facultassem situações de confisco.
Do que desta forma sumariamente pondero incontroversamente advirá que se impõe a remoção, até por não ocorrerem as razões que, a meu ver sem fundamento, determinaram a sua formulação.
É, pois, oportuno o suscitar-se agora o problema na sua sede própria, ou seja, em sede parlamentar.
Oportuno e justo.
Nas suas linhas definidoras, a nossa lei fundamental acolhe um catálogo de direitos, liberdades e garantias que, a todas as luzes, é positivo; indevido seria que Portugal persistisse no empolamento das reticências a um quadro normativo, não divergente, no essencial, daquele que globalmente para ele vale pela sua disponibilidade interna, ou seja, a Constituição.
Acontece apenas que o projecto de lei n.º 233/IV não abrange três das reservas e pela leitura do parecer, que, aliás como sempre, foi concludente e claramente elaborado, pelo Sr. Deputado Almeida Santos tive a notícia de que tinha sido retirada a supressão da reserva relativa à prisão disciplinar dos militares.
Direi, muito sinteticamente, face a este quadro, que considero - e suponho que, indo ao fundo das coisas, todos considerarão, embora, por razões de carácter talvez excessivamente legalista, alguns possam pôr dúvidas a esta reticência constituída pela própria reserva - que a reserva respeitante à televisão não tem razão de ser se não se trouxer à colação a própria problemática que está em causa ao nível conjuntural e político interno.
É que, na realidade - como sempre, aliás, tem entendido a jurisprudência formada sobre o artigo 10.º da Convenção -, ele nunca impedirá o monopólio estatal nesse domínio. Portanto, só por uma razão emblemática ou por uma certa preguiça no indagar e no concluir é que talvez não se possa tomar uma posição frontal no sentido de remoção desta reserva.
A outra reserva tem a ver com o lock-out. É evidente que não se pretende alterar a ordem constitucional; pura e simplesmente, o que acontece é que o artigo 11.º, como, aliás, generalizadamente tem sido entendido pelos autores, não tem rigorosamente nada a ver com o lock-out.
Resta a reserva quanto ao artigo 5.º enquanto colidente com a prisão disciplinar imposta a militares. Não há dúvida de que o problema alcança hoje renovado sentido, face ao disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 27.º da Constituição depois da revisão de 1982. Questão diversa seria a de se ter de adequar o Regulamento de Disciplina Militar ao preceito constitucional; quer isto dizer que será de manter a reserva, face à redacção deste dispositivo constitucional. A questão de direito interno será a de adequar ou não o Regulamento de Disciplina Militar à própria opção da Constituição.