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13 DE MARÇO DE 1987

inverosímil - não permite que a minha intervenção ultrapasse três minutos. Vou obedecer-lhe, ou vou tentar obedecer-lhe, porque para mim bastaria apenas um minuto para falar sobre a Estónia, mas falar sobre Paulo Quintela em três minutos chega a ser uma violência.

Creio que foi Raymond Poincaré que, à hora da morte de George Clemenceau, teria dito «há homens que devem ser enterrados de pé». Com isto queria dizer Poincaré que há homens cuja postura na vida se não compadece a não ser com a direitura da espinha e do seu próprio corpo. Paulo Quintela é um dos homens que deveria ter sido enterrado de pé.

Conheci-o - já o considero da minha geração pela proximidade para onde caminho - e considero-o como uma das figuras mais interessantes e tutelares da cultura portuguesa. Fazer a história da sua vida nem em três horas, quanto mais em três minutos. Direi simplesmente que Paulo Quintela era um dos oito filhos de uma padeira e de um trabalhador rural (homem pobre de Trás-os-Montes), tendo chegado pobre a Coimbra, desprovido de bens, e pouco tempo depois Paulo Quintela era já considerado como uma das grandes figuras do seu tempo.

Não vou ler-lhes a obra dele como tradutor de Goethe, como fundador desse maravilhoso Teatro dos Estudantes, como professor. Tudo isto é mais ou menos conhecido por VV. Ex.ª e o País já tomou a notícia do que ele era.

Importa, no entanto - é esse o meu dever e a razão por que aqui estou -, focar uma faceta da personalidade de Paulo Quintela.

Paulo Quintela era um homem difícil. Aliás, em Portugal são sempre difíceis os homens que falam duro e que são frontais nas suas afirmações e nas suas atitudes.

Paulo Quintela ingressou na Faculdade, formou-se com 19 valores, preparou-se para o seu doutoramento, em que obteve igualmente 19 valores, e, perante o espanto deste país, só conseguiu ser professor catedrático depois do 25 de Abril. O Sr. António Oliveira Salazar nunca perdoou a sua irreverência, o seu desassombro e a sua coragem. Era um homem frontal, que dizia a verdade, por mais dura que fosse, custasse o que custasse. Assim, Paulo Quintela só conseguiu ascender à cátedra de professor catedrático após a restauração das liberdades neste país.

Meus senhores, dado o tempo de que disponho estar a terminar, pouco mais vos posso dizer.

Paulo Quintela deixou um vácuo no coração dos seus amigos, deixou um vácuo difícil de preencher na cultura portuguesa, deixou um vácuo na moral dos portugueses, na honra e na hombridade da defesa das suasideias e daquilo que julgava ser o melhor para o seu país.
Paulo Quintela, minhas senhoras e meus senhores, merecia, na verdade, ser enterrado de pé.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista, com o voto de pesar pela morte do Professor Paulo Quintela, não quer manifestar apenas quanto sente a falta do seu antigo militante, mas também exprimir quanto representou para a cultura portuguesa a figura ímpar que ficou para sempre sepultada em Bragança, onde nascera.
Paulo Quintela era um mestre universitário, mas era-o também do civismo, do trato social aberto, franco, na sua linguagem clara, por vezes brusca, e não recusando a polémica. Sabia-se sempre onde ele estava e o que pensava. Foi democrata e todos os movimentos democratas, até nas horas mais graves, contaram com o seu apoio, a sua combatividade. Por isso o mestre consagrado por universidades e institutos estrangeiros, o germanista insigne distinguido com a medalha Goethe, só muito tarde ascendeu à cátedra universitária.
Formador de mentalidades, Paulo Quintela não dava o seu magistério por findo com as palestras, os interrogatórios dos alunos, os exames. Ele vivia as preocupações, os interesses dos estudantes e o trabalho prosseguia na convivência constante das associações académicas, nos contactos ocasionais e nessa obra ímpar de cultura em que mestre e alunos trouxeram para o nosso tempo a arte dramática mais clássica.
O Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra correu Portugal inteiro. Foi a África e ao Brasil, a outros meios cultos da Europa, é uma realização que só a cultura e a integração do mestre entre os alunos tornaram possível. E tem pernas para andar. Esse o orgulho de qualquer mestre: que os discípulos caminhem avante sem ele.
Paulo Quintela foi sempre socialista. Pertenceu à Acção Socialista na clandestinidade e foi candidato do Partido Socialista às eleições para a Constituinte.
Meu companheiro de lista em Bragança, durante umas semanas vivemos essa novidade que era a de falar livremente ao povo em comícios, em palestras, em simples encontros no distrito mais rural do País e onde ambos nascemos. Paulo Quintela continuava a ser o mestre, em salas grandes, em teatros, em Casas do Povo, em escolas primárias, sentia-se tão à vontade entre lavradores e homens de enxada como entre os seus alunos de Coimbra.
Não poderei esquecer uma lição que poderia ser a introdução à filologia dada por Paulo Quintela no comício da Escola Primária de Carvalhais. Com toda a naturalidade, o catedrático, como se estivesse a falar de Goethe ou de Holderlein aos seus alunos de Coimbra, foi dizendo àquela gente de mãos calejadas como se poderia trabalhar com as palavras, apurando-lhes o sentido, acentuando as diferenças, decompondo-as; e que esse trabalho, se era diferente, cuidadoso, não era diferente, cuidadoso, não era menos difícil nem menos útil do que o trabalho de quem lavra a terra, a semeia, cuida das culturas e depois as ceifa.
A morte de Paulo Quintela, professor e homem de carácter, filho de um pedreiro e que, por vezes, nas suas falas, parecia ter o vigor e a aspereza de quem trabalha o granito, cobre de luto a cultura nacional. O cidadão tinha a grandeza do professor.

Em nome do Partido Socialista, manifesto à Assembleia da República, à Academia de Coimbra e a todos os democratas portugueses o nosso profundo pesar pelo desaparecimento daquele homem bom, sem refolhos, que desceu à terra donde vinha no cemitério de Bragança.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.