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808 I SÉRIE - NÚMERO 22

A guerra, o desperdício de energias e recursos, o racismo, a pena de morte, a fome, a índole são a prova cruel e insofismável de que o que hoje aqui celebramos é apenas um momento de lucidez e coragem, que ainda não soubemos honrar em plenitude, mas que é um grito incómodo, que não mais poderá ser sufocado até que se cumpra totalmente.
Lembramos hoje, não só os direitos das mulheres e dos homens individualmente considerados, mas também o sagrado direito dos povos, à paz, à liberdade, à independência e a uma pátria. São infelizmente muitos, ainda, os casos que poderiam ilustrar a negação desses direitos, mas se há que citar exemplos, lembramos o povo Maubere e o povo Palestiniano, ambos cansados da guerra e do genocídio que sobre eles praticaram outros mais poderosos e cruéis, mas igualmente signatários da Declaração Universal dos Direitos do Homem...
Lembremos também aqueles, muitos, a quem são negados tantos direitos, apenas porque são diferentes na cor da pele, no desenvolvimento económico, na religião, na ideologia, na cultura, no sexo ou em razão de qualquer outra natureza.
O direito à igualdade só será efectivo quando for consagrado inequivocamente o direito à diferença!
Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: A democracia que pudemos conquistar e que diariamente construímos permite-nos celebrar com dignidade a Proclamação Universal dos Direitos do Homem. Somos hoje em Portugal a geração política do reencontro com os equilíbrios perdidos; a geração política da reconciliação com a História; somos já os frutos da liberdade. Temos, pois, a responsabilidade de nos transcendermos em cada acto praticado; pesa sobre nós o desafio de construir o presente garantido o futuro; temos obrigação de intervir para além da mera gestão corrente; o que hoje de nós exigem aqueles que menos direitos têm, é que sejamos mais solidários, mais justos e mais arrojados. Porque o tempo dos que esperam é mais lento; porque a espera gera angústia, desespero e revolta; porque hoje é tempo de celebrar direitos e não de os negar ou diminuir quero lançar daqui um apelo à sociedade portuguesa e aos seus agentes políticos - celebremos a Proclamação Universal dos Direitos do Homem, celebremos este Natal de 1988, com uma medida positiva, solidária e dignificante para todos, assumindo o compromisso de proclamar uma amnistia que possa abranger muitos dos que estão privados da liberdade, em razão da aplicação da legalidade democrática, mas que, certamente, poderão já hoje integrar a sociedade livre a ajudá-la a tornar-se e mais solidária e mais humana. Há demasiados homens e mulheres nas prisões! Há demasiadas angústias e esperas inúteis! Há demasiadas penas injustificáveis! Há demasiados futuros inutilmente adiados! Há demasiadas fugas pela porta do suicídio!
A democracia precisa de todos, nomeadamente daqueles que tiveram papel de relevo na luta pela liberdade e que hoje dela se vêem privados. Ò mundo espera hoje de nós uma efectiva celebração dos Direitos do Homem, uma acção positiva na sua consagração, um gesto que seja que nos permita ir para além da mera celebração solene.
Não tenhamos receio de aceitar o desafio permanente da construção de uma sociedade livre, onde a madurez democrática seja garantia de segurança nas decisões mais arrojadas. A confiança gera o respeito e a liberdade garante o progresso. Afinal, estamos aqui para garantir mais direitos a mais portugueses e em matéria de direitos humanos é sempre possível ir mais além. Que não nos falte o golpe de asa!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Em representação do Grupo Parlamentar do CDS, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, da República, Sr. Presidente da Assembleia da República. Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Esta solene celebração da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 tem a mesma função que Proudhon atribui algures à celebração do Domingo. Todos os olhares e pensamentos, dispersos pelas solicitações contraditórias da vida real, devem suspender as circunstâncias menores em que as energias se gastam, para, como se aconselha aos exércitos dispersos, ritornare al segno. A declaração foi realmente escrita com essa função ambiciosa: pela primeira vez procurava reunir num texto único e comum a visão do homem de todos os sistemas culturais, políticos, religiosos e étnicos. Foi pena que, segundo diz a lenda, tenha ligado, à assinatura do texto, este pretendido comentário de Jacques Maritam: «chegamos finalmente a acordo, mas não sei sobre o quê».
Admitindo, porque tem algum fundamento que o comentário foi realmente feito por tão ilustre pensador é certo que não se tratava apenas de conflito semântico inevitável que entreteria os intérpretes sobre os detalhes da redacção e seu significado.
Tratava-se da herança maquiavélica que o texto da Carta da ONU também recebeu, do poder que se reservaram as superpotências, da certeza de que a nova queda internacional no estado de natureza não estava prevenida nem evitada. As terríveis guerras marginais que se sucederam em vários lugares, os genocídios repetidos, o alargamento das áreas delimitadas pelas fronteiras fluidas de geografia da fome, tudo deu razão ao comentário que não era céptico mas angustiado.
Com tanto fundamento, que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 14 de Novembro de 1950, veio a estabelecer no artigo 15.º que - «em caso de guerra ou em caso de outro evento público que ameace a vida da Nação, toda a Alta Parte Contratante pode tomar medidas que derroguem as obrigações previstas na Convenção».
Não é verdade que no texto da Carta da ONU, e nos textos dela derivados, como é a Declaração de Direitos, esteja garantido o direito básico de todos os direitos do homem, que é o direito à paz entre os povos e preservação da integridade física, cultural e política da comunidade à qual cada homem pertence sem escolha originária.
Depois da paz de 1945, depois dos Julgamento de Nuremberg e de Tóquio, a história continuou a registar casos como o dos Nagas, dos Ibos, do Sul do Sudão, do Vietnam, do Afeganistão. Casos como o de Timor, onde um povo que não ameaça a paz, nem a segurança, nem o futuro, nem a tranquilidade de nenhuma outra comunidade, vai sendo liquidado física e culturalmente em satisfação dos interesses injustos,