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18 DE MAIO DE 1989 3937

decerto árduo mas imperfeito e ainda, repete-se, datado a que se chegou na CERC.
Por isso manteremos em debate a maior parte das nossas propostas, sem prejuízo do espaço construtivo que faremos para obter a melhoria possível das propostas da CERC, na medida, decerto muito ampla, em que elas irão, também neste domínio, prevalecer.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que considero encerrado o debate do artigo 82.° Vamos passar ao artigo 83.°
Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, com o artigo 83.° entrámos na análise de uma das disposições da Constituição que tem sido objecto de maior debate e de maior discussão.
Gostaria de fazer aqui uma primeira intervenção no sentido de balizar a razão das propostas do Partido Socialista talvez de um modo que não tenha sido ainda visto, pelo menos nos trabalhos da comissão, mas que me parece de considerar extremamente relevante para este Plenário. O Partido Socialista propôs, e este artigo 83.° é fundamentalmente obra sua, que a reprivatização da titularidade ou do direito de exploração dos meios de produção e de outros meios nacionalizados depois do 25 de Abril de 1974 se deveria efectuar nos termos de uma lei--quadro, cujos princípios fundamentais constam também de um artigo 83.°-A, incluindo as normas transitórias, e que se dirigem a assegurar a transferência e moralização dessas privatizações, a aplicação das receitas de modo a salvaguardar o verdadeiro interesse público, os direitos dos trabalhadores (na totalidade da expressão desses direitos, sem qualquer limitação) e, finalmente, a preferência na subscrição resultante de eventuais privatizações concedida aos trabalhadores.
Estas disposições têm de ser compreendidas como necessárias à economia portuguesa para que ela ultrapasse, digamos, um certo tipo de fixismo que resulta nomeadamente de questões ideológicas. Não vou agora tornar extremamente enfático esse ponto porque ele tem sido de tal maneira obtido que, suponho, todos os deputados o têm presente.
Mas, julgo, há também um ângulo, talvez novo no debate nesta Câmara que valeria a pena ser considerado. A realidade é, como disse o Sr. Deputado Rui Machete, o enquadramento doutrinário das nacionalizações em geral - e não estou agora a referir-me, digamos, doutrina a doutrina. Ele foi, de certo modo, produzido e consolidado nos anos 60. A geração que em 1974 teve responsabilidades nesse campo, como também referiu o Sr. Deputado Rui Machete, bebeu no seu tempo, no tempo em que reviveu - e isso era perfeitamente normal -, e foi contemporânea em relação à absorção dessa doutrina. Ora, essa doutrina era conexa de vigência de um certo paradigma sócio-económico que presidiu na Europa, no pós-guerra, a todo o surto de desenvolvimento com as suas vantagens, inconvenientes e contradições, que se seguiu à II Guerra Mundial e que vigorou até quase aos fins do ano 60 como um paradigma que na prática social e política acabou por se impor.
A realidade é que, estando nós em 1974/75, esse paradigma bloqueava-se, ou seja, encontrava as mais notórias dificuldades, mas que, por razões diversas, não eram percebidas do ponto de vista do sistema, do ponto de vista da incompatibilidade da sua vigência com as novas condições tecnológicas e sociais, do processo de internacionalização e de transnacionalização que então ocorria. E levou muitos anos para que se percebesse, efectivamente, que se estava perante uma mutação de sistema. E levou tantos anos que - e cito apenas a crise petrolífera de 1973 para nos situarmos - a OCDE, perante uma perturbação da economia mundial com uma virulência e gravidade tais que logo se sublinha mas que não se percebe no seu fundo, constituiu uma comissão, a Comissão Mc Cracken (nome do Presidente do Council of Economic Advisers do Presidente dos Estados Unidos e professor universitário muito reputado), que na altura reuniu peritos famosos e em 1974 produziu um relatório que em Portugal passou algo despercebido, mas que teve, digamos assim, um enorme impacto nos meios académicos, económicos, de negócios e políticos.
Mac Creken, perante a crise de 1973, dizia que o que se passava era uma conjunção dos mais diversos dissidentes no campo da procura, da oferta e da regulação. Foram uma série, digamos assim, de «azares», de tal maneira que a perturbação gerada pela primeira crise petrolífera com todo o seu impacto não pôde ser entendida senão como um acidente e resolvida como tal. Pelas medidas clássicas, a economia retomará o seu curso.
É espantoso como apenas um dos membros da Comissão Mac Creken, que integrava sumidades, enfim, de grande reputação, como, por exemplo, um turco que na altura era director de serviços do Banco Mundial, tenha tido a perspicácia e a previsão do que efectivamente se estava a dizer ao escrever uma declaração de um voto de vencido que ficou notável numa única página, dizendo: é um erro, estamos a assistir de facto ao fim de um sistema e ao nascimento de um outro. Isto, em 1974 e logo a seguir, em 1979, vem a segunda crise. E só nessa altura se percebeu que efectivamente um novo paradigma sócio-económico entrava, de facto, em força e que anulava o paradigma anterior.
Se digo isto, de uma forma longa, Srs. Deputados - perdoem-me que insista nisto - é para se compreender que de facto um mundo novo estava a nascer no momento em que se faziam as nacionalizações em Portugal.
Passados quinze anos esse mundo novo, se bem que não esteja plenamente instalado, mas as tendências de fundo são suficientemente fortes para que já haja até uma convergência de opinião, corta radicalmente com o mundo antigo. A lógica económica, a sócio-económica, a política, e a de regulação social das actividades económicas são radicalmente distintas da lógica que prevaleceu nos vinte ou vinte e cinco anos a seguir à I Guerra Mundial. Destacarei um certo número de factores, na realidade seis, todos eles fundamentais para o desenvolvimento da economia portuguesa, para a Constituição económica portuguesa e para apreciarmos a razão que nos assiste ao mudar efectivamente o artigo 83.°, perante a mudança radical do mundo que nos rodeia ou, antes perante a mudança radical do mundo que nos investe e de que queremos ser não investidos apenas, mas parte construtiva, positiva e parte que acrescente. Esses seis factores, numa breve análise, dizem respeito a um contraste decisivo entre o paradigma anterior e o actual, que está a nascer, quanto a recursos económicos chave e a tecnologias estruturantes dos sistemas económicos.
No antigo paradigma as tecnologias dirigiam-se por métodos de trabalho intensivo ou por métodos energético intensivo à transformação dos materiais em