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4212 I SÉRIE - NÚMERO 96

Autonomia, se temos muita saltam-nos mais. Pela autonomia, para a autonomia, com autonomia, a situação estará sob controlo. Sob controlo e nós sabemos de quem.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tenho nenhuma discordância de fundo em relação à redacção que é proposta para os artigos n.ºs 1 e 2 da Constituição e tê-los-ia votado, sem, dificuldades, em 1976.
Acontece, no entanto, que uma Constituição não pode ser desligada da sua circunstância histórica porque essa circunstância é que é a matriz da própria democracia. Penso, aliás, que se está porventura a mexer, com demasiada facilidade, em praticamente toda a Constituição.
Mas acontece ainda que eu fui o redactor principal do preâmbulo da Constituição. Ninguém me impôs esse preâmbulo. Escrevi-o com convicção e penso que ele traduziu o estado de espirito da época, as aspirações populares, a vontade esmagadoramente maioritária dos constituintes. Representa, pelo menos para mim, um compromisso moral, político e até afectivo.
Estou à vontade para o dizer porque tive então uma posição moderada e moderadora, isto é, nunca defendi posições de poder dito popular contra a democracia representativa e, sempre com o meu partido, liderado então por Mário Soares, considerei que a prioridade era a institucionalização da democracia política, pluralista e pluripartidária. Mas sempre considerei também que era nesse quadro que se deveria apontar para um horizonte socialista, no respeito das liberdades e da vontade do povo português. A aspiração de socialismo estava então profundamente ligada ao próprio processo da luta contra a ditadura e à instauração da democracia em Portugal.
Penso poder dizer-se que, de certo modo, fomos pioneiros e percursores nesse propósito de tentar, num texto constitucional e pela primeira vez na história, conciliar a democracia e o socialismo. Basta ver o que acontece, neste momento, noutras partes do mundo, como, por exemplo, na China.
Fomos pioneiros e percursores e por isso penso que, em relação ao texto constitucional, que tem uma marca histórica, que tem uma carga afectiva que representa um longo processo de luta pela liberdade, inseparável de uma ideia de mais justiça, então consubstanciada num projecto de socialismo e de democracia, penso, como dizia, que esta relação a essa circunstância histórica, esta redacção que eu teria votado sem dificuldades em 1976, representa um recuo e uma regressão.
Por essa razão e porque se mantém o preâmbulo do qual, não posso esquecer, foi o redactor principal, mantenho-me fiel a esse compromisso moral, político e afectivo, porque continuo a pensar que essa ideia de democracia política, pluralista e pluripartidária é inseparável, para se realizar plenamente, de um projecto mais vasto de justiça social, de solidariedade e de fraternidade que é o que, ao fim e ao cabo, consubstancia o ideal socialista.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito pede a palavra para que efeito?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Manuel Alegre, suponho que nunca tive oportunidade de questionar V. Ex.ª nesta Câmara.
As nossas divergências vêm de tão longe como a nossa amizade e apraz-me afirmá-lo aqui perante todos os nosso colegas deputados.
V. Ex.ª não encontra algo de contraditório no seu discurso? V. Ex.ª afirma-se defensor - e eu sei que o é - de uma Constituição que consagre uma organização democrática do poder político. Entende, no entanto, que ela deve, simultaneamente, consagrar a opção socialista. Depois, no seu discurso, essa opção socialista é ligada a uma conjuntura, a um facto histórico, a uma luta, a um combate concreto. V. Ex.ª entende que não há algo de contraditório entre, no fundo, essas duas Constituições que o Sr. Deputado Manuel Alegre nos quer propor?
Quanto ao preâmbulo, V. Ex.ª tem razão. Falarei sobre o assunto dentro de momentos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito obrigado, Sr. Deputado Nogueira de Brito. Confirmo que, na realidade, as nossas divergências vêm de tão longe quanto a nossa amizade.
Um grande poeta português disse que todo o mundo é composto de contradição e é provavelmente nisso que está a riqueza do mundo e da própria mudança. Mas eu não vejo qualquer contradição no que afirmei, tanto mais que comecei por dizer que teria votado, sem dificuldade, esta redacção em 1976.
Não fui daqueles que defenderam então um bloco revolucionário regido estrategicamente por um sector militar. O que defendi então foi a democracia política, representativa e pluripartidária. Eu não mudei! O que mudou foram as circunstâncias e as vontades e vejo com estranheza que alguns daqueles que mais teorizam sobre a matéria são aqueles que, com muita facilidade, hoje se despem da circunstância histórica que é a matriz desta Constituição.
Em Portugal muda-se de Constituição com a mesma facilidade com que se muda de camisa. Posso apontar-lhe o exemplo dos Estados Unidos onde a Constituição tem 200 anos e onde muito pouco nela se mexe.
A nossa Constituição nasceu num determinado contexto histórico, numa determinada circunstância histórica e está marcada por ela. Se se mantém o preâmbulo eu sou fiel ao compromisso que para mim representa esse preâmbulo. Aí não há contradição. A contradição não é minha, ela está provavelmente na vida, nas muitas mutações da vida e nas muitas vontades que se mudam. A circunstância histórica porventura terá mudado. Eu, nas minhas convicções socialistas, inseparáveis das minhas convicções democráticas, não mudei.