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2 DE JUNHO DE 1989 4511

preparamos para dar o nosso voto final sobre o conjunto de alterações efectuadas na Constituição, interrogo-me em consciência sobre qual deverá ser o sentido do meu voto.
Apresentei aqui uma série de propostas, na certeza de que o meu contributo era limitado e pontual. Coloquei-me na perspectiva, que é a minha, de social-democrata, humanista, aberta às mudanças do nosso tempo e à necessidade de transformar mentalidades para fazer face ao futuro. Nenhuma das minhas propostas teve a aceitação do Hemiciclo, embora nalguns casos não houvesse votos contra.
Quanto às alterações realizadas por maioria de dois terços, nem todas mereceram o meu acordo. Registo, é certo, melhorias nalguns aspectos do texto final - sobretudo na área dos direitos e liberdades e nos mecanismos de aproximação entre eleitores e eleitos, reforçados com o referendo e o aperfeiçoamento dos direitos dos administrados. Também considero positiva a exigência de aprovação por maioria de dois terços da matéria referente à delimitação dos círculos eleitorais. É uma prudente limitação contra tentações de abuso de qualquer maioria simples.
Sucede, porém, que o critério do aumento de transparência e exigência de maiorias qualificadas, utilizado em cenas alterações do poder político não subsistiu noutras áreas decisivas do texto constitucional, designadamente na Comunicação Social e na organização do poder económico. Criou-se uma Alta Autoridade para a Comunicação Social, teoricamente independente, mas na prática viciada na sua composição pelo excesso de representantes a designar pelo Governo.
Aceitou-se retirar o princípio da irreversibilidade das nacionalizações efectuadas após o 25 de Abril sem acautelar a exigência duma maioria qualificada, abrindo assim as portas a abusos de poder que, de resto, estão à vista. Ora para mim a liberdade democrática pressupõe uma verdadeira isenção da comunicação social e uma subordinação real do poder económico ao poder político democrático. Infelizmente, o actual Governo não me dá garantias de exercer a sua acção com base em regras de democracia e de bom senso. Bem pelo contrário, constantemente vem dando sinais de autoritarismo e de abuso, o que deveria ter exigido maior vigilância da parte dos deputados aqui presentes.
Dir-me-ão que não se faz a Constituição a pensar no Governo ou num governo. É certo!, mas também não se deve desfazê-la sob a pressão do Governo ou dum governo. Em 1975 fiz parte dos que reclamaram a necessária independência dos deputados face a quaisquer pressões - na altura eram sobretudo as pressões de rua que nos chegavam aqui. Hoje direi que piores do que as pressões de rua são as pressões do poder instituído. Nunca as aceitei e não o farei também agora.
Queria que ficasse aqui também expresso o meu comentário sobre o exercício levado a cabo pelos representantes do PSD e do PS na CERC para retirarem da Constituição a chamada «carga ideológica». Direi, como o genial cientista Stephen Hawkings, que «toda a carga gera a sua anti-carga». Afinal o que vimos aqui foi substituir umas expressões por outras expressões, porventura talvez ideologicamente mais marcantes ou mais redutoras do que as primeiras.
Deixo alguns exemplos.
Porque se retirou da Constituição a expressão reforma agrária, que afinal abrange conceitos que vão do humanismo sergiano ao leninismo mais ortodoxo,
para em seu lugar deixar apenas a reforma fundiária, sob a expressão: «Eliminação de latifundiários e reordenamento dos minifúndios?»
Porque se trabalhou tanto para expurgar do texto constitucional o termo «socialização dos principais meios de produção» - expressão que também abrange conceitos provenientes da Doutrina Social da Igreja, do pensamento humanista e do pensamento marxista -, para se lhe preferir a «apropriação colectiva», que, a meu ver, é uma expressão bem mais redutora? E que significado terá esta «apropriação colectiva», quando afinal é uma maioria simples que vai decidir do interesse que tem ou não, para o País a manutenção de extensas áreas do sector público?
Que garantias nos dão de não estarmos a caminhar para o regresso a condições de desequilíbrio económico crescente entre os que mais têm e os que nada têm?
Porque tiraram da Constituição o facto de ser tarefa do Estado «a abolição da exploração e da opressão do homem»? Não será esse o sentido final de qualquer intervenção que se queira fazer em nome da liberdade, da igualdade e da solidariedade?
Como social-democrata não posso, pois, avalizar estas correcções ditas semânticas, que, ao fim e ao cabo, são para mim alterações programáticas.
Bem sei que uma Constituição não é, nem deve ser, a cópia do programa de nenhum partido, mas apagar dela soluções que abarcavam vários programas partidários para lhe introduzir esquemas meramente liberais, fazer isso é uma emenda que considero pior do que o soneto. E não só podemos dizer em rigor que, afinal neste texto se instaurou o texto do novo programa partidário - neo-liberal e tecnocrático - por que nenhum partido até aqui, em Portugal, foi capaz de assumir esse programa para si próprio no escrito e no texto.
Uma palavra final sobre as condições em que este debate se processou. Tudo se decidiu afinal em petit comité e à porta fechada não na CERC - e ressalvo-
-o aqui porque entendo que desempenhou o seu papel à custa do esforço e dedicação de todos os seus membros e desempenhou-o bem! -, mas entre as direcções do PSD e do PS. À porta fechada se fez um acordo depois apresentado como facto consumado. Estando o acordo feito, toda a participação dos restantes deputados, exteriores a esse acordo, perdeu sentido - nada acrescentaria ao que já estava decidido. Fomos assim forçados a participar numa maratona que intencionalmente se acelerou - já que do debate em Plenário nenhum resultado prático adviria para a Constituição. O acordo estava feito e o que era preciso era ratificá-lo. Nem os deputados, nem a imprensa puderam acompanhar com um mínimo de consistência o processo de votação, despido do seu sentido real, porque já estavam definidos previamente os votos e de nada adiantaria votar aqui, fosse qual fosse o sentido do voto. É por isso que tantos deputados, ainda hoje, não fazem uma ideia real do texto que vão votar nesta mesma sessão, o que considero negativo do ponto de vista da democracia e da responsabilidade que o facto de sermos eleitos nos deveria ter incutido a todos, de modo igual.
Dizia Sá Carneiro que «onde não há co-decisão, não há co-responsabilidade». Não sou responsável pelo acordo PSD/PS. Não será com o meu voto que a nova Constituição será aprovada. Bom seria que cada