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6 DE JANEIRO DE 1990 1027

O que acontece é que nas zonas próximas da bacia mediterrânica se forma um tipo de nuvens -os cúmulos - que em vez de terem um desenvolvimento em extensão têm-no em altura e quando desabam fazem-no com rapidez e fragor no mesmo sítio.
No ano passado acabou por tudo se passar na bacia do Beliche, onde, por acaso, havia uma represa vazia, que é de regulação interanual. Foi como se estivesse debaixo da chuva uma bacia, um tanque a apanhar toda a água. A água que lá está vale muito porque em seis horas se encheu o que poderia ter, naturalmente, levado dois anos ou mais. Vale muito por esse efeito e estamos a tirar as consequências disso, do ponto de vista do seu aproveitamento. Mas o local onde isto ocorre é imprevisível.
Portanto, se não existisse a barragem do Beliche a povoação do Beliche teria sido arrasada em meia dúzia de horas. Felizmente para essa população existe a barragem, mas a preocupação foi tanta, no ano passado, que aí se deslocaram técnicos da Direcção-Geral dos Recursos Naturais para, em conjugação com outros técnicos, comandar os instrumentos e os órgãos de descarga - e devo dizer que o descarregador foi accionado a tempo -, a fim de, por um lado, permitir a libertação do que estava a mais e, por outro, não causar surpresas a jusante.
Aliás, é muito interessante verificar que de há 10 anos a esta parte houve um grande melhoramento na previsão, porque a previsão dos níveis da cheia foi dada, com grande precisão, com 10 horas de antecedência às populações do Ribatejo. Houve afastamentos, na hora máxima, de 11 cm, o que não causa malefícios de maior.
Este ano, o fenómeno, que é da mesma índole, aconteceu numa bacia hidrográfica do Algarve que tem a jusante uma cidade, em vez de ter sido num local ou numa pequena bacia hidrográfica que não se encontrasse nessas circunstâncias. Simplesmente, porque havia populações e actividades a jusante, houve efectivamente malefícios.
Portanto, há aqui uma distinção entre o carácter das cheias do Tejo e do Douro e o das cheias do Algarve, que tanto impressionou as pessoas por terem tido tratamentos diferentes, exactamente por terem índoles diferentes.
No entanto, terei ainda a possibilidade de esclarecer mais alguma coisa, na sequência dos pedidos de esclarecimento.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem, de novo, a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, agradeço-lhe as explicações que me deu.
No entanto, coloquei questões diversificadas, que o Sr. Ministro se escusou de abordar. Assim, sem querer utilizar de forma diversa a sua intenção e as palavras que proferiu, gostaria de resumir aquilo que V. Ex.ª disse.
De facto, o Sr. Ministro deu a entender que estas cheias tiveram duas causas: uma, absolutamente imprevisível ou incontrolável, de natureza meteorológica, e outra que foi a memória curta das populações e, portanto, a consequente actuação imprudente das mesmas. Ora, daqui resultaram consequências que, no entender do Sr. Ministro, não foram por aí além.
Sr. Ministro, esta sua afirmação vem um pouco no sentido das declarações produzidas pelo seu anterior colega da administração interna, Silveira Godinho, a quem só faltou dizer que as populações do Ribatejo eram anfíbias e estavam habituadas a essas coisas.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Deputado, nem ele nem eu dissemos isso!

O Orador: - O Sr. Ministro disse que elas estavam habituadas a estas coisas, mas estavam esquecidas destes acontecimentos, que tiveram lugar há já 10 anos e que, portanto, foram perdendo, sistematicamente, essa qualidade de anfíbias, o que lhes causou alguns transtornos.
Ora, daquilo que nos foi dado observar temos outro entendimento do que se passou. Aliás, isso não se verifica apenas em relação a nós, deputados, como a todos os cidadãos, como, inclusivamente, ao Sr. Presidente da República, que também se deslocou às localidades em questão e teve uma visão exacta, nomeadamente daquilo que se passou no vale do Tejo, pois chegou mesmo a dizer que vinha para Lisboa com a missão de promover as acções necessárias que levassem o Governo a declarar a situação de calamidade pública. Porém, a verdade é que o Governo se nega a isso!
Assim, somos levados a perguntar quanto mais é que é preciso chover, quantos mais milímetros de água são necessários para se atingir o nível mínimo de declaração de situação de calamidade pública, porque se for necessário mandamos chover um pouco mais para que aquela gente tenha direito aos subsídios de que de facto necessita!...
Repare, Sr. Ministro: terá aquela gente errado nas culturas colaterais dos diques? Terão os técnicos errado na construção da altura dos diques? Terão as pessoas errado quando escolheram o local para construir a sua casa? Terá o Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação errado porque não fez um planeamento florestal a tempo?. Terão os Espanhóis errado por fazerem barragens quando não deviam e centrais nucleares onde não deviam? Terá toda esta gente errado? Então, por que é que o Ministério do Planeamento e da Administração do Território não planeou, não previu e não actuou?
Não houve consequências de certa natureza para o País como, por exemplo, transportes que não andaram, estradas que foram destruídas -e com as quais é preciso gastar milhares ou milhões de contos em reconstrução-, milhares de horas de trabalho que foram perdidas, indústrias, nomeadamente ligadas à agricultura e à produção agrícola, que tiveram prejuízos tremendos não só no Algarve como no vale do Tejo, no Douro, na zona de Torres Vedras e da Beira? O que é que o Governo diz em relação a isto? Diz que choveu alguns milímetros a menos e portanto não se atingiu o nível mínimo?
Por que é que o Governo não declara a situação de calamidade pública? Por que é que o Governo não acorre, como lhe era devido, já que não preveniu a tempo?
É certo que não vamos pedir ao Governo que mande construir um guarda-chuva gigantesco para quando chova algum cúmulo nimbo que resolva cair, sei lá onde!... A este propósito devo dizer que ontem desejei aqui que ele caísse sobre Almodôvar, no sítio onde se está a fazer a estação de rastreio de satélites!... Era essa referência que o Sr. Ministro há pouco não tinha! Não era nada mais do que isto!... Portanto, na próxima vez já sabe que o cúmulo-nimbo vai cair em cima de Almodôvar e, portanto, poderão pôr lá um alguidar para apanhar a água.