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26 DE JANEIRO DE 1990 1255

A mais reputada doutrina, tanto nacional como estrangeira, tem acentuado que o direito criminal só deve ser utilizado como última reunião da política criminal, filosofia que o Código Penal português de 1982 acatou, optando por uma equilibrada política de descriminalização, deixando aberto um vasto campo ao direito de mera ordenação social, ao mesmo tempo que marcou a distinção entre crimes e contra-ordenações como aquela para que tenderia o sistema em termos definitivos.
Todavia, muitas são ainda as leis avulsas que contemplam transgressões e contravenções, o que significa dizer que se mantém, conquanto transitoriamente, o sistema tripartido crime contravenção contra-ordenação e, em termos que permitem reconhecer o seu significado social ainda relevante, a impor um olhar atento sobre o regime adjectivo que deve ser-lhes aplicado.
O vigente Código de Processo Penal, coerentemente com as referidas orientações de política legislativa, veio regular apenas o processamento tendente à aplicação de penas e medidas de segurança criminais, estabelecendo, porém, algumas disposições a título transitório para o processamento das transgressões e contravenções dispersas por legislação avulsa, mandando aplicar-lhes, com algumas adaptações e conforme os casos, as formas de processo comum, sumário e sumaríssimo.
A experiência mostrou, entretanto, que as disposições do Decreto-Lei n.º 387-E/87 não resolveram todas as dificuldades que já se haviam manifestado na vigência das disposições do Decreto-Lei n.º 78/87, no tratamento processual da espécie de ilícito em causa.
Fundamentalmente, não foram de lodo resolvidas as dificuldades decorrentes da adaptação ao julgamento das contravenções e transgressões, das formas processuais do novo Código de Processo Penal.
Sem embargo de o legislador ter optado, por razões de coerência, pela aplicação daquelas formas, produziram-se, como se diz no relatório da proposta de lei, indesejáveis efeitos colaterais, não razoavelmente previsíveis, que se traduziram na fragmentação da jurisprudência, na burocratização dos procedimentos e no excessivo empenhamento dos corpos de polícia, assim se criando situações de acrescida mobilização dos seus efectivos para demoradas intervenções junto dos tribunais, com prejuízo para as suas funções de prevenção da criminalidade.
Surgiu, por isso, a necessidade de regular, em novos moldes, o processo de contravenções e transgressões, em ordem a conferir-lhe eficácia e a eliminar as hesitações e divergências jurisprudências e consequentes reflexos negativos na certeza do direito e na segurança dos cidadãos.
A presente proposta de lei visa conseguir estes objectivos de forma equilibrada e sem gravame para os interesses dos arguidos, no que loca ao direito de defesa. Daí que o diploma a elaborar, concedida a autorização legislativa que se pretende, se proponha regular, de forma autónoma, simples e proporcionada, as questões processuais suscitadas pelas contravenções e transgressões, com base nos princípios expostos no n.º 2 do artigo 2.º proposta de lei.
Ó princípio referido na alínea a) visa obviar a prática que se instalou da requisição sistemática da presença dos agentes da autoridade que lavram os autos de notícia em juízo, mas não prejudica a possibilidade de a fé em juízo dos mesmos autos ser infirmada por prova em contrário, nem a eficácia dos autos de notícia impede que a autoridade judiciária proceda ou mande que se proceda às diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade.
Com efeito, também aqui se sente, hoje, a necessidade de conciliar valores fundamentais aos quais se reconduzem, como indica o preâmbulo do Código de Processo Penal, a «realização da justiça do recurso a «meios processualmente admissíveis» e a jurídica dos cidadãos». Porém, como também ali logo se adianta, «afastada está, à partida, a possibilidade do se pôr de pé um sistema processual que de satisfação integral às exigências decorrentes de cada uma daquelas três referências».
Ora, a constante requisição dos agentes da autoridade que lavraram o auto de notícia conduz a que o sentido positivo da sua participação em julgamento resulte degradado pelos efeitos mais negativos decorrentes, pelo que, sem entrar mesmo na análise do fundo acerca do real valor probatório das suas participações em audiência, a manutenção do actual sistema coloca graves problemas no domínio da prevenção e da repressão da criminalidade mais grave, em nome do respeito por valores que, afinal, na maioria dos casos, apenas formalmente se vêem protegidos.
A tudo acresce a circunstância rio, contravencional, se intervir, em regra, em domínios de neutralidade axiológica, por isso mais abertos n soluções como aquela que agora se propõe sem que, deste modo, se atinjam valores essenciais ou particularmente relevantes, como aqueles que, seguramente, não deixarão de vir a sofrer ofensa, a manter-se o sistema que açora se pretende reformar.
Por sua vez, os princípios das alíneas d) e c) visam reforçar as garantias da defesa do arguido, através da nomeação de defensor.
O princípio da alínea f) exclui a aplicação da forma sumária para o julgamento de infractores com menos de 18 anos surpreendidos em flagrante delito, forma essa que será a regra para os restantes casos.
O princípio da alínea r) é a consagração tia possibilidade de pagamento voluntário, tradicional do nosso direito, porém restrita à hipótese de a infracção ser punível unicamente com multa ou com medida de segurança não detentiva.
O princípio da alínea g) garante o exercício do direito de recurso em termos mais amplos do que os admitidos no Código de Processo Penal de 1929 e o princípio tia alínea i) determina a aplicação subsidiária do direito processual penal, como não podia deixar de ser!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo espera, assim, que esta Assembleia lhe conceda a autorização necessária para legislar em harmonia com os princípios indicados.
Entretanto assumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputadas, o Sr. Ministro ultrapassou o tempo disponível na sua intervenção, pelo que nos confrontamos com uma dificuldade.
Assim, julgo que não se oporão a que a Mesa gira os tempos a fim de permitir que seja dada resposta aos pedidos de esclarecimentos formulados pelos Srs. Deputados Odeie Santos, Narana Coissoró e Carlos Candal.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.