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27 DE JANEIRO DE 1990 1267

amplitude legitimada com a mediação interactiva dos três órgãos de soberania (Presidente da República, Assembleia da República e Governo).
6 - A necessidade de um Conselho Nacional de Ética constitui um adquirido do debate público parlamentar e, por isso, a sua concretização é uma tarefa inalienável e urgente do legislador. A organização social das democracias modernas não pode prescindir de uma reflexão sobre os caminhos da ciência e das novas tecnologias e a definição de regras e comportamentos que balizem o limite da dignidade do homem e do conjunto dos indivíduos.
7 - Do sumariaste exposto conclui-se da pertinência geral da proposta de lei que visa a criação de um organismo cuja necessidade e importância é inquestionável. No entanto, as diversas dúvidas que se suscitam na especialidade deverão merecer a devida reflexão. A proposta está em condições de subir a Plenário.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Ajunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A espectacular evolução das ciências médicas, biológicas e bioquímicas abriu perspectivas em que o legislador não poderá deixar de atentar.
Com efeito, à consciência do homem são postas questões de grande melindre e delicadeza, de ordem ética e jurídica, nomeadamente nos domínios da procriação artificial, da colheita de órgãos e tecidos para enxertos e transplantações, da experimentação clínica e farmacológica no Homem e do prolongamento artificial da vida através das modernas técnicas de reanimação.
A generalidade das leis, que têm proposto regular toda esta diversidade de eventos, como, por exemplo, a recente lei francesa relativa à protecção das pessoas que se prestam às investigações biomédicas, assentam em regras basilares, que passo a referir.
O imperativo ético é afirmado no princípio da sujeição da investigação sobre o ser humano a determinadas condições, nomeadamente: ser fundado sobre o estado actual do conhecimento científico e sobre uma experimentação suficiente; assegurar o justo equilíbrio entre os riscos previsíveis e os benefícios prováveis; haver interesse da extensão do conhecimento científico para o ser humano e dos meios susceptíveis de melhorar a sua condição.
Pode assim referir-se, em consequência, que está em causa a consideração de um verdadeiro balanço de riscos/benefícios, em que é latente um compromisso entre a Uberdade científica e a tutela devida aos direitos fundamentais da pessoa humana.
O psicanalista Jung costumava falar de «misoneísmo» a propósito do medo de tudo o que é novo e desconhecido. No entanto, esta atitude de resistência, muitas vezes inconsciente, é naturalmente justificada, pois a experimentação acumulada lembra-nos que o processo científico nem sempre conseguiu evitar efeitos perversos para o Homem e para a Humanidade.
Como muito justamente foi sublinhado num colóquio realizado em Liège, em 1980, sobre os auspícios do Conselho da Europa, subordinado ao tema «A investigação científica e o direito», nenhum progresso importante e seguro é possível, em qualquer ciência, sem um longo e minucioso trabalho de pesquisa, tanto mais indispensável quanto o seu objecto comporta riscos, os seus objectivos são elevados e os riscos numerosos e importantes.
Toda a mudança e progresso, toda a introdução de novos métodos ou de novos procedimentos com interesse prático, e que podem ter boas ou más consequências, obrigam os homens da ciência e os práticos a investigações prévias a um estudo, tão completo quanto possível, em ordem a prever todas as consequências prováveis e mesmo possíveis, úteis ou nefastas, para o Homem, a fim de determinar os métodos que podem ser abandonados para os substituir por outros, e as consequências que podem ter as novas invenções ou práticas, quer imediatamente quer decorrido certo tempo.
No colóquio a que me referi foi, incisivamente, recordado que a física corpuscular descobriu novas energias, e permitiu Hiroxima; que a física dos corpos sólidos conduziu aos microprocessadores, espécie de célula nervosa dotada de lógica e de memória. Mas até onde é que esses cérebros artificiais levam as suas deduções?
Foi recordado, igualmente, que a biologia fundamental permitiu a acção terapêutica, mas que desaguou também na bricolage genética. Ora, isto mostra que o valor fundamental da liberdade de investigação científica implica, indiscutivelmente, um apelo ao sentido de responsabilidade social e moral dos investigadores.
Na verdade, com vista a evitar que a pessoa humana seja resguardada de transformar-se de sujeito em objecto, não podem ser resolvidas as tensões potenciais entre a liberdade de investigação científica e o respeito pelos direitos fundamentais do Homem pela via, pura e simples, da proibição de investigações.
Também a liberdade de investigar, além de ser um elemento institucional essencial às sociedades democráticas, configura-se como um direito fundamental. Por isso, o único modo legítimo de regular o seu exercício será o de estabelecer-se limitações razoáveis que devem basear-se em princípios deontológicos, éticos, culturais, sociais e jurídicos que tutelam os direitos e liberdades do Homem como ser individual e social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seja-me permitido recordar que a liberdade de investigação e criação científicas está acautelada na Constituição da República Portuguesa. No entanto, convém distinguir entre a liberdade de investigação científica pura, que não coloca especiais problemas de carácter ético ou jurídico, e a liberdade da investigação aplicada ou tecnológica, que enfrenta um complexo jogo de interesses individuais e colectivos que importa proteger, nomeadamente quando envolve experimentação sobre seres humanos.
Com efeito, a experimentação sobre o Homem (nascido ou a nascer), a transplantação de órgãos, a medicina da procriação e a manipulação genética constituem as principais áreas onde se impõem limitações à liberdade de investigação.
Trata-se, essencialmente, no domínio da investigação biomédica, de proteger o ser humano enquanto objecto de experiências, de proteger, hoc sensu, a sua liberdade de decisão por apelo ao seu consentimento livre e esclarecido, de proteger a sua vida e integridade física contra riscos injustificados ou, ainda, de proteger a sua dignidade humana contra experiências humilhantes ou contra a exploração de particulares situações de vulnerabilidade económica e social.
Quanto à medicina da procriação existe o risco de subestimar, quando não de desconhecer, os interesses da