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2 DE FEVEREIRO DE 1990 1361

dados os compromissos internacionalmente assumidos pelo nosso país em consequência dessas ratificações por esta Assembleia.
Portanto, quando alguns dos Srs. Deputados levantaram a questão do porque de tantos pormenores em relação ao transporte e ao abate de animais e a muitos outros aspectos, repito que esses são pormenores técnicos que estão neste projecto de diploma porque já suo lei interna portuguesa. É que, com a ratificação das convenções internacionais que, há pouco, referi, Portugal comprometeu-se a acatar essas disposições. Assim, este projecto de lei limita-se a reproduzir o que já é lei interna portuguesa e nada mais.
Estas convenções, todas oriundas do Conselho da Europa, são as Convenções Europeias para a Protecção dos Animais de Abate, para a Protecção dos Animais nos Locais de Criação, para a Protecção dos Animais em Transporte Internacional e, finalmente, a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passo, agora, a referir--me à polémica questão das touradas.
As touradas já estiveram proibidas em Portugal, durante a monarquia, em consequência do disposto no Decreto de 12 de Setembro de 1836, onde se justificou a sua proibição pelo facto de elas serem um divertimento bárbaro e impróprio das nações civilizadas que serve unicamente para habituar os homens ao crime e à ferocidade - é assim que consta do preâmbulo da lei que aboliu as touradas em Portugal no século passado.
Subscrevo inteiramente essa definição, que é hoje mais actual do que nunca. Sendo assim, como explicar que neste projecto da minha autoria se permita, no n.º 2 do artigo 22.º, a continuação das touradas à portuguesa, embora com certos condicionalismos, consistentes tão-somente na proibição das touradas à espanhola, envolvendo a morte do louro na arena e a sorte de varas -que é particularmente cruel, como toda a gente sabe! - na obrigação do abate do animal imediatamente após a lide, para evitar-lhe um longo período de sofrimento que se lhe segue; na proibição de touradas em recintos improvisados e de assistência de crianças com menos de 16 anos.
As touradas, à espanhola ou à portuguesa, são uma barbárie que descende em linha recta dos sanguinários espectáculos das arenas romanas, em que os cristãos eram devorados por feras e os gladiadores se assassinavam mutuamente para gáudio de uma multidão ansiosa por prazeres fortes em que o sangue corre a jorros.
Para quem tenha ainda qualquer hesitação sobre a insuportável crueldade das touradas, aconselho vivamente a leitura da obra, de Miguel Torga, Bichos, do conto "Miura", em que o grande escritor descreve, em páginas lapidares, o suplício do touro.
As touradas não têm, por isso, qualquer justificação no mundo moderno, no dealbar do século XXI, quando os autos-de-fé e a tortura inflingida a seres racionais ou irracionais se configuram cada vez mais como uma aberração de épocas bárbaras.
Por isso, na actualidade, este resquício de épocas brutas existe unicamente em Espanha, em Portugal e em quatro ou cinco países de influência espanhola caracterizados por um indiscutível atraso cultural.
A tourada está em regressão por toda a parte, excepto, talvez, no Sul da França.
Em Portugal, são os próprios aficcionados que se queixam de as assistências diminuírem à razão de 10 % ao ano (segundo referem os jornais em entrevistas com empresários), designadamente a juventude deixou de interessar-se pelo espectáculo, acompanhando, neste aspecto, o desenvolvimento em flecha das preocupações ecológicas, totalmente incompatíveis com a tortura de animais. Aliás, no Parlamento Europeu está em curso um fortíssimo movimento no sentido da adopção de uma directiva que proíba as touradas nos países comunitários.
Também em Espanha - e este é um aspecto importante que gostaria de frisar - uma sondagem recentemente efectuada, pelo jornal YA, publicada em 30 de Maio de 1986, aquando do debate sobre as touradas no Parlamento Europeu, revelou estes números interessantes: 51 % dos Espanhóis não têm qualquer interesse pelas corridas de touros; 31 % demonstram pouco interesse; apenas 18 % se interessam muito pelas touradas.
Portanto, contrariamente ao que por vezes se diz, Espanha não é um país de aficcionados. A maioria dos espanhóis não gosta de touradas!
Revelou também essa sondagem que 60 % das pessoas de idade entre 15 a 39 anos não demonstram qualquer interesse pelas corridas e 24 % dos Espanhóis pensam que as corridas são espectáculos bárbaros, que deviam ser suprimidos.
No dia em que se faça uma sondagem em Portugal - e seria interessante que qualquer jornal a empreendesse-, estou convencido de que os resultados seriam ainda mais desfavoráveis à continuação das touradas, certo como é que o grupo de aficcionados que acompanha permanentemente este espectáculo em Portugal é extremamente reduzido - basta olhar para a frequência habitual das praças de touros, em que as grandes clareiras são testemunho do que acabo de dizer!
Mas há ainda um outro ponto que gostaria de salientar - e agora estou a dirigir-me, em particular, aos católicos e sei que não só na minha bancada como na do CDS há uma imensa maioria de católicos; é, pois, para eles, em particular, que neste momento estou a falar-: gostaria de recordar aos meus amigos católicos que, por uma bula promulgada por São Pio V, no ano de 1567, foram proibidas as corridas de touros, sob pena de excomunhão ipso facto incurrenda. E tenho-a comigo para quem a quiser examinar.
A este respeito, escreveu o cardeal Gasparri, em 6 de Maio de 1923: "Se a barbárie humana se satisfaz ainda com as corridas de touros, a ninguém é lícito esquecer que a Igreja continua a condenar abertamente, como, aliás, sempre o fez, esses espectáculos sangrentos e vergonhosos."
E continua o cardeal Gasparri: "De longa data, foram elas condenadas pela Santa Sé. A bula de São Pio V é bem conhecida. Ardentemente desejo que, em toda a parte, passem a ser observadas as prescrições da Santa Sé referentes a este assunto."
Perante isto, como explicar que no meu projecto as touradas sejam mantidas?
A razão é muito simples, Sr. Presidente e Srs. Deputados: porque tive de render-me à realidade de que, infelizmente, nesta Assembleia, é duvidoso que, neste momento, já haja uma maioria suficiente para aprovar a supressão das touradas, como já aconteceu no século passado. Mas esta altura chegará, estejamos certos!
A luta pelo fim da escravatura, pelo fim dos suplícios públicos, dos autos-de-fé, da tortura em presos, numa palavra, a luta, pelos direitos humanos nunca foi fácil nem de rápidos resultados. O mesmo acontece na luta cultural pelo fim dos espectáculos bárbaros sobre animais, os quais estão exactamente na mesma linha.