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1466 I SÉRIE - NÚMERO 41

Impedido do exercício do direito de palavra pelo Regimento que actualmente regula o funcionamento desta Assembleia, não tenho outro meio senão utilizar a declaração de voto para expressar as razões e os fundamentos da minha posição de independente em face da proposta de lei do Governo sobre as privatizações.
Votei decididamente contra ela. E fi-lo sem qualquer hesitação, apesar de reconhecer a necessidade da iniciativa e de não discutir a sua legitimidade após a última revisão constitucional.
Entendo, no entanto, que, sem pôr em causa a sua constitucionalidade, a não ser em ponto fulcral, a que adiante aludirei, e sem sequer contestar a sua oportunidade, atenta a forma como, historicamente, se realizaram e, especialmente, se não consolidaram as nacionalizações, no que poderia e deveria ter sido um verdadeiro grupo Estado, a presente proposta de lei quadro n3o serve os interesses da economia nacional.
Com efeito, o texto final, saído da Comissão de Economia, apresenta lacunas e contem estatuições que, em meu entender, não só fazem tábua rasa de uma série de preocupações legítimas dos parceiros sociais, como esquecem a lição da experiência de outros países da CEE, que passaram já por situações idênticas, como, por exemplo, a França e a Inglaterra.
Assim, e sem preocupação de ser exaustivo, a proposta de lei do Governo:

Não consagra algumas aquisições comunitárias em matéria de privatizações, como seja a prévia audição dos trabalhadores e a sua participação nos órgãos sociais das empresas privatizadas (directiva Vredeling e X Directiva sobre as sociedades);
Não reconhece o direito de associação dos trabalhadores para aquisição e gestão de parles do capital;
Não garante, em termos eficazes, a segurança no emprego das empresas a privatizar;
Não preserva devidamente os interesses da economia nacional, impedindo, de forma credível, que o capital estrangeiro assuma posições maioritárias em empresas estratégicas, quer no sector produtivo quer no sector financeiro;
Designadamente, nada estatui quanto à constituição de núcleos duros;
Regula, em termos perfeitamente demagógicos, a aquisição ou subscrição de acções por trabalhadores;
Não prevê a prévia definição dos critérios das indemnizações definitivas pelas nacionalizações das empresas a reprivatizar nem assegura os direitos dos anteriores detentores do capital das mencionadas empresas;
Não erige em regra absoluta a necessidade de concurso público como forma de realizar as privatizações;
Não admite que o processo das reprivatizações seja acompanhado e fiscalizado por uma subcomissão parlamentar permanente;
Não define critérios objectivos para a fixação do preço das privatizações, nem para o modo do seu pagamento;
Não estabelece quaisquer garantias que assegurem a eficácia e a responsabilidade da gestão das empresas privatizadas e garantam a estabilidade do accionariado popular e a defesa dos seus direitos, impedindo até o direito de voto nas assembleias gerais;
Dá um destino economicamente reprovável às receitas obtidas pelas privatizações, ao afectá-las prioritariamente à amortização da dívida pública e não a investimentos produtivos.
Mas, mais importante do que tudo isto, é o facto de a proposta de lei quadro do Governo não estabelecer qualquer limite ao âmbito das privatizações, como se todos os sectores da economia e todas as empresas públicas pudessem e devessem ser obrigatoriamente privatizados.
Este aspecto, além de violador da Constituição, que impõe a coexistência de vários sectores, público, privado e cooperativo, da economia, revela bem que o objectivo do Governo não é apenas o de reprivatizar certas empresas nacionalizadas, por razões de gestão empresarial ou segundo critérios de eficiência económica, mas antes o de prosseguir uma operação concertada de liberalização total da economia nacional, tudo permitindo privatizar, ao sabor das puras leis da oferta e de procura, e sem qualquer orientação estratégica para a economia nacional.
Demitindo-se de criar um sector público empresarial constituído como grupo económico, com capacidade de intervenção e competitivo no mercado nacional e comunitário, demitindo-se de reorganizar as participações do Estado nas empresas privadas de acordo com qualquer dos modelos já experimentados em vários países da CEE e demitindo-se de gerir o próprio sector público que ainda lhe resta, o Governo pretende alienar a 100 % toda a economia nacional e fá-lo sem preservar os interesses nacionais, dando mostras de um liberalismo serôdio e ultrapassado, que faz parecer intervencionistas e estatizantes os programas de privatizações da Sr.ª Thatcher ou do ministro Balladur, cujos efeitos, no entanto, são já bem conhecidos em Inglaterra e em França.
Por todas estas razões, a proposta de lei do Governo não pode deixar de merecer claro repúdio. Este o claro sentido do meu voto contra.

Lisboa, 8 de Fevereiro de 1990. - O Deputado Independente, Pegado Lis.

Os REDACTORES: Ana Maria Marques da Cruz - Maria Amélia Martins - José Diogo - Cacilda Nordeste - Maria Leonor Ferreira.